Sabendo que o lançamento do famoso
Caylus 2.0 está se aproximando no Brasil pela Galápagos, o lado consumista + euro gamer surgiu das profundezas do meu ser e me fiz a clássica pergunta:
"vou, ou num vou?".
Em tempos de pandemia, os jogos à dois vem sendo padrão, então isso me é bem importante. Fiz uma
pergunta aqui na Ludopedia sobre este aspecto e ninguém me respondeu, mas vi que muita gente seguiu o tópico ou seja… há
sede por conhecimento.
Sabedoria propagada desde a década de 90 por toda a galáxia.
Então arregacei minhas mangas e fui testar o referido jogo no
TTS. Não joguei uma, mas sim três vezes e vou dar minhas impressões sobre diferentes contagens de jogadores. Bora lá?
Disclaimer: como sempre, não vai ter aprofundamento de regras aqui, mas até vou passar um breve contexto dos pontos importantes. De qualquer forma, eu assumo que você já tem noções gerais do funcionamento do jogo. Se não tem, a internet é sua amiga e tem o manual traduzido na Ludopedia. Eu particularmente recomendo o vídeo comparativo da versão antiga e nova feita pelo@PaladinoMonge, sim as vezes eu vejo vídeos, me desculpem mas o cara é bom, o que eu posso fazer?
Prêmio Spiel des Djow de Maior Hipocrisia Editorial para Escritor Que Fala por aí que Não Gosta de Vídeo, mas Assiste Escondido.
O Feio
No nosso primeiro teste, fui ver o que realmente importa nos tempos de quarentena, peguei minha cobaia (
@alucia) e parti para o
Duelo 1x1. Você que acompanha meus escritos sabe que eu curto muito jogos de alta interação e aceito inclusive um
Take That ocasional. O Caylus original, que nunca joguei, é aclamado por ser a um verdadeiro
arauto da escola euro: maldoso, estratégico e que faz péssimo uso de tons pastéis. Essa nova versão foi
"streamlinificada", neologismo para "regras mais elegantes e úlcera nos fãs do original", mas supostamente mantém boa parte da
maldade pelo qual o jogo é conhecido. Mas e aí?
A opinião do Chavez se ele tivesse jogado comigo.
Que primeira impressão
péssima minha gente! Eu particularmente me julgo um euro gamer "estilo chato", aquele que sente
prazer em passar 3 rodadas pra pegar junco, madeira e construir um novo quarto, mas aqui eu me senti vivendo o pós-conceito dos Ameritrashers:
"O que? Passar 2 horas pegando recurso, pra trocar por outros recursos, pra depois trocar por pontos? E nem ao menos tem Dinossauros envolvidos aí? Cê tá louco?" — Ameritrasher Qualquer (ou possivelmente @marciusfabiani)
O jogo pra mim, realmente se reduziu a isso. E a interação você me pergunta? Pouca ou irrelevante. Veja bem, o jogo
praticamente não impõe restrições em diferentes números de jogadores, e explico: independente do número de jogadores você tem basicamente
8 construções para escolher onde colocar seus trabalhadores na primeira rodada. Consegue entender a matemática da tensão? O último jogador em
2 jogadores tem 7 escolhas possíveis, o último jogador em
5 jogadores, tem 4. Temos ai um
aumento de tensão de 50%. Essa folga toda tira o sufoco para conseguir aquele recurso essencial para seus planos.
E o tal do
Provost? A mecânica que faz o jogo ser icônico por impedir a ativação do
worker placement depois da alocação?
Pra mim, do
alto do meu trono e na minha
primeira partida (risos)
não funciona. Cada jogador pode mover o Provost até três espaços e usando uma construção específica,
um dos jogadores pode fazer ele se movimentar mais dois. No cabo de guerra então na pior das hipóteses fica
5 vs 3, ou seja, no máximo uma diferença de 2 espaços. Sabendo disso, os jogadores podem
ter certeza que locais a três de distância do Provost
sempre são seguros. Essa matemática, simples e óbvia, tira a parte mais interessante que é a
incerteza e tensão, quase um
push your luck que, como veremos, pode acontecer com três ou mais jogadores.
Dois espaços atrás do Provost (Laranja) é derrota. Qualquer coisa a partir do terceiro (depois da ponte) é seguro.
Existem outros pormenores que poderiam complicar essa conta, como o número de trabalhadores, mas em menos jogadores essa quantidade
é até maior no setup, e dependendo da estratégia adotada não é difícil ficar com "trabalhadores sobrando".
Sem a mecânica do Provost, Caylus não é Caylus, se tornando um jogo que é apenas o
pior do euro: coletar cubo de madeira, que possivelmente representa madeira, para trocar por fichas de ponto de vitória, repetido por nove rodadas.
Tédio 1303.
O Bom
Depois da péssima experiência 1x1, tive uma segunda dose, agora com
@Bob_ e
@N4t4n431. E aqui, vi que de fato há um bom jogo. No momento que temos um terceiro jogador, toda a mecânica do
Provost começa a funcionar e de maneiras exóticas. Veja bem, antes era certo que ter um trabalhador ao alcance do Provost era um risco, afinal é 1x1, você só tem UM oponente, se ele
gastou um trabalhador para pegar um recurso e ganhar pontos, você gastar
um trabalhador também para anular isso, é
vantagem clara 99,99% das vezes. A simples existência de um terceiro jogador muda essa dinâmica completamente:
- Dependendo da sua performance no jogo, você pode voar abaixo do radar. Supostamente, ao estar perdendo alguém nem vai querer gastar um trabalhador com isso.
- Lembra da matemática exata da segurança? Agora aquela distância aumenta +3 espaços por número de jogador, porém apenas se os oponentes trabalharem juntos. E aí entra um pseudo push your luck, é improvável, porém possível que o 4o espaço que aparentemente é seguro seja vítima de um complô. Isso com três jogadores, com mais jogadores o grau de incerteza só aumenta.
Se não ficou claro o quão essa parte é importante pro jogo. O manual deixa "explicitamente implícito".
"É permitido, aconselhado inclusive, discutir e negociar." — Como negociar numa partida 1x1?
Mas o jogo também não é
só isso. Em três jogadores, outros aspectos ficam mais interessantes, como o fato de você ganhar pontos de vitória quando um oponente colocar um trabalhador nas suas construções e também o
roubo de personagens que irei detalhar adiante. Note que esses dois pontos, em dois jogadores sofrem do mesmo problema do Provost: se eu roubo de você, você rouba de mim,
nada aconteceu, ambos perderam tempo e o tédio imperou. Mesma coisa referente a dar pontuação por usar a construção do oponente. Em três jogadores a coisa muda de figura, as vezes é válido ajudar um, mas não outro.
Tive um fiel cliente da minha indústria de tecidos, e aí a interação brilha.
Dito isso, não é como se tivesse nascido um
espetáculo de jogo, é "só" um bom jogo, mas eu e o @
red_djow já cantamos essa pedra várias vezes: para um jogo brilhar, ele precisa ser rejogado várias vezes. Vale a pena trazer um novo jogo em vez de jogar aquele jogão consagrado, ou até outro jogo bom esquecido, ai da sua coleção? Não sou eu que vou responder essa pergunta pra você, mas dou a dica:
provavelmente não.
O Mau
E por fim, jogamos em 4 jogadores: eu,
@alucia, @Bob_ e @N4t4n431, a experiência pode ser resumida assim:
"Uma versão muito melhorada da experiência em 3 jogadores."
E por melhorada eu quero dizer, muito mais
"maudosa" (desculpem o pt_BR falho, mas tinha que engatar a piada com o título). Aqui o crime era constante, nenhum lugar era seguro, não tinha ação de sobra pra todo mundo e a luta pelos melhores
personagens especiais foi bem acirrada. O jogo valorizou ainda mais os bons elementos que surgiram na partida com três jogadores, fazendo uma experiência
muito mais intensa e que
entregou muito mais jogo.
Mas antes de eu continuar rasgando seda, deixe-me falar do
tal roubo que mencionei antes. Uma das ações do jogo, é
entregar recursos pro castelo que está sendo construído (tema excelente, eu sei). O jogador que entregou mais recursos ganha um
favor pelos seus trabalhos, que pode ser um bônus + um novo
personagem ou então
roubar o personagem de outro jogador.
O jogo possui 12 personagens com habilidades diferentes, mas apenas 3 + número de jogadores ficam em jogo. A maioria das habilidades são bem poderosas, mas algumas só a partir de momentos específicos da partida como por exemplo O Ladrão.
Como é relativamente comum o "empate" na hora de entregar recursos pro castelo, o
desempate é quem chegou primeiro, mas chegar primeiro conta como uma ação e vai que quando voltar na sua vez já ocuparam os espaços que dariam os recursos para você ir ao castelo? Veja que aqui nasce mais uma decisão interessante,
amplificada pelo número de jogadores, e o melhor, não tem solução matemática, depende da sua capacidade de ler os oponentes.
Delícia!
Outro ponto que eu quero enfatizar é sobre a questão da escassez de espaços de alocação de trabalhadores mencionado na matemática lá em cima. Jogando em quatro jogadores, fica muito mais importante a
ordem do turno já que a chance de alguém ir onde você queria é bem mais alta. Uma das ações do jogo é o
Advogado que permite você remover permanentemente as construções iniciais do jogo, ou seja, aquelas madeiras e pedras vão ficar mais escassas… e você vai acabar precisando ir na construção do "amiguinho",
dando pontos pra ele. Num jogo com mais jogadores, esse detalhe acaba ficando especialmente importante.
Se em três jogadores, era um bom jogo, mas não o bastante para ser adquirido. Em quatro a coisa muda de figura. Ainda existem jogos melhores, mas nessa faixa de complexidade e com essa boa mistura de
baixa curva de aprendizado, setup rápido e
tempo de jogo, são poucos. Eu diria que ele pode ser até usado como
gateway "para aquele seu grupo em ascensão que já cansou de Ticket to Ride". Se você tem um grupo de quatro ou mais jogadores,
esse se torna um jogo sólido.
Extras do DVD: Ordem de Turno
É possível perceber pelos meus relatos, que a ordem de turno tem uma importância especial no jogo, algo relativamente comum com
worker placement. Deixe-me explicitar como a regra funciona:
o primeiro a passar, ganhar o marcador de primeiro jogador e as demais ordens são resolvidas
simplesmente em sentido horário.
Chocante, eu sei.
Não sei se isso já soa estranho pra vocês, mas parece que houve um rebuliço sobre isso na comunidade, ainda mais, pois no original a ordem de turno pode ser controlada de alguma forma diferenciada (que não sei qual é). Pra mim é até esquisito, pois o jogo tem uma trilha de ordem de turno no tabuleiro:
A medida que os jogadores passam, é criada uma ordem para quem vai movimentar o Provost.
Parece tão natural usar a nova ordem que acabou de ser posicionada, que até
nos confundimos por não ser assim na nossa partida de três jogadores. Essa decisão de design me pareceu tão bizarra que fui pesquisar no BGG e lá
sugeriram o que devia vir de fábrica: seguir a ordem do Provost (ali da foto).
Israel, odeio house rule. Me sinto imundo, o designer teve seus motivos!
Também me sinto, apesar de ter tentado "corrigir" o
CO2 no formato competitivo com uma
house rule, mas ele é quebrado mesmo e não tem como(brincadeira pessoal, só tentando chamar atenção dos Lacerdistas pra ganhar views). Mas veja só a resposta no tópico:
Willian Attia, designer do Caylus deu a benção na ideia.
E ainda revelou o motivo principal de ser assim: simplificar regras. Imagino que ele se refira ao original que tinha outros mecanismos de controle e não quis trazer isso para o novo. Também mencionou que o jogo provavelmente demoraria mais com essa alteração.
Não acho que são boas justificativas, até porquê não entendo como isso faria o jogo demorar mais
. A ordem do turno me pareceu bem importante nas partidas, e estar a direita de alguém que seguiu uma estratégia de poucos trabalhadores, e que por isso vai acabar passando antes de você, lhe tornando um eterno último jogador é um problema grave.
O tópico vai adiante e outros usuários começam a analisar se isso quebra o balanceamento do jogo já que por exemplo, algumas habilidades especiais dão benefícios que mitigam a dor de estar jogando em último. Também não me parecem fazer sentido, já que nada garante que você vai conseguir tais habilidades, ou sequer que elas existam no jogo (setup é random).
Minha partida em quatro jogadores, foi com a ordem de turno "customizada", e pra mim foi uma melhora clara. O que acham?
Conclusão
- + Interação Ativa e Passiva: Manipulação conjunta do Provost, roubo de habilidades, disputa pelos favores, pontos por oponentes usar suas construções, bloqueio clássico de alocação de trabalhadores.
- + Escolhas Tensas: Tanto pela manipulação do Provost, como as construções iniciais serem gradativamente removidas pela ação do Advogado. Exemplos: Acabou as construções que dão frango e agora tenho que ir na do oponente e dar pontos! Preciso jogar primeiro para eu mesmo pegar meu frango senão nem eu vou ter!
- + Rejogabilidade: Os tiles de construção tem efeitos diferentes na frente e verso, sendo o verso utilizado em posições fixas no mapa durante o setup. Isso muda a dinâmica do jogo já que por exemplo, em determinada partida fazer construções pode ser mais difícil. No nosso último jogo, nem usamos o recurso de ouro. Além disso, nem todos os personagens entram em cada partida, o que muda a natureza de algumas estratégias.
- + Setup Tranquilo e Insert de Fábrica: Aposentei um jogão como o Barrage só pela preguiça do setup.
- + Tempo de Jogo: A caixa diz 1:30 e parece plausível. Nossa partida em quatro jogadoras tomou duas horas, mas jogar no TTS é bem mais lento que ao vivo. Me parece que é realmente um jogo com sustância e baixo investimento de tempo (bom ROI).
- — Zero sorte durante a partida: Para o Eurogamer Nutella, isso é uma vantagem, pra mim no entanto é algo ruim. Você não rola dados e não revela tiles, o jogo inteiro esta aberto e previsível no momento zero, ganha quem for melhor. Porém, lembrando que ser melhor inclui vencer a politicagem com seres humanos, o que ameniza minha dor com a falta de sorte. Não vai ter nenhum variação de Push Your Luck no jogo, a menos que você considere a decisão dos seus oponentes contra você azar.
- — Precisa de 4+ Jogadores pra mostrar seu verdadeiro potencial: Em 2 eu prefiro jogar Munchkin ou Terra Mystica (nessa ordem). Em 3 é bom, mas o mercado esta cheio de coisa boa e ele não se destaca. Só a partir de quatro ele fica apimentado o bastante para se sobressair, e acredito que em 5 ele atinja seu máximo. Ter quatro pessoas pra jogar, não é exatamente muito flexível (ainda mais em tempos de pandemia), mas isso depende do seu grupo.
- — A regra de ordem de turno é tosca: e se sua religião não permitir house rules, boa sorte, mas pra mim ela é essencial e deveria ser uma variante oficial no manual.
Vou além e fazer afirmações fortes: vocês sabem que sou fãzaço de
Pax Pamir, mas sei que ali tem
explicação de 1 hora e a primeira partida com novatos tem boa chance de
ser toda torta, dependendo dos envolvidos, se existir aquele convidado que nem sei se vou ver novamente, muito melhor eu colocar o
Caylus 1303 na mesa. Até meu amado
Power Grid jogão em qualquer contagem, mas notório por seu tempo de Jogo, dependendo da vibe pode ser mais interessante jogar um Gateway + Caylus ou até mesmo 2x Caylus em vez de uma noite de um jogo só. Dito isso se você tiver grupo pra jogar em
4+ fica aí minha recomendação. No meu caso, dependendo do preço até cogitaria, mas jogar com 4+
aqui não é tão fácil, some isso ao
conceito de coleção enxuta e talvez seja melhor valorizar o que tenho.
Jogo Nota 8: Se eu pudesse escolher o jogo da noite, ele estaria no meu radar.
Final da partida em 4 players no TTS: alucia (71) israel (51) natanael (51) bob (41)
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ERRATA: Faltou mencionar, mas foi bem lembrado pelo @
Rogerionicolo depois da publicação desse post: ainda tem a regra de que depois que o primeiro jogador passa, o custo de alocação aumenta em 1. Tudo agora precisa de mais um trabalhador. Isso é mais um detalhe de pressão e interação de jogares que o jogo apresenta.