As regras dos board games modernos tiveram uma interessante evolução com o tempo. Quando você volta aos anos 80/90 (ou até antes disso) quando você tinha os épicos jogos da Avalon Hill, os board games pareciam tentar emular situações próximas do que se encontra nos videogames e jogos de PC. E para isso, haviam manuais de dar inveja a qualquer engenheiro espacial da NASA. Chega até a ser irônico você ouvir um Christian T Petersen (fundador da Fantasy Flight) dizer por aí que ao criar Twilight Imperium, seu intuito era ter jogos de tabuleiro com regras mais simples. Tudo é uma questão de perspectiva certo?
Só que vieram os anos 2000 e o crescimento do mercado de jogos europeus, onde as regras eram de fato simples. Grandes clássicos como El Grande, Tikal, Méxica, Power Grid faziam muito com pouco. Era quase um pecado o manual ter mais de 10 páginas e esses jogos não viraram clássicos a toa.
Mais recentemente, o movimento da indústria de jogos foi o de aumentar as regras dos Euros, talvez cercado pelo desafio de estar sempre criando algo novo, ou talvez pelo fato de querer ter mais liberdade e mais elementos para inovar. Se a gente não voltou ao mundo de um manual de 70 páginas, ainda é difícil você encontrar um jogo novo com explicação em menos de 15 minutos. E nesse momento, surge então o Ragusa, um jogo bem estratégico que toda mecânica pode ser resumida em uma única ação: na sua vez, você coloca uma casinha sua em algum vértice de hexágono do tabuleiro e só. E será que isso funciona?
Bem, Ragusa é mais um jogo da escola italiana de eurogames, mas com uma pegada um pouco diferente dos Newtons, Lorenzos e Marco Polo da vida. Seu autor, Fabio Lopiano, além de não ter nome de mulher como Simone e Daniele, também difere no estilo e duração do jogo. Fabio tem feito euros rápidos, de aproximadamente 1 hora de duração, com 1 única ação e uma série de coisa que desencadeia-se disso. Seu primeiro jogo foi o interessantíssimo Calimala, que o
Canal Area 21 já revisou aqui, mas é em Ragusa que Fabio consegue acertar em cheio no seu mecanismo.
O jogo inteiro consiste em 1 e apenas 1 única ação. Na sua vez, você escolhe um vértice de 3 hexágonos e coloca uma casinha ali, e ganha o benefício dos 3 hexáganos que você está encostando. Sabe no Catan, onde ao construir uma vila/cidade você escolhe um local no vértice de, digamos, um hexágono de plantação, montanha e floresta e com isso tem acesso a Trigo, Pedra e Madeira toda vez que sair o número daqueles hexáganos no dado? Então, é mais ou menos a mesma coisa, só que sem dado. Ou seja, construiu, você já ganha o acesso direto àquele produto, não precisa da sorte.
Só que, diferentemente de Catan, os hexágonos não lhe fornecem apenas recursos, mas também ações. E se você observar bem o mapa, ele é dividido entre Campo, Cidade e Mar. No campo e mar você tem acesso a recursos, e na cidade a ações.
Ou seja, se na parte do campo, o jogo funciona como um Catan sem dados, na parte da cidade ele funciona como uma alocação de trabalhadores, onde você coloca uma casinha como se fosse trabalhador e faz a ação do local. E é aqui que o jogo tem seu grande twist.
Primeiro, você coloca sua casinha sempre no vértice de um hexágono, você estará SEMPRE, tocando 3 hexágonos diferentes. Desta forma você pode receber até 3 recursos ou realizar até 3 ações com uma única casinha. Mas o mais interessante é que, ao diferentemente de uma alocação de trabalhadores normal, você não apenas REALIZA a ação de onde colocou. Você ATIVA o hexágono, permitindo com que as casinhas que já estavam lá, também realize a ação em sentido horário. Ou seja, todo mundo que foi lá antes de você, e até mesmo as suas próprias casinhas que foram lá em turnos anteriores, também poderão fazer a mesma ação.
Desta forma, o jogo ganha uma outra grandiosidade. Cada vez que você vai a um lugar, você não apenas está fazendo ação, mas você está dando ação para quem foi em outro vértice do mesmo triangulo. E como você ativa até 3 hexágonos por casinha, você tem ideia de quantas pessoas podem fazer a ação na sua aba? Tem noção das implicações que uma única ação pode ter?
O legal disso é que ele gera uma interação fantástica na mesa. Se eu vejo que a estratégia do meu adversário está indo pro lado de comprar cartas de produtos, eu posso colocar cedo uma casinha lá, e ter o direito de reativar minha casinha TODA VEZ que meu adversário fizer aquela ação. Ou seja, ou ele vai ter de mudar sua estratégia ou eu vou me beneficiar sempre junto com ele. E se você tem 3 casinhas no local, cada uma delas é reativada individualmente. Ou seja, no final do jogo, quando todo tabuleiro já está cheio, é possível que seus adversários se beneficiem até mais do que você mesmo por uma ação que você ativou. E isso traz uma leitura de jogo muito interessante ao Ragusa que é o coração de todo o jogo. Ao mesmo tempo que você está se posicionando num lugar onde você acredita que seus adversários irão, para lhe dar o direito de repetir aquela ação de graça, você está tentando também se posicionar em algum lugar que ajuda o mínimo possível seus adversários naquele momento. E cada decisão que você toma, influencia o que cada pessoa na mesa vai fazer no futuro, pois muda o cenário de benefícios e beneficiados.
E é por isso que eu curti tanto o Ragusa. O jogo que tem uma regra que beira o ridículo de tão simples, pode ter uma complexidade estratégica que surpreende, e ainda assim dura cerca de 1 hora apenas. Isso por que no jogo você vai apenas colocar suas casinhas, 1 por turno, até terminar elas e o jogo acabar (em um jogo com 3 são 12, com 4 são 9) e só.

Ragusa então, não entra no meu hall de jogos favoritos, jogos que tem um fator UAU na minha vida. Mesmo por que, eu sou um jogador de jogos complexos e desafiadores, que não me importo se isso significa elementos a mais ou até em excesso (vide meu amor por Feudum). Mas ao mesmo tempo, ao entregar tanto com tão pouco, Ragusa atinge um sweet spot de um dos melhores custo benefício de tempo/complexidade/estratégia/diversão que existe no mercado. Se Fabio Lopiano já tinha feito um bom Calimala, ele fez então um ótimo Ragusa. E com uma produção muito bonita e, ao mesmo tempo com simplicidade de componentes, este é um jogo que facilmente poderia vir pro Brasil com um custo razoável. Desta forma, o fator nostalgia dele não seria apenas de voltar ao início dos anos 2000 no conceito de regras, mas também, voltaria alguns anos na noção de preço dos jogos de tabuleiro. Nos resta então torcer para isso.
********************************
Red Meeple Blog, agora com reviews em vídeos curtos no Instagram TV @redmeepleblog