por Patanga Cordeiro
O humor é uma sabedoria disfarçada.
-Sri Chinmoy
Eu acho que o humor é uma necessidade diária. Acho também que eu e muitos outros teriam ficado malucos (quero dizer, mais malucos) se não fosse pelo alívio que o humor inocente traz para as nossas vidas. Meu professor (que escreveu o aforismo acima) sempre se refere a isso como “mental fever”, febre mental, e percebo que ao fazer algo leve, bem humorado, muito dessa febre vai embora, e eu fico bem mais receptivo, grato e espontâneo.
Isso faz com que eu me sinta mais no meu coração, e tudo no meu dia fica luminoso e alegre (que é o estado natural das coisas). Já aconteceu de eu meditar melhor depois de assistir um desenho animado! Tal é o autor do artigo que estão lendo agora.
Agora vou parar de fazer humor comigo mesmo e começar a fazer humor com os queridos board games. Peguei o queridinho Mage Knight como protagonista, mas tem vários amiguinhos dele por aqui. Vocês podem denunciar mais alguns nos comentários, se quiserem.
As mecânicas dos jogos de tabuleiro, parte 1
Há diversos tipos de "mecânicas", ou seja, jeitos, para um jogo andar. Vou colocar os nomes em inglês para facilitar a leitura de quem não estiver bem familiarizado com o português. (Foi o meu caso, pois tive que aprender português depois de sair da faculdade). Em ordem nenhuma de jocosidade:
Entrega (conhecido como Pick up and delivery)
Frodo (do Senhor dos Anéis) gosta muito dessa mecânica, e foi claramente inspirado no jogo de Atari "Bobby goes home" cruzado com o jogo Sonic, da Sega, onde o porco espinho corredor coleta anéis como o do Frodo para ganhar uma vida ao juntar 100 e chegar no fim da fase. Involve pegar algo em um lugar e entregar em outro onde aquilo é desejado, como acontece nas melhores pizzarias.
Exemplo de jogo: não sei, mas eu uso essa mecânica bastante no meu trabalho. No Mage Knight você pega magias nas torres de magos e joga elas nas cidades para destruí-las, então é uma forma de entrega forçada ao consumidor.
Coleção (Set collection)
A coleção não acontece dentro dos board games, mas sim com os board games. Nós temos coleções de board games, e não são os board games que colecionam donos. (Apesar que alguns board games já foram trocados tantas vezes de dono que podem se considerar “colecionadores de donos”. Um dos meus board games me falou que ainda falta passar pela coleção de vários famosos jogadores para se sentir um colecionador de porte. Esse jogo é o meu Mage Knight - a pedido do próprio jogo, ele está para trocar!)
Alguns puristas consideram que os jogos que tem diversas expansões são, na verdade, colecionadores de expansões. Normalmente, até a caixa do jogo base já vem com espaço para as expansões futuras, e você acaba ficando com uma subcoleção de caixas vazias de expansões num canto bem escuro do armário. É um caso onde os board games dominam as pessoas, que tem que trabalhar extra para comprar todas as expansões de um jogo e ainda ter uma casa maior e mais estantes para guardar as caixas vazias das expansões caso resolvam trocá-las ou vende-las um dia (ou possivelmente não, onde você realmente fica escravizado (colecionado) pelo jogo base em sua fome por expansões).
Exemplos de jogos onde ocorre essa mecânica de coleção: Munchkin (já está na expansão número 113b), Mage Knight (colecionar todos os siege e ranged attack para não precisar fazer o block antes de atacar OU comprar a versão definitiva que já vem com todas as expansões em uma compra só), Star Wars Miniatures com suas 689 expansões, Magic, etc.
Construção de baralho (deck building)
Na sequência, os deck builders. Nele, você fica especulando comprar cartas cada vez mais poderosas para o seu baralho, mas que vai acabar não usando nunca, o que invalida completamente a ideia inicial de ficar comprando novas cartas. É a mesma coisa que fazemos quando ficamos comprando mais board games, sendo que na verdade já temos o suficiente e não vamos jogar mais do que uma ou duas vezes os jogos super caros que estão na nossa lista de desejos aqui da ludopedia. Eu tenho 90 jogos, mais bola de gude, quebra cabeças, tinta guache, mesa de tênis de mesa, bola de vôlei e futebol. Quem acha que eu preciso de mais um jogo que vai fazer toda a diferença na minha vida? Só eu mesmo!!! Tenta só explicar para a sua mãe que você está com 35 anos e precisa só de mais uns 4-5 jogos de tabuleiro importados além dos 90 que já tem só por que eles parecem ser muito bons.
Exemplos de jogos com deck building: ao contrário do que muitos pensam, Mage Knight não é de construção de baralho, mas sim de construção de dor de cabeça ao obrigar você a consultar o manual duas vezes por rodada, no mínimo. El Dorado seria um deck builder
mas eu prefiro pensar nele de outra forma
Gestão de mão (Hand management)
Essa é uma mecânica muito cansativa, pois você precisa ficar segurando as cartas o tempo todo. É particularmente difícil em jogos como Hanabi, onde você segura as cartas viradas para seus amigos (que ficam dizendo: “mostra suas cartas direito, pois não consigo ver!”) mas você mesmo não pode nunca as ver. Aí você resolve ir na cozinha tomar uma sukita uva diet ou acender um incenso de sândalo, quando, por reflexo, inverte o lado das cartas (que é o que você faria em um jogo normal de cartas) e coloca na mesa para cima, vendo as suas cartas e estragando o jogo. Enfim, é uma mecânica muito punitiva e, por isso, não está presente em nenhum jogo exceto o Hanabi, que é um dos melhores jogos que já joguei (ontem mesmo conseguimos fazer pela primeira vez um score perfeito, com todas as cores chegando a 5 e sem errar nenhuma vez).
Exemplos de jogos com gestão de mão: qualquer jogo com gestão de mão.
Habilitade manual (Dexterity)
Mais um que é uma preparação para o mercado profissional. Futuros garçons, construtores civis e pais e mães precisam aprender a empilhar e equilibrar coisas grandes e pequenas, às vezes enquanto correm ou seguram algo precioso nas mãos. Apesar do tom dramático, é um dos meus favoritos. Esses jogos são tão legais que não precisa nem fazer graça deles para se divertir (diferente dos euros pesadões (meu favorito atual é o
CO2: segunda chance, onde a graça é ficar com dor de cabeça de tanto pensar e depois tirar sarro um do outro jogador por terem ficado 2+ horas sentados brincando de faz de conta)
Exemplos de jogos: Rhino Hero (o Super Battle é uma versão incrível), Animal Upon Animal, Meeple Circus, Jenga, Bola de Gude.
Alocação de trabalhadores (Worker placement):
Nele, você aloca trabalhadores e os trabalhadores trabalham para você. No entanto, na maior parte dos jogos, não há trabalhadores, mas sim meeples de madeira (ou de plástico nos jogos mais baratos), então não sei como funcionaria essa mecânica nesses casos. Se alguém for designer e quiser explicar como um meeple (de plástico ou de madeira) consegue trabalhar, pode deixar um comentário no fim do artigo e editarei o post para inserir ele aqui.
Exemplo de jogo com alocação de trabalhadores: quando seu pai manda você lavar a louça do dia das mães.
Orc placement (confundido com o Worker Placement)
Muito usado na literatura. Conhecemos o caso do mago Saruman, do Senhor dos Anéis, que usou de forma magistral essa mecânica (e por pouco não ganhou um belo anel de ouro).
O termo "worker placement" é um erro e surgiu de uma falha de comunicação, quando alguém disse "orc placement" e a pessoa que ouviu não conhecia Senhor dos Anéis nem Dungeons and Dragons e escreveu "worker", pensando ser essa a única palavra que fazia sentido. Mas estava errada!
Exemplos de jogos com essa mecânica: Vast. Sei que alguns puristas não consideram o Vast como orc placement, mas sim “goblin placement”, mas para o escopo deste artigo, vou colocar na mesma categoria. No Mage Knight, cada vez que aparece um ícone com uma faca num mapa, você precisa colocar um orc ali, então trata-se de um orc placement game.
Se você não tiver senso de humor,
Deus não escolherá você
Para estar em Sua companhia íntima.
-Sri Chinmoy
_________________________________________
PS: Se tiverem comentários, ideias sobre o que escrever, se gostaram ou desgostaram particularmente de algo que escrevi ou de que parte do texto (sobre o jogo em si ou sobre a abordagem secundária do tema), serei grato pelo feedback nos comentários, para eu saber um pouco mais como posso servir melhor.
Todos os artigos do canal A Game Means Happiness
Com gratidão,
por Patanga Cordeiro