O poeta e compositor italiano Giacinto Scelci era fascinado pelo número oito. Refém desta adoração, ele acabou por escrever um poema, “Octólogo”, em que estabelece oito preceitos que, se adotados, poderiam talvez tornar melhor a existência de qualquer indivíduo. O ápice do poema está no último, o oitavo, que reza: “Não diminuir/ o significado/ do que não se compreende”. Creio que este é um excelente mote para comentarmos um aspecto do jogo Um Império em Oito Minutos (2013), de Ryan Laukat.

Este é um board game que poderíamos definir como uma espécie de compacto dos grandes eurogames. Numa época em que o tempo de cada um é escasso para tudo, duas horas à mesa em meio a duas ou três pessoas movendo para lá e para cá dezenas de componentes não são um luxo que todos podem se dar. Sem contar que, se um jogo despende menos tempo, podem-se jogar mais jogos, de três a quatro numa só jornada – e quantidade é um critério dos mais valiosos atualmente. Então, concebeu-se Um Império em Oito Minutos. Um eurogame de conquista e expansão de território cujo tempo de partida ficaria entre oito e vinte minutos. De fato, é um jogo rápido, mas, depois de várias partidas, confirmei que nenhuma ficou aquém de vinte minutos. Então, é inevitável que me ocorresse a seguinte questão: por que este título?
São três as conjecturas mais prováveis: 1) a equipe que testou o jogo se habituou tanto com ele, que foi capaz, na maioria das partidas, de gastar somente oito minutos para jogá-lo; 2) é um título meramente comercial, para fisgar os jogadores que apreciam eurogames, mas os consideram por demais demorados e enfadonhos; 3) o “oito” do título tem valor místico, é um algarismo que agregaria, num plano esotérico, sorte ao projeto, consequentemente êxito, simpatia, cegueira, automatismo, a ponto de o consumidor comprar o jogo por impulso, sem analisá-lo mais a fundo.
É notório que, quando qualquer problema é relativamente complexo, a sua solução é a mais simples. Portanto, a primeira proposição talvez seja a mais provável: um título metalinguístico, que se refere à própria operação do jogo. Mas é possível que a segunda seja a mais verossímil: uma simples jogada comercial. Quanto à terceira, é sem dúvida a mais estimulante, em termos especulativos.

Se posso fazer minhas as palavras de Clare Gibson, retiradas do seu “Como compreender símbolos” (Senac, 2012), na China, o oito é um número auspicioso, que proporciona bons presságios, traz esperança, promete tempos melhores. É também um símbolo de integridade. Ou seja, completitude, honestidade, retidão. Comparece ao taoísmo no panteão dos Oito Imortais, seres humanos (seis homens e duas mulheres) que conquistaram a existência eterna por suas excepcionais qualidades taoístas e agora formam o Octeto Divino. Teriam vivido nas Três Ilhas dos Abençoados, no Mar Ocidental, precisamente nas Shou Shan, as Colinas da Longevidade, frequentemente representadas na arte por montanhas que se erguem do mar. A semelhança dessas imagens com o tabuleiro do jogo impressiona e não pode ser por acaso. Inclusive, observam-se aqui e ali, à margem do mapa e mesmo dentro dele, caracteres chineses e até lanternas, nos ângulos superiores, duas ao todo, em cada face. Parece que, de fato, a inspiração para o jogo ou a sua “embalagem promocional” foi uma suposta veneração pelo número oito, a mesma que norteou a existência de Giacinto Scelci e que o designer Ryan Laukat tomou, pelo que os elementos acima sugerem, como amuleto para o seu jogo.

É com Scelci que devo terminar estas reflexões sobre um ágil e ótimo board game que, no entanto, sempre me intrigou, por carregar já no título uma menção ao seu desenrolar. O poeta italiano recomenda no segundo preceito do seu “Octólogo”: “Não pensar/ deixar que pensem/ os que precisam pensar”. Talvez, sem o saber, grande parte dos jogadores o segue, pois simplesmente joga Um Império em Oito Minutos, ganha ou perde e vai em frente. Também sem o saber, fiz o inverso: parei o jogo para pensar sobre o jogo e cheguei até aqui. Em ambos os percursos, há perdas e ganhos: no primeiro, porque os jogadores se divertiram com o jogo, mas não o aproveitaram suficientemente quanto a certas referências e associações; no segundo, porque em lugar de seguir o curso, o périplo da jornada sugerida por qualquer jogo, parei no caminho para buscar significados. Mas é ainda Scelci quem me socorre: “Não se tornar opaco/ nem se deixar opacizar”. Sinto-me redimido de minha pretensão.
Mayrant Gallo é professor, escritor e boardgamer. Já publicou mais de 15 livros. Entusiasta por jogos de tabuleiro, tem predileção por jogos para 2 pessoas e solo. Tematicamente, aprecia jogos de construção de cidades e sobre a Guerra Fria. Entre as mecânicas de que mais gosta estão: colocação de peças, construção a partir de um modelo, seleção de cartas e gestão de mão.
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