Esta é uma matéria da Revista Vempramesa 16ª Edição. Quer ter acesso a todo o teor da Revista basta acessar
http://pinheirobg.com/index.php/vempramesa/
Resenha: Favelas
Redator: Rodrigo Zuzu
RESENHA: FAVELAS
Favelas é o primeiro jogo publicado pelo designer Christopher Bryan e foi lançado em 2017. Tive o prazer de jogá-lo em Essen no lançamento e gostei bastante. O jogo por si só criou um belo burburinho nas comunidades brasileiras por ter um tema tipicamente brasileiro, mas feito por um americano que nunca tinha vindo ao Brasil. Verificando na Ludopedia, achei uma entrevista bem completa feita pelo canal Turno Extra que detalha bastante esta peculiaridade, recomendo fortemente darem uma lida!
Uma outra coisa interessante no jogo é que ele foi editado pela Wizkids, que é mais conhecida pelo Heroclix (que eu particularmente ADORO) e pelo Dice Masters do que por boardgames propriamente ditos. Pode ser ponto negativo para os gamers que se acham “GAMERS”, mas para quem quer se divertir, pouco importa a editora, concordam?

Antes de começar, vejam como é linda a caixa do jogo. É um trabalho de arte BELÍSSIMO, que chama a atenção. Na visão do designer, as favelas funcionam como bairros que sofrem intervenções artísticas e se tornam obras de arte, o que não deixa de ser uma visão romântica do que são as favelas reais mas que, para mim, justificam a licença poética do jogo. Afinal, algumas favelas no Rio já se tornaram pontos turísticos e a própria região do Caminito em Buenos Aires, que é uma representação bem próxima de nossas favelas, também é um ponto turístico coloridíssimo e chamativo. Então por que torcer o nariz para esta licença poética do autor? Sinceramente, acho que ele usou bem o tema e transformou algo pejorativo em arte. E por falar em arte, segundo Christopher, o projeto gráfico seria do artista Weberson Santiago, um dos mais renomados e talentosos artistas brasileiros, mas por questões de agenda acabou sendo assinado pelo japonês Kwanchai Moriya. Eu sou ULTRA-FÃ do Weberson, mas devo admitir que a arte do Kwanchai também ficou FANTÁSTICA!
SOBRE O JOGO
O jogo simula uma competição de arquitetura que acontece em 3 anos (3 rounds, traduzindo para o boardgamês), onde cada jogador tenta ganhar pontos do Conselho Arquitetônico, conquistando prêmios por maioria de cada cor e um prêmio adicional se tiver pelo menos uma construção de cada cor em seu bairro (uso bairro ao invés de favela, para evitar mimimi antes mesmo de começar a jogar). No início do jogo, são rolados todos os dados das 5 cores e o dado transparente, o valor deles ao final de cada ano indica a pontuação que cada jogador ganhará, caso conquiste a maioria daquela cor (em caso de empates, todos empatados recebem o valor total do dado). O valor do dado transparente é a premiação adicional, caso o jogador tenha em seu bairro pelo menos uma construção de cada cor visível. Cada jogador começa com um tile grande de bairro e em cada jogada ele escolhe um dos 3 tiles duplos que ficam sempre abertos na mesa ou um dos tiles simples (pilha fechada) e coloca em sua “favelinha”. As premissas fundamentais são: você não pode expandir o espaço de sua favela (tem que se limitar ao tamanho de seu tile inicial) e um tile só pode ser colocado em cima de uma base completa, não permitindo por exemplo, apoiar um tile com uma parte em um nível mais alto e outra em um nível mais baixo.
Ao colocar um tile, se houver coincidência de cores entre o tile colocado e o(s) tile(s) que forma sua base, o jogador deve aumentar ou diminuir em 1 o valor do dado da cor correspondente. Por exemplo: se coloco um tile duplo amarelo-amarelo em cima de uma base que é verde-amarelo, eu devo aumentar ou diminuir em 1 o valor do dado amarelo. Esta manipulação do dado faz com que a pontuação ao final do ano seja maior ou menor para aquela cor. Se ao invés de escolher um tile duplo, o jogador prefere pegar uma peça simples (pilha fechada), ele deve modificar também o dado transparente, além de modificar o dado da cor do tile caso ele coincida com a sua base. Esta é a única forma de modificar o dado transparente dentro do ano e pode ser bastante importante para atrapalhar os planos dos vizinhos ou pontuar mais! Após pegar um tile duplo, o jogador deve revelar outro da pilha fechada e assim vai até chegar ao final do ano.

Cada ano é formado por uma pilha de peças duplas, no setup separamos 3 peças de Fim de Ano (End of The Year), embaralhamos junto com outras 3 peças duplas comuns e formamos uma pilha (a quantidade varia com o número de jogadors). No momento em que a peça End of The Year aparece, o ano acaba e é feita a contagem de pontos do ano. Esta simples mecânica de embaralhar a peça que finaliza o ano com as 4 últimas peças da pilha cria um clima de tensão bastante interessante quando está acabando o ano: jogadores tendem a “fritar a cuca” para evitar que um jogador passe em maioria de uma determinada cor, mas não sabem ao certo quando o ano vai acabar!
Outro ponto importante e desafiador: ao final decada ano, rolamos novamente TODOS os dados, o que altera as premiações de cada cor e o prêmio especial, MAS mantemos as favelas como estão! Se você foi o “Rei do Amarelo” na rodada passada, pode ter que encarar um dado com valor 1 no começo do novo ano. Esse fator dá uma dinâmica muito interessante, pois em cada um dos 3 anos o “valor” de cada prêmio pode mudar e você tem que “se virar nos 30” com o bairro que já tem!
Estrategicamente, o jogo parece ser bem simples e pode não agradar aos heavy-gamers (que cá para nós são sempre difíceis de agradar, concordam?). Ele está mais para um jogo família do que para um jogo padrão gamer, mas dá oportunidades para boas estratégias que podem ser utilizadas o tempo todo: escolher tiles de cores que não possui maioria, apenas para diminuir o prêmio do jogador que está investindo nele; focar em fazer as 5 cores e draftar tiles simples para aumentar a pontuação do prêmio especial (o que deixa o jogo mais longo, já que o tile End of The Year está na pilha de tiles duplos); ou tentar empatar na maioria com os dados que estão dando melhores prêmios. Enfim, há vários caminhos interessantes e a todo instante o jogador deve ficar ligado no bairro dos colegas para ver quem está tentando fazer o quê no jogo. Neste ponto, considero o número máximo de jogadores ideal: se pudéssemos jogar com mais do que 4 jogadores, as decisões seriam mais truncadas e o jogo perderia um pouco do charme de ser rápido e estratégico.
COMPONENTES
Propositalmente escolhi falar dos componentes só depois de explicar o que é o jogo, pois para mim estes são a cereja do bolo: tiles bem coloridos e de espessura muito boa, arte FANTÁSTICA e bem detalhada, com tabuleiro principal bem clean e ao mesmo tempo bonito. Os dados são um xodó à parte: grandes, translúcidos e muito bem acabados, do nível dos dados do Quantum. Utilizei o jogo em eventos e é visível a atração que ele traz para quem passa perto de uma mesa com o setup dele pronto.
A ideia do designer de representar as favelas como algo arquitetonicamente estudado e de bom gosto foi muito bem representada pelo acabamento do produto final.
CONCLUSÃO
Favelas é um jogo familiar muito bonito, rápido e que permite estratégias diversas para vitória. Por ser simples e direto, pode não agradar a todos e tende a “enjoar” caso jogue muitas partidas seguidas. Recomendo ter o jogo na coleção para jogar em família ou como um bom filler, agrada bastante a maioria das pessoas e tem uma arte fenomenal.
Não é meu favorito e acho que nem tem pretensão de ser um “clássico dos BGs”, mas é um jogo bem interessante, principalmente para quem procura algo rápido e divertido. Recomendo fortemente para as pessoas que participam de eventos de demonstração de jogos, que usam jogos em sala de aula ou mesmo para quem tem luderias ou espaços de jogos. Se você é heavy-gamer, passe reto.
Acredito que o designer foi bem feliz em pegar um elemento brasileiro que tem um significado ruim e “ressignificar” o conceito de Favela como algo belo. O burburinho da “apropriação cultural” para mim não faz sentido, afinal vivemos num país de hot-rolls, sushis de morango, de pizzas de camarão e strogonoff de palmito. Por menos tretas culturais e mais licenças poéticas para o bem como esta!