Pois é, meus amigos. Vim aqui compartilhar com todos vocês um "causo" que aconteceu comigo há pouco tempo e que pode servir, também, para que vocês corram atrás de seus direitos e não se sujeitem às arbitrariedades tão comuns em nosso país, principalmente aos colegas do estado de SP.
Primeiramente, quero agradecer ao colega @zeffiro, cuja postagem Lei dos $100 - Não pague imposto que você não deve foi o que me motivou a procurar a Justiça.
Bom, vamos começar do começo.
Em abril comprei na Miniature Market um Amerigo. O total da compra (jogo + frete) ficou em USD 79,60. Já certo da tributação (e, por favor, não usem o termo "taxa" ou "taxado", que é algo completamente diferente) devido ao tamanho da caixa, separei os 60%.
E não deu outra. Um mês depois da compra, em 15/05, vem o aviso da ECT. Quando entro no "Minhas Importações", quase tenho um troço: o fiscal da Receita, de maneira absolutamente arbitrária e sem qualquer motivo, decidiu naquele dia que minha compra valia R$ 390,00 e que eu devia R$ 234,02 de impostos + R$ 15,00 de tarifa de despacho postal.
Minha primeira reação foi mandar devolver a remessa. Pagaria sem problemas se tivesse sido corretamente tributado, mas jamais iria pagar um valor indevido, arbitrariamente decidido por um fiscal que acordou de mau-humor naquele dia.
Foi aí que lembrei da postagem do Zeffiro, e resolvi procurar o JEF (Juizado Especial Federal), um processo muito mais simples e rápido do que parece. Os detalhes vocês vão encontrar na postagem original dele, mas fiz o seguinte:
* Usando o modelo de petição da postagem do colega, fiz a minha própria. Por via das dúvidas, pedi a um advogado para olhar e revisar a petição, caso houvesse algum erro. Você vai precisar alterar os dados e o texto, citando as particularidades do seu caso (dados pessoais, valor, nome do vendedor, etc). Não é necessário pedir ajuda a um advogado, mas é mais garantido, principalmente se você não se sente seguro. E, fique tranqüilo, advogados não mordem! 
* À minha petição juntei a fatura comercial da compra, o comprovante de pagamento (pode ser fatura do cartão, do Paypal, etc.), a notificação da ECT, a DIS (Demonstrativo de Impostos e Serviços, que é o documento que você baixa no "Minhas Importações" com o valor a pagar), o rastreio do objeto, comprovantes de documentos e de endereço.
Na petição pedi a isenção da tributação e da tarifa, além de antecipação da tutela (isto é, solicitei que a mercadoria fosse entregue antes da sentença final, pois a data limite para devolução da mesma seria 15/06). Também me ofereci para fazer o depósito em juízo do valor total.
* Levei toda essa papelada ao JEF de São Paulo para dar entrada e fazer a atermação, mas alguns Estados permitem que você faça tudo isso pela internet, sem necessidade de comparecer pessoalmente.
* Uma semana depois (em 29/05) a Sra. Juíza emitiu a decisão interlocutória concedendo a antecipação da tutela. No meu caso, ela determinou que a ECT não devolvesse a encomenda e não pediu depósito em juízo.
Depois disso tudo as partes citadas (Receita e Correios) foram intimadas, apresentaram suas contestações e a sentença saiu ontem, 02/07, com resultado favorável - minha encomenda não poderia ser tributada, e só pagarei a tarifa postal.
E é aqui que vem a parte que interessa a todos aqui:
A base da minha petição foi o Decreto-Lei 1804/80, que determina que "remessas de valor até 100 dólares americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas" são isentos de tributação.
Aí o pessoal vai perguntar: "Mas, Ricardo, como é que somos tributados, então, em compras de valores abaixo de USD 100,00? A Receita não conhece a Lei"?
Conhece. Mas ignora. E tributa na base do "se colar, colou", contando com o desconhecimento das pessoas ou com a desconfiança que muitos têm em relação ao nosso sistema jurídico.
Para vocês terem uma idéia, a Receita baseia as tributações na Portaria 156/99 e na Instrução Normativa 096/99. São elas que dizem que a isenção de impostos para importação só vale até USD 50,00 e desde que seja de pessoa física para pessoa física.
Porém, já há uma jurisprudência em vários Estados (SP, RS, PR, SC, TO, PB, RN, SE, entre outros) que entendem que estes regulamentos da Receita são ilegais por serem contrários a uma Lei federal.
E, mais importante, a Turma Nacional de Uniformização, concorda com essa interpretação. No julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal nº 5027788-92.2014.4.04.7200, de 20/07/2016, a TNU julgou que:
"Tema 127: Decreto-Lei nº 1.804/1980 ao reconhecer que o Ministério da Fazenda poderá dispor acerca de isenção tributária em comento, em nenhum ponto delegou à Autoridade Fiscal a discricionariedade para modificar a faixa de isenção e a qualidade dos beneficiários dessa modalidade de renúncia fiscal, dado se tratarem de temas reservados à lei em sentido formal, dada sua natureza vinculante, que não pode ficar ao sabor do juízo de conveniência e oportunidade do agente público".
O texto completo encontra-se aqui.
É essa decisão da TNU que tem embasado as sentenças favoráveis contra a tributação indevida (como a minha) Brasil afora e que praticamente pôs uma pedra sobre a questão, já que se tornou jurisprudência consolidada.
E, ao contrário do que falaram nos comentários abaixo (sobre ir para o STF), é importante ter em mente duas coisa:
* essa questão não ostenta contornos constitucionais, o que inviabiliza a sua submissão, via recurso extraordinário, à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a decisão da TNU é, na prática, a instância final.
* desde a publicação do tema 127 acima em 2016 a RF abriu mão de recorrer, pois praticamente perdeu todas as ações nos JEFs Brasil afora. Para quem acha que estou falando bobagem e "induzindo as pessoas ao erro", aconselho consultar a Portaria PGFN nº 985, de 2016, que diz, in verbis:
Art. 2º. Além das hipóteses regidas pelo art. 2º da Portaria PGFN nº 502, de 12 de maio de 2016, fica dispensada a interposição de recursos, o oferecimento de contrarrazões, bem como recomendada a desistência dos recursos já interpostos, nas seguintes hipóteses:
I - tema sobre o qual exista enunciado de súmula da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais em sentido desfavorável à Fazenda Nacional;
II - tema definido em sentido desfavorável à Fazenda Nacional pela Turma Nacional de Uniformização – TNU dos Juizados Especiais Federais em sede
de incidente repetitivo processado nos termos do art. 17 do Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização;
III - tema sobre o qual tenha se consolidado jurisprudência na TNU em sentido desfavorável à Fazenda Nacional;
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Então, caros colegas de fórum, o objetivo desta postagem é mostrar que a Justiça funciona, sim. As leis estão aí para serem cumpridas. Já vivemos num país em que somos extorquidos diariamente através de impostos em todas as esferas. Pagar mais um imposto - que, por lei, não devemos pagar - é ser muito complacente. Ou burro.
Portanto, se você foi tributado indevidamente, procure seus direitos. Procure o JEF. Peça o auxílio de um advogado, se quiser. Não ceda a decisões arbitrárias e não pague o que você não deve.
Não é causa ganha, claro. Afinal, a interpretação do juiz pode divergir da jurisprudência favorável. Mas em muitos casos a própria receita abre mão de contestar a isenção, dado o enorme número de sentenças que seguem o entendimento da TNU.
E, finalizando, para quem quiser ler mais alguns artigos que afirmam os motivos da cobrança ser ilegal e inconstitucional, recomendo:
http://www.giublinadvogados.com.br/opiniao-inconstitucionalidadeilegalidade-da-portaria-mf-no-15699-e-da-in-srf-09699-ao-restringir-isencao-sobre-remessas-postais-internacionais/
http://direitofocado.blogspot.com/2016/03/controversia-sobre-isencao-do-imposto.html
http://blogdojotace.com.br/2014/02/13/receita-federal-responde-oficialmente-sobre-a-isencao-de-encomendas-internacionais/