Parabéns pelo post, porém não querendo ser do contra mas já sendo.
Entendi o modo como foi resolvida a questão no seu caso e no âmbito do TRF, mas, pessoalmente, discordo. Não nego que Direito Tributário é a matéria na qual mais tive dificuldade na faculdade, e ainda hoje. Mas penso que essas decisões do TRF contrariam princípios básicos, sobretudo no que se refere à harmonia entre os poderes.
Meu objetivo aqui não é criar polêmica ou apoiar governo ou política tributária. Sei que a carga tributária é elevada, mas acho interessante apresentar um contraponto, com argumentos estritamente jurídicos, nem que seja só para reflexão (aos que se interessarem).
Basicamente, o art. 2o, inciso II, do Decreto-Lei 1.804/80 dispõe que o Ministério da Fazenda PODERÁ dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor ATÉ cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.
Nesse ponto, destaquei dois termos porque eles são fundamentais para a compreensão do problema. O Ministério poderá dispor sobre isenções. E se ele não quiser? Não é obrigado. Mas se escolher, a isenção pode ser de até 100 dólares. Pode ser 25? Pode. E 50? Pode também. Em suma, qualquer valor, desde que não seja superior a 100.
Nesse ponto, podendo escolher o valor, atua o Ministério em exercício de competência discricionária, ou seja, a escolha fica a cargo da autoridade fazendária, segundo critérios de conveniência e oportunidade. Existe uma margem de liberdade, desde que não contrarie a lei. E nessa margem de liberdade o Judiciário não pode interferir, sob pena de quebra da harmonia entre os poderes da República. Em direito, essa margem de liberdade é chamada de mérito do ato administrativo, que, desde que não seja ilegal, não pode ser alterado por autoridade judiciária.
O problema todo é que a instrução normativa do Ministério da Fazenda criou uma limitação que não estava prevista em lei: desde que a remessa seja de pessoa física para pessoa física. Mas a lei é expressa em afirmar: desde que o destinatário seja pessoa física, sem especificar que o remetente também tem que ser pessoa física.
Nesse ponto, de fato existe ilegalidade. Não nego, e o Judiciário deve reconhecê-la. O Ministério não pode criar restrição que não está prevista na lei.
Mas o problema é que o Judiciário também não pode ignorar a disposição expressa do Ministério no sentido de impor isenção quando o valor do produto for de até 50 dólares, porque o ministro tinha liberdade de escolha, e nesse ponto ele respeitou a lei.
Essa é a jaboticaba. Na minha opinião, o TRF se precipitou, ao afirmar que a isenção deve incidir nos produtos de até 100 dólares. O Decreto-Lei 1804/80 não cria direito de ser isento, mas apenas prevê que é possível a isenção, nos termos do ato do Ministério.
O Ministério optou por isentar até 50 dólares. Então o Judiciário não poderia aumentar a isenção, ainda que uma parte da norma do Ministério seja ilegal. De duas, uma: ou o Judiciário ignora a expressão "de pessoa física para pessoa física" e estende a isenção para todo mundo, mantendo o valor de 50 dólares; ou declara a ilegalidade da norma do Ministério e não concede isenção pra ninguém. Mas aumentar o valor da isenção para 100, quando o Ministério falou que é 50, é ilegal (e inconstitucional), porque o Judiciário não tem competência para fazer isso.
Bem, reitero: eu objetivo aqui não é criar polêmica ou apoiar governo ou política tributária. Sei que a carga tributária é elevada, mas acho interessante apresentar um contraponto, com argumentos estritamente jurídicos, nem que seja só para reflexão (aos que se interessarem).
Então, por mais que a decisão do TRF seja boa para o contribuinte, ela é ilegal e inconstitucional, por contrariar princípios básicos de harmonia entre os poderes e conhecimentos também básicos de controle da atividade administrativa do Estado.