Parece que os desenvolvedores de jogos tem uma dificuldade muito grande em criar bons eurogames em que a temática não seja medieval, ou fantasia ficcional. Não sei se o problema é com as editoras ou com os designers, mas é raro ver um bom euro com tema de ficção científica. Jogos com essa temática costumam agradar muito mais jogadores dos jogos temáticos (sim, a frase parece redundante), jogos com bastante interação e conflito, jogos com ataques diretos. Ou seja, os famosos ameritrashes. Felizmente existem exceções — e algumas são muito boas como o caso de Pulsar 2849.
Mesa pronta! Missão: explorar e encontrar pulsares pelo universo.
Criado por
Vladimír Suchý (
Last Will e
Shipyard), o jogo já chamou a atenção antes mesmo do seu lançamento em Essen, no ano passado, sendo a grande aposta da
Czech Games Edition em 2017. A expectativa pelo jogo era alta, em parte pelo seu designer e em parte pelo tema e mecânicas que pareciam já muito interessantes.
No jogo, desenvolvemos tecnologias para obter energia através de pulsares, estrelas de nêutrons pequenas, porém imensamente densas. Para isso, precisamos colocar ao redor delas os anéis de apropriação, gigantescas estruturas capazes de extrair a energia eletromagnética dos pulsares enquanto giram ao redor deles. Tudo no jogo irá girar (trocadilho infame) em volta desde conceito, por mais que o jogo não seja exatamente o mais cientificamente fiel ao tema.
DICE DRAFTING COM PLANEJAMENTO DE AÇÕES
Pulsar é um
euro de compra de dados e de alocação, fases que ocorrem em momentos distintos do jogo, em que os jogadores precisam criar uma verdadeira máquina de pontos. O jogo tem duração de 8 rodadas, nas quais cada jogador poderá comprar e usar 2 dados. A dinâmica da partida é rápida, o jogo parece um cobertor curto, mas, ao final, a sensação é de um multiplicador de pontos bastante competente.
Pool de dados e o marcador de mediano (a peça amarela).
No começo de cada rodada, todos os dados (7 em uma partida com 2 jogadores e 9 para partidas com 3 ou 4) são lançados na mesa, formando um
pool comum. Então, os jogadores irão sacar dados desse
pool e programar suas ações para aquela rodada, ou seja, as ações não são realizadas na hora, mas num segundo momento, na fase de ações. A parte sensacional dessa primeira fase é que os dados estão todos à disposição dos jogadores, porém eles irão mudar toda a configuração do jogo para os próximos movimentos. Isso acontece porque os dados tanto mudam a ordem de turno (trilha de iniciativa) quanto a ordem de bonificação dos jogadores na fase de produção (trilha de engenharia).
O controle disso é feito através de um marcador de mediano, que indica qual é o número médio da rolagem atual, calculado de uma forma muito original e inteligente, dando aos jogadores uma visão de quais dados são um recurso mais raro ou mais comum naquela rodada. Ao pegar um dado à esquerda desse marcador, o jogador pode deslocar seu marcador também para a esquerda em qualquer uma das duas trilhas, sendo isso uma vantagem (ou jogar mais cedo na rodada ou ganhar um bônus melhor no final da rodada). Ao pegar um dado à direita do marcador de mediano, o jogador deve mover um de seus marcadores no mesmo sentido em uma das duas trilhas, que significa o exato oposto (jogar mais tarde ou ter um bônus menor, ou mesmo não ter nenhum bônus no fim da rodada).
Trilhas de iniciativa e engenharia numa partida com 2 jogadores.
O poder de escolha dessa fase é ao mesmo tempo interessantíssimo e importante para as ações seguintes. Isso porque esse mecanismo torna os dados de valor menor tão interessantes quanto as rolagens mais altas. O equilíbrio disso é visível ao longo da partida.
UM UNIVERSO DE AÇÕES DISPONÍVEIS
Num segundo momento, os jogadores irão, então, utilizar os dados escolhidos nas ações do tabuleiro. Entre as ações principais o jogador pode viajar e mover sua nave pelos sistemas planetários, explorando e colocando marcadores de sua cor nos planetas conforme as indicações do jogo; desenvolver pulsares (colocar os anéis e dínamos pra funcionar); construir os transmissores de energia; patentear tecnologias e criar projetos exclusivos na sua própria base.
Tabuleiro de tecnologias.
Todas as ações terão custos variados, podendo acontecer de um projeto custar um dado 1 ou 5 enquanto um pulsar pode ser construído com um 3 e ativado com um 6. Ou seja, você sempre terá opções de onde usar o dado, mesmo que outro jogador tenha feito a mesma ação e, ao mesmo tempo, cada jogador terá um caminho diferente, criando sua própria máquina de pontos.
Ao explorar, a sua nave se move a quantidade de espaços equivalente ao dado. Ao passar por sistemas o jogador pode revelar o
tile do sistema e visualizar os planetas e bônus existentes ali e colocar um marcador num planeta inabitado, mesmo que não pare naquele espaço. Se parar ali, poderá colocar um marcador num planeta habitado e ainda recolher os bônus da exploração. Ao final do jogo, os marcadores deixados nos planetas irão render de 2 a 50 pontos aos jogadores, sendo uma ação que vale muito a pena começar desde cedo no jogo ou não irá ter tempo suficiente para crescer tanto a pontuação. Por exemplo, colocando marcadores em 6 planetas, o jogador fará 12 pontos, enquanto que explorar 10 planetas diferentes renderá 30 pontos.
Mal cabe tudo na foto: tabuleiros e demais componentes ocupam bastante espaço. Mas o visual é incrível.
CRIADORES DE TECNOLOGIAS
Tirando a ação de se mover, todas as demais ações do jogo estão relacionadas à criação e uso de tecnologias, sejam elas os projetos do tabuleiro do jogador, sejam os pulsares que ficam no tabuleiro principal, os transmissores que ajudam a criar as correntes de distribuição, ou ainda as patentes, localizadas no tabuleiro anexo.
Parte do segredo do jogo está em construir seus giro-dínamos cedo, uma vez que eles irão pontuar toda fase de produção e poderão ainda se somar a diversos bônus que podem ser acionados no jogo. Existem dínamos de 1, 2 e 3 pontos e sua construção se dá em duas fases: a primeira é pagar o custo da construção para colocar o equipamento no interior de um de seus anéis no tabuleiro de jogo (previamente colocados em um pulsar pelo qual você tenha terminado seu movimento na ação de se mover). A segunda parte consiste em ativar o mecanismo, pagando novamente o custo do dado mostrado na peça, tornando esse gerador ativo à partir desse momento. Giro-dínamos ativados não são mais desativados e geram pontos toda rodada a partir de então.
Sistema planetário, pulsar, nave, anel e giro-dínamo.
Já as patentes (do tabuleiro de jogador) e tecnologias (tabuleiro anexo) permitem aos jogadores desenvolver e melhorar as ações do jogo. As patentes precisam ser construídas em forma de pirâmide, ou seja, primeiro as da base, em seguidas as que estão no meio e, por fim, a do topo, sempre respeitando a lógica de construção. Já as do tabuleiro de tecnologias ficam disponíveis à medida em que o marcador de rodadas avança, ou seja, na primeira rodada somente as que estão naquela primeira fileira de baixo estão acessíveis. À medida em que o jogo avança, novas tecnologias mais interessantes (e também mais fortes) se tornam disponíveis para os jogadores.
Os transmissores, por sua vez, são
tiles que os jogadores precisarão comprar usando os dados e, em seguida, terminar sua ativação (nos casos de transmissores que precisem de 2 ou 3 dados para serem ativados), virando a face ao contrário. Esses transmissores podem dar pontos imediatos, bônus de pontos por cubos de engenharia e ainda por pulsares. Ao colocar juntos dois transmissores que se encaixem (pela lateral em vermelho), uma nova face de dado é criada, dando ao jogador um dado extra no seu turno, que poderá ou não ser usado pelo jogador. Em geral, quando tiver a chance de usar esse dado extra, que pode surgir de diversas formas diferentes, não só dos transmissores, o jogador poderá escolher qual dado extra irá utilizar — e somente irá utilizar um deles. Criar e utilizar esses transmissores também bem cedo praticamente garante ao jogador uma ação extra todas as rodadas, além de ser um dado que o jogador não precisará buscar no
pool e pagar por ele nas trilhas.
Transmissores espaciais.
SALADA DE PONTOS ESPACIAL
No fim de cada rodada existe a fase de produção que irá gerar pontos aos jogadores conforme a trilha de engenharia, por patentes ou tecnologias que gerem pontos ao fim da rodada, pelos pulsares ativos e ainda pelos transmissores que permitam comprar pontos. Já ao final da partida, além de pontuar pelos marcadores nos planetas e pelos pulsares que controla (mesmo os não ativados), os jogadores irão também fazer pontos pela posição final na trilha de iniciativa (7, 4 ou 2 pontos) e pela cartela de objetivos — 3
tiles colocados no começo da partida que servem como uma espécie de guia do que fazer nessa partida para ganhar pontos.
As cartelas de objetivos selecionadas para a partida.
Aquela sensação de saladas de pontos está muito presente no jogo, mas você consegue ver coesão entre as várias opções, uma vez que todas elas estão ligadas ao tema do jogo e à ideia de criar uma melhor rede de geração, transmissão e uso da energia dos pulsares.
A rejogabilidade do jogo é gigantesca, uma vez que vários dos
tiles e tabuleiros do jogo tem dupla face (inclusive o tabuleiro central). O tabuleiro de tecnologias não só tem dupla face como tem outras peças, o que dá um enorme número de combinações possíveis para cada partida.
Em vários momentos as mecânicas do jogo soam conhecidas, lembrando às vezes
Grand Austria Hotel ou
As Viagens de Marco Polo. Essa sensação está bem presente pelo uso dos dados e pelas viagens que os jogadores precisam fazer pelo tabuleiro principal do jogo, deixando seus “postos avançados”. Em outros momentos o jogo soa como um
Feld — uma máquina de pontos com várias nuances distintas que o jogador precisa fazer um pouco de cada coisa. Entretanto, em nenhumas dessas coisas o jogo se compromete. Pelo contrário, todos os elementos funcionam bem e estão bem amarrados. E por mais que ele lembre uma ou outra coisa de outros jogos, ele se distingue na maioria delas por apresentar algo novo.
Dados no "buraco negro", local onde eles ficam após serem utilizados.
Pulsar 2849 é certamente um dos melhores jogos de 2017, abordando de forma competente várias mecânicas, com uma dinâmica de jogo original, divertida e profunda, num jogo relativamente curto pro que se propõe. É um euro médio pra pesado, com vários caminhos para a vitória, ótimos componentes e qualidade de produção acima da média, mesmo que as decisões de ilustração não sejam as minhas favoritas. A iconografia está excelente, praticamente não há texto no jogo e tudo se resolve com uma rápida consulta ao manual ou ao guia de jogo que explica melhor as tecnologias.
Parte da crítica que não ajuda a jogos como
Pulsar a surgirem são com base em preconceitos formados pelos jogadores (“jogo com navinha”) que ainda não entendem que temas
sci-fi tem sim espaço no meio dos
eurogamers e que há muito espaço para esses jogos.
Pulsar 2849 não só é um bom
euro como é um jogo com tema interessante e bem casado com suas mecânicas.
Mais imagens do jogo: