Caixa bonita, tabuleiro e componentes que chamam a atenção: começou bem!
Rüdiger Dorn já é um designer credenciado e a expectativa por jogos novos do autor sempre chamam a atenção, principalmente depois dos sucessos dos lançamentos de
Istanbul e
Karuba aqui no Brasil. No currículo, o autor ainda tem os sucessos
Goa e
Las Vegas, além de
Genoa e do mais recente lançamento
Montana, que a gente já falou por aqui. Mas um jogo do autor que não ouvimos muito falar é
Il Vecchio, jogo lançado em 2012 pela não tão conhecida
Hall Games (e distribuído pela
Pegasus Spiele) e, pouco depois, relançado pela
Tasty Minstrel Games para o mercado americano. As mecânicas do jogo são alocação de trabalhadores, controle de área, coleção de componentes e movimento ponto-a-ponto.
No jogo, que se passa durante o século 15, o avô de Lorenzo Médici, Cosme de Médici — ou "o Velho" (de onde vem o nome do jogo) — , político, banqueiro e fundador do que viria a ser a dinastia Médici na região da Toscana, já está envelhecendo e perdendo parte de seu prestígio. Isso abre uma brecha para que nós, jogadores (ou melhor, chefes de importantes famílias de Florença), possamos exercer nossa influência sobre as cidades da região e tentar derrubar o controle Médici.
SOB O SOL DA TOSCANA
A famosa região da Toscana.
Il Vecchio apresenta uma mecânica que ainda hoje é original, com os jogadores se movendo pelas cidades tentando encontrar seguidores, fazer comércio e levantar riquezas além de influenciar a política das regiões vizinhas. O movimento é feito com seus trabalhadores/membros da família pelas rotas do tabuleiro, com cada cidade tendo uma ação correspondente e cada movimento custando 1 florim (moeda do jogo) por cidade que você passar no caminho. Ou seja, os movimentos são caros e o segredo do jogo é otimizar suas ações de forma a ter o menor custo possível.
Para realizar as ações, os jogadores precisarão se encontrar com "intermediários" (
tokens de madeira que se movem pelo tabuleiro) ou pagar com influência da igreja (os "bispos"). Ao realizar a ação, o membro da família é deitado para indicar que já foi ativado (algo que o Agra recuperou recentemente). No começo da partida, cada jogador tem apenas 4 membros de sua família no tabuleiro e à medida em que realiza certas ações, poderá perder alguns desses membros que se tornam emissários na cidade de Florença, ou nas províncias ao redor. Então, para não perder certas posições chave, o jogador precisará enviar mais familiares para o tabuleiro (até um total de 12). No seu turno, ao invés de se mover para realizar ações, o jogador pode adicionar membros de sua família no tabuleiro ou ainda levantar todos os familiares deitados, podendo assim ativá-los novamente.
Familiar do jogador vermelho na cidade com o "intermediário".
Nas cidades em que se ganham seguidores — aquelas com os escudos — , os jogadores podem recrutar assassinos, abades ou cavaleiros. Também será possível conseguir dinheiro, carruagens (que diminuem os gastos com a movimentação)e ainda favores com os bispos. Nas 3 cidades das bordas do tabuleiro é possível enviar emissários para as províncias de outras regiões, o que vai custar dinheiro mas dá muitos pontos ao final do jogo, e é onde você irá "gastar" seus seguidores. Essas províncias — "
Repubblica Di Venezzia", "
Ducato Di Milano" e "
Stato Della Chiesa" — ainda concedem uma ação bônus marcada com um tile que fica em posse do jogador e pode ser acionado a qualquer momento. Ainda é possível exercer influência na própria cidade de Florença, escolhendo entre as trilhas da "
Nobreza" ou do "
Conselho". Essas duas últimas ações ainda dão ao jogador um bônus muito importante que garante alguma vantagem ao longo da partida ou um bônus de pontuação ao final da partida (uma espécie de objetivo). São 5 áreas de controle, ao todo, sendo as duas trilhas de Florença espaços que podem ser pontuados individualmente, mais as 3 trilhas nas províncias.
Disputa pela província de Chiesa.
Ao colocar um familiar em alguma dessas trilhas, no entanto, o jogador pode desencadear um evento, ou seja, a perda de poder da família Médici que é mercada com um brasão da família bem no centro do tabuleiro. Os eventos obrigam aos jogadores a deitar um membro da família ou perder algum dos recursos conseguidos e afetam a todos os jogadores na mesa. À medida em que os eventos ocorrem, Cosme vai perdendo sua influência e, ao ser retirado o último brasão, o gatilho de fim de jogo é disparado.
No final do jogo os jogadores somam seus pontos conforme a posição de seus familiares nas trilhas das províncias e da cidade de Florença, além de marcarem 5 pontos que se tiverem ao menos 1 familiar em cada trilha. Os jogadores também ganham 3 pontos por cada trilha em que forem maioria além de somar mais 1 ponto caso tenham em posse algum brasão da família Médici (o brasão sempre fica em posse do jogador que desencadeou o evento). Por fim, então, os jogadores revelam seus tiles de pontuação obtidos na trilha de "Nobreza" e somam esses pontos. O jogador com mais pontos irá colocar sua família no centro do poder da região da Toscana.
A cidade de Florença, as trilhas da Nobreza e do Conselho e o brasão dos Médici.
O BRILHO DO VELHO
Pra mim, grande parte do brilho de
Il Vecchio está na alocação de jogadores misturada com o movimento ponto-a-ponto que obriga os jogadores a planejar várias rodadas de antecedência, colocando seus trabalhadores nas cidades onde os marcadores de "intermediários" irão passar. Mas também no controle de área das trilhas das províncias e também da cidade de Florença que além de pontuar no final da partida, dão aos jogadores acesso aos tiles com diversos bônus.
Esse bônus, que são diferentes conforme a localidade, tornam as partidas únicas sempre, garantindo a rejogabilidade, mas também podem formar combos bem fortes. Alguns bônus podem, por exemplo, fazer com que o jogador possa realizar mais ações de maneira mais efetiva. Outros, darão ao jogador uma quantidade X de dinheiro de uma só vez, o deixando também forte para pagar pelos custos das viagens ou mesmo pelo controle das províncias. Por fim, os bônus de final de jogo dão um sabor muito interessante ao jogo, principalmente por permanecerem secretos e pelo fato de que os jogadores podem ter vários deles nas mãos.
O visual do jogo remete muito a jogos que não são mais feitos, como
El Grande (1995) e
Hansa Teutonica (2009) — aquele visual de euro clássico que chama a atenção por si só — além de ter componentes belíssimos e muito bem acabados. E muitos componentes, vale dizer.
Jogadores disputam os espaços nas trilhas.
O fim do jogo é surpreendente, já que os pontos são contados só no final, mas você consegue ir acompanhando o controle de área no tabuleiro e tentar brigar por aqueles que são mais interessantes (ou que estão no seu objetivo). Além disso, ter mais familiares no tabuleiro não garante a vitória, pelo contrário, o jogo permite múltiplos caminhos (literalmente) para pontuar e vencer a partida, sem que uma estratégia seja melhor que a outra. Nessa característica, que o designer sempre prezou bastante, acabou sendo fonte de onde
Stefan Feld bebeu para seus jogos, mas Rüdiger já a dominava há anos. Inclusive, as maiores críticas recentes aos jogos do Dorn é que eles perderam esse fator de “jogos de média complexidade com vários elementos”. O próprio autor declarou alguns anos atrás que acha que sua contribuição para esse nicho já foi feita (e, poucos anos depois, ele de fato lançou
Istanbul, seu jogo de maior sucesso, porém bastante mais leve do que seus sucessos anteriores).
Il Vecchio com certeza não é a obra-prima de Dorn, mas está longe de ser um jogo ruim que mereça ter ficado no ostracismo que ficou. Pelo contrário, é um jogo muito bom, redondo, gostoso de jogar e com complexidade razoável frente aos lançamentos do mesmo período, com um tema interessante e atraente. O tema está presente no jogo, mesmo que de leve, mas nos remete às cidades e cenário político do período. Com o perdão do trocadilho,
Il Vecchio é um jogo que envelheceu muito bem.
Veja mais imagens do jogo abaixo: