O que eu gosto no jogo é uma série livremente baseada nos vídeos My Favorite Game Mechanism do designer de jogos Jamey Stegmaier. Nessa série eu vou tentar falar em termos gerais as coisas que mais me chamam a atenção em um determinado jogo, sem me preocupar em explicar regras. Ou seja, você vai ver uma análise de forma mais objetiva e direta de um jogo.
Imagine um jogo de alocação de trabalhadores, com colocação de
tiles e controle de área. Adicione um mercado onde se negocia recursos, uma competição para ver quem explora mais o tabuleiro e, ao mesmo tempo, um trabalho cooperativo para evitar a rebelião nas colonias. Agora imagine um leilão para decidir quem é o primeiro jogador da rodada. Junte tudo isso a um jogo bonito, com boa interação e com tema muito bem amarrado. Esse é
Archipelago: uma salada de mecânicas que funciona muito bem na mesa, diverte e cria um clima de tensão a cada rodada, mas é ao mesmo tempo estratégico e denso.
O jogo é do francês
Christophe Boelinger, mas não se assemelha a nenhum dos trabalhos anteriores do game designer, conhecido pela série de jogos
Dungeon Twister e também pelos jogos
Earth Reborn e
Illegal, além do
4 Gods, seu trabalho mais recente. Lançado em 2012 pela
Ludically/Asmodee,
Archipelago é o jogo mais conceituado do autor, ocupando espaço no top 250 do
BGG.
Os tabuleiros principais do jogo. Neles são marcadas as ações, a ordem de jogo, negociadas as mercadorias
e é onde se define a população do arquipélago. Mas cuidado que uma rebelião pode estar próxima.
Em
Archipelago os jogadores assumem os papéis de potências da
Europa Renascentista, devem explorar ilhas na região do
Caribe, descobrir seus recursos e negociá-los com o mercado externo e interno do arquipélago para criar uma relação de colônia/metrópole. Cada jogador terá um objetivo secreto a ser cumprido: uma carta que o dirá como fazer pontos, mas também indicará como se dará o final do jogo. Ao se cumprir essa condição de fim de jogo, todos os jogadores mostram suas cartas de pontuação e somam-se os pontos de todos na mesa. O vencedor será aquele com maior pontuação. Mas não se engane, é possível prever a carta de objetivo de seu oponente baseado em suas ações. Por isso
Archipelago exigirá de você prestar muita atenção nas jogadas dos seus adversários, inclusive bloqueando algumas das poucas ações do jogo, ou mesmo tentando controlar os território descobertos por ele. Há muita interação no jogo, seja nas ações, nas negociações ou nas tentativas de inibir a rebelião.
EXPLORANDO O JOGO
A grande sacada temática do jogo foi colocar os jogadores na posição de potências que não só competem pelo controle da região, mas que dependem umas das outras para fazer o comércio funcionar. Não adianta só você negociar com o mercado porque uma hora um recurso irá faltar. Principalmente quando houver uma crise no arquipélago que poderá desencadear numa rebelião se os requisitos para acalmar os nativos não forem providenciados.
Ao longo do jogo, composto de várias rodadas com 6 fases em cada uma, você deverá escolher uma das diversas ações disponíveis como coletar recursos, construir (estruturas como um porto, um mercado, uma cidade ou ainda um novo barco), negociar nos mercados internos (com a própria ilha) ou externo (com as metrópoles), explorar (colocar um novo terreno em jogo), mover seus trabalhadores e/ou barcos (no jogo, chamado de migrar) ou ainda ter filhos ou contratar trabalhadores. Cada ação terá algum tipo de custo ou consequência que irá ou não deixar os nativos insatisfeitos, à beira de uma rebelião. Cabe a cada jogador fazer o possível para que isso não aconteça.
Se a rebelião estourar, todos perdem imediatamente! Aqui o jogo ganha ares de semi-cooperativo. Mas só aqui.
De um lado elas são cartas de desenvolvimento, do outro, crises próximas de estourar.
Nas demais fases, os efeitos dessas ações irão se desenrolar até que você possa comprar uma carta de desenvolvimento de um grupo de cartas reveladas a todos os jogadores na mesa. Esses desenvolvimentos são personagens ou tecnologias que o ajudarão a ter um melhor desempenho na fase de ações. Ao final dessa etapa, os jogadores terão que fazer apostas numa espécie de leilão cego pelo cargo de primeiro jogador. Quem vencer não só poderá ser o primeiro como também poderá definir a ordem em que os demais jogadores irão jogar, algo que será muito estratégico no decorrer do jogo e poderá definir o vencedor.
UM CIVI? UM 4X? QUASE...
Arquipelago tem um "Q" de
civi game, com umas pitadas de jogo de economia (há muita especulação de mercado), mas o jogo fica a poucos passos de ser um 4X. Enquanto você explora, expande e faz melhorias para que a sua potência se destaque, a sensação que fica é que somente falta algum tipo de combate direto para que você possa colocar 4X também entre as categorias do jogo. Algo que a expansão
War & Peace meio que resolve, adicionando enfrentamentos diretos entre os jogadores, mas ainda sem ser fator eliminatório. No restante do jogo,
Archipelago muito se aproxima de jogos como
Eclipse e
Clash of Cultures no fator de exploração e controle dos territórios explorados.
Tiles de territórios também tem dois lados: um deles com mais regiões de terra e o outro com mais água.
Enquanto evita os confrontamentos diretos, o jogo é recheado de negociações entre os jogadores. Tudo - eu disse TUDO - pode ser negociado em
Archipelago. Troca ou venda de recursos, valores em
florins (a moeda do jogo), posições em certos territórios, colocação de
tiles, e até mesmo a sequência de jogo podem ser combinados entre os jogadores. A única coisa que o manual proíbe é que os jogadores revelem seus objetivos secretos (que são secretos mesmo). Isso deixa o jogo muito mais complexo do que aquele que é jogado apenas no tabuleiro. Uma vez que se pode negociar sem revelar seu objetivo, você pode estar entregando a um adversário a vitória e por isso todas as negociações devem ser extremamente bem pensadas, mas não evitadas. Em muitos momentos você vai precisar da ajuda de outro jogador ou pode acabar ficando com seu jogo travado, principalmente em partidas com 4 ou 5 jogadores.
Mas a grande diferença do jogo fica mesmo por conta da fase de ações, onde a alocação de trabalhadores brilha de uma forma muito eficiente. Se num outro jogo com essas características você iria usar seus próprios
meeples para designar as ações, aqui eles são apenas os coadjuvantes (na verdade, mais servem para o controle de área do que para qualquer outra coisa). Os responsáveis por designar as ações são discos colocados num tabuleiro específico para este fim. Esse estilo de escolha de ações/alocação de trabalhadores também acaba distanciando o jogo de outros jogos de civilização e dos 4X tradicionais. No entanto, ele também não se parece com os jogos típicos de alocação de trabalhadores.
Trabalhador na terra e barco na água: eles tem várias funções no jogo.
OBJETIVOS, DURAÇÃO DO JOGO E PONTUAÇÃO FINAL
Outro ponto que acho incrível em
Archipelago é como ele controla a duração do jogo. Na caixa base você encontrará 3
decks de cartas de objetivo distintas, cada um deles com uma duração diferente. O mais rápido, por exemplo, terá uma condição de fim de jogo mais fácil de ser alcançada, enquanto o baralho mais longo irá tornar o fim do jogo algo mais difícil e te dará um jogo realmente longo. O tempo de jogo aqui deve variar entre 1 hora e meia a 4 horas, dependendo do número de jogadores e do
deck escolhido. Nas primeiras partidas, quando se está aprendendo a jogar, você vai gostar de usar o
deck mais curto para não estender demais seu jogo já que precisará ficar lendo e relendo o manual até pegar todas as regras nos seus mínimos detalhes. Porém, quando conhecer melhor o jogo, certamente irá querer jogar uma partida mais longa, com maior possibilidade de realizar mais ações, explorar mais e tentar somar mais pontos. E devo dizer, nem o jogo curto é curto demais e nem o longo se torna cansativo. Você sempre irá pontuar algo em torno de 10 a 18 pontos, independente da duração do jogo, mas terá que trabalhar mais pra isso no jogo longo do que no curto.
As cartas de objetivo tem iconografias muito simples e fáceis de se compreender, mas o manual do jogo ainda explica cada uma delas, tornando-se impossível se confundir. Aliás, o manual é um destaque à parte. Muito bem escrito e explicado, ele realmente não deixa nenhuma dúvida quanto ao jogo. Só não tem uma diagramação lá muito intuitiva, o que acaba te levando, às vezes, a pular certas caixas de textos com informações relevantes (já aconteceu comigo). Mas quando se lê na ordem certa, o jogo está completamente explicado.
As cartas de objetivo secreto. Na parte de cima, a condição de fim de jogo; embaixo, como marcar pontos.
Outro destaque interessante quanto à essas cartas de objetivo é sobre o como elas funcionam para encerrar o jogo. Diferente de qualquer outro jogo que eu já tenha visto, esse critério não está aberto a todos e um jogador poderá encerrar a partida no momento em que os critérios de sua carta foram cumpridos por ele ou por qualquer outro dos jogadores. Isso dá ao jogo um clima de tensão de não saber quando o jogo se encerrará ou se você fez pontos suficientes para vencer. Você pode até prever que fez X coisas das possíveis e que com isso pode garantir uma determinada quantidade de pontos, mas não consegue ter certeza disso. E mesmo pra um jogador experiente que já conheça bem os objetivos existentes, não dá pra ter certeza de quais deles estão presentes no jogo só observando as ações dos outros jogadores. É um desafio à parte fazer a leitura do jogo. No
deck de cartas de objetivos existem uma carta especial: o
separatista, cujo objetivo é vencer o jogo assim que a rebelião acontecer, se tornando uma espécie de traidor. Com essa carta em jogo, se torna ainda mais difícil ler os adversários numa partida.
Vencer uma partida de
Archipelago pode não te dar aquela sensação de fazer 100 pontos, ou de humilhar o adversário com uma vitória enorme. Em um jogo com 5 jogadores, você não tem mais do que 20 pontos em jogo. Isso faz com que os placares sejam muito próximos porque, ao final da partida, a carta de objetivo de cada jogador é revelada e somada a mais uma que está aberta para todos os jogadores na mesa desde o início do jogo. Em cada uma dessas cartas, há um critério para se pontuar e o primeiro, segundo e terceiro melhores naquele critério pontuam algo entre 1 e 3 pontos de vitória. Você pode ganhar esses pontos sendo o jogador que mais explorou, que mais construiu igrejas, o jogador mais rico ou ainda o que colecionou um tipo específico de mercadorias.
Cartas de objetivo comum ficam abertas na mesa para todos os jogadores.
Algumas cartas de desenvolvimento também podem te dar 1 ou 2 pontos extras, mas, no geral, a diferença de pontos é sempre muito curta. Já tive por aqui jogos que terminaram com dois jogadores empatados, decidindo na quantidade de moedas, e jogos em que o vencedor fez 1 ponto a mais que o segundo. Mas, ao contrário de outros jogos que já joguei e fiz poucos pontos, aqui você sente que fez muito para consegui-los e que cada ponto foi suado. Por outro lado, não há nada que te tire pontos e te deixe com um resultado negativo por ter ou não feito certas coisas.
CONCLUSÃO
É muito difícil falar de um jogo como
Archipelago sem colocá-lo na sua frente, na mesa. É um jogo muito complexo, cheio de nuances e mecânicas diferentes, que envolve muito mais do que só explicar as regras, mas também mostrar toda a parte da negociação que deve acontecer para o jogo funcionar e ser divertido. Conheço bem pouco dos outros trabalhos do
Christophe Boelinger para dizer se
Archipelago é o melhor trabalho dele, mas posso dizer sem medo que é um dos melhores jogos que já joguei.
Esconda seu jogo, negocie, cuide para não sofrer uma guerra por independência e vença o jogo, se puder!
O jogo perde alguns pontos comigo somente pelo fato de que achei bastante confusa a forma como os diversos tabuleiros são dispostos, nada funcional. Você se perde um pouco nas primeiras partidas entre tanta informação que o jogo te dá, algo que poderia ser muito melhor organizado em um único tabuleiro com as informações mais bem apresentadas visualmente, deixando somente os
tiles de exploração como peças separadas. Por outro lado, a quantidade de componentes do jogo se torna um deleite visual, com diversos marcadores para os recursos, dinheiro, peças dos jogadores, marcadores para as ações, os
tokens de exploração, cartas de desenvolvimento e objetivos. Tudo muito bem feito, com ilustrações bonitas e material de qualidade.
No geral, eu recomendo
Archipelago para jogadores experientes que queiram ter contato com jogos mais complexos, sem ainda dar um passo em direção à
Eclipse ou
Twilight Imperium, ficando ali alguns centímetros atrás em mecânicas que envolvam política e controle de área. Mas o jogo também pode ser uma ótima pedida para quem curte jogos de economia e quer fugir dos tradicionais jogos de compra e venda de imóveis e empresas. Acredito que o estilo de negociação e de uso do mercado de
Archipelago não seja único ou original (pode até ser), mas é muito interessante e bem desenhado.
Archipelago é um excelente trabalho de design que contempla um universo muito grande de estilos sem se tornar chato, demorado e complicado demais.
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