Clans of Caledonia chegou no final do ano passado e subiu rapidamente nos rankings de Boardgame. Aqui no Brasil especificamente virou um queridinho e já está no Top 10 da Ludopedia. Nos leilões do site não é dificil encontrar quem pague mais de 500 reais neste jogo que se esgotou rapidamente. Terra Mystica’s Killer alguns diriam. Mas o que será que esse jogo tem de tão especial para gerar tanto sucesso?
Bem, analisando o jogo, consegui visualizar pelo menos 3 grandes motivos para isso: dinheiro como único recurso, estruturas de benefício direto/intuitivo e os poderes variados dos Clãs. Esses 3 motivos trazem ao jogo a capacidade de “Ser complexo sem ser Complicado” e essa é sem dúvida nenhuma, a maior qualidade de Clans of Caledonia.
No momento de ouvir as explicações até parece ser um pouco complicado, mas quando você joga, tudo é intuitivo e um dos principais motivos para isso é o fato dele utilizar apenas o dinheiro como recurso para outras construções.
Vamos usar o Terra Mystica, jogo com o qual Clans é sempre comparado, como exemplo. Em Terra Mystica você tem que gerir Trabalhadores, Sacerdotes e Dinheiro. O tempo todo você tem que ficar fazendo a conta para ver qual dos 3 recursos será seu limitador. Se eu fizer A tenho dinheiro mas falta trabalhador. Então posso fazer B mas aí falta sacerdote, e por aí vai.
A maior vantagem de se lidar apenas com dinheiro no jogo é que você não precisa explicar qual é a forma lúdica de como o recurso funciona no jogo. É dinheiro! Qualquer pessoa que viva no Planeta Terra sabe como funciona. Você só precisa saber como ganha e quanto custa as coisas. De resto dizer para alguém que para fazer uma padaria você tem que pagar pelo terreno e pela estrutura é algo que qualquer um entende facilmente.
Isso facilita muito não só a compreensão do jogo, mas também o desenho da linha estratégia da sua cabeça. Você sabe o que quer fazer, quanto custa e agora só precisa subtrair os valores do que você tem para saber se consegue ou não.
O segundo ponto tem a ver com as estruturas construídas. De novo vou fazer uma analogia ao Terra Mystica. Em Terra Mystica os conceitos são abstratos, lúdicos. Essa casinha dá trabalhador que é um cubo de madeira. Templo/Santuário dão sacerdotes que geram um poder que também sobe no culto. Fortaleza dá algo que depende da sua raça. E tudo isso eventualmente gira poder ao subir no culto ou construírem perto de você. Gente, eu amo Terra Mystica, mas isso nem de longe é algo intuitivo. Caledonia é! E nisso, ponto para ele.
As estruturas são simplesmente entendidas. A padaria faz pão, a destilaria faz Whisky, a vaca da leite e a ovelha produz lã. Ambas podem ser abatidas pra carne. São conceitos que fazem sentido! A coisa mais abstrata do jogo é a questão dos trabalhadores que geram dinheiro e nem isso é tão abstrato assim.
E as mecânicas incluídas dentro do jogo não atrapalham. O mercado funciona sem problemas pois ninguém precisa abstrair do conceito do comprar Pão pagando o valor ou vender whisky por outro valor. É fácil entender.
O terceiro ponto de sucesso a favor do Clans of Caledonia é a questão dos super poderes dos Clãs. Em alguns jogos, os poderes variáveis de personagens dão um certo bônus para você em alguns momentos. Em Clans of Caledonia, assim como em Marco Polo (não a toa outro sucesso), eles fazem mais do que isso, eles ditam sua estratégia.
E por que isso reflete no sucesso do jogo? Por que isso facilita muito os jogadores que não querem, gostam ou não conseguem visualizar toda uma estratégia de longo prazo de um jogo a ter uma linha clara de como seguir. Se seu Clã vende cerveja, invista em Trigo, se matura Whisky, invista na bebida, e se tem desconto nos deltas do rio, construa sempre nestas áreas.
De novo comparando com Terra Mystica, nele, você precisa visualizar, qual é o poder da sua facção, como ele fala com os tiles de bonus disponíveis e também com os bônus de final de rodada. Qual caminho da árvore de evolução(Fortaleza/Santuário) é importante você fazer primeiro e em qual turno eu devo fazê-lo? Quais recursos eu preciso focar para que consiga fazer isso? Como farei para unir minhas estruturas no final da partida? Quais são os riscos que existem de um adversário me impedir disso e como mitigá-lo? E tudo isso você precisar ter pelo menos uma idéia antes de colocar a primeira casinha do jogo. Quando você, de tanto jogar começa a enxergar tudo isso é normal se apaixonar pelo jogo. Mas isso não é simples, não é fácil e nem sempre é aquilo que as pessoas querem.
Já em Clans of Caledonia, se seu clã vende manteiga, você faz leite. O recurso que você vai utilizar para comprar vaca (e fazer leite) é o dinheiro, sempre! Isso faz com que a pessoa consiga entender e jogar de forma competitiva este jogo desde a 1ª partida, as vezes, desde a 1ª ação.
Esses 3 pontos são o que tornam o jogo agradável e divertido para muitos, ao contrário de outros jogos que você queima a mufa, as vezes até de forma desnecessária, para tomar uma decisão que podia ser mais direta. E o melhor de tudo, ele faz isso sem ser um jogo simplista. Clans of Caledonia é simples, não simplista, e isso são coisas diferentes.
Um jogo ser simples tem a ver com o o tanto que o autor trabalhou para tornar todas as ações mais palatáveis para nós, sem com isso perder nenhuma complexidade estratégica. Conseguir criar uma variedade de ações sem ter de criar uma mecânica para cada uma. Já um jogo simplista é aquele onde o autor simplificou o trabalho DELE, ou retirando mecânicas até ficar simplório ou adicionando complexidade com vários micromecanismos dentro do jogo. Vou dar um exemplo melhor.
Há jogos de uma mecanica ou duas e é só. Ações simples, regras simples mas a estratégia também não se estende muito além disso. Lord of Waterdeep, por exemplo, é simples. Pega cubo, faz missão, pega mais cubo, faz mais missão. Isso não faz dele ruim, ou chato, eu mesmo adoro jogar LoW, mas não dá para negar que é estrategicamente raso. Outra opção é ser complexo de forma complicada. Bastar ter inúmeras mecânicas, microjogos dentro do jogo e trezentas coisas para prestar a atenção e levar em consideração em cada decisão. Vital Lacerda é mestre nisso. Agora ser complexo com simplicidade, isso sim é um desafio. Pois exige que o autor consiga passar o mesmo grau de complexidade, só que agora usando poucas mecânicas. Essa é uma qualidade tão grande, que no nosso hobby, é normal chamá-la de Elegante.
E por mais que Clans of Caledonia não seja um exemplo de elegância (ele tem uns problemas que vou citar mais embaixo) ele tem um ótimo nível de complexidade sem ser complexo demais e vai além: tem seus pontos de genialidade.
Por exemplo, o fato de você ganhar dinheiro para pegar contrato no início e pagar no final é GENIAL. Várias vezes eu fiquei tentado de pegar e entregar o máximo de contratos na 1ª rodada (já consegui até 4) para aproveitar o benefício da grana e você dispara. Mas provavelmente para fazer isso você teve de matar seu gado ou focar em compra de produto ao invés de produção. E aí vem a 2ª rodada e você não está produzindo quase nada enquanto os outros criaram um motor produtivo que já começa a dar resultados. E saber balancear bem para ser sempre competitivo é o grande desafio do jogo.
Outro ponto de complexidade estratégica é a questão de dinheiro/produção. Muita gente acha que é simples sair investindo sempre em grana no início ao invés de produtos por que aí na 2a metade terá dinheiro para comprar tudo, aí alguém chega e vende o produto por mais dinheiro do que você ganhou com um lenhador por exemplo. Encontrar esse equilíbrio é o outro desafio do jogo e aquele que leva ainda a um 3º ponto de genialidade deste jogo: o mercado.
O jogo é difícil, mas te dá uma saída fácil para muita coisa. Você olha os contratos e tudo precisa de 4 pães. E você começa a ver o trabalho que vai dar para criar 4 padarias apenas para o para na próxima rodada só sair contrato pedindo 3 queijos ao invés de pão. O mercado serve de uma válvula de escape enorme no jogo. Tanto para conseguir aquele produto que te falta, mas também para vender o excesso de produção e conseguir mais dinheiro para mais ações sem que para isso você tenha de focar exclusivamente nos trabalhadores. Mais uma vez, ponto para Caledonia.
Mas vamos ser sincero, nem tudo é simples ou maravilhoso no jogo. O conceito de adjacência e navegação é complexo. Pode-se navegar por lagos mas não por rios. E você está do lado de alguém mas por causa do rio não está adjacente. E no final, manter a contagem de vilas separadas porém interligadas por navegação é um pandemônio, ainda mais se levar em consideração aquele microtabuleiro todo confuso. Apesar de eu ter adorado o jogo vir em uma caixa pequena, utilizar um mesmo track de pontos para contabilizar os pontos das rodadas, o número de colonias de cada jogador e o valor dos produtos importados (algodão, tabaco e cana), tudo em um mesmo lugar é loucura. A maior parte das vezes eu tiro o contabilizador das colonias até a última rodada quando passo a atualizar ali para as pessoas terem uma ideia, mas ainda assim o início é um bololô só!
Outro problema do jogo é ele foi lançado sem estar pronto. Parte do balanceamento do jogo, principalmente dos exclusivos do Kickstarter estão sendo playtestados enquanto a gente joga. Tem Clã que, por exemplo, você tem que entrar numa página da internet para ver o benefício dele já que isso ainda não foi decidido antes do lançamento. E esse me parece mais ponto de comparação com Terra Mystica, só que aqui negativo. Em Terra Mystica, pmês sim, mês não, desde que o jogo foi lançado, alguma nova regra de rebalanceamento das raças é lançada. Você que comprou a primeira edição tem que jogar o jogo com toda coleção de erratas oficiais que já estão do tamanho da enciclopédia Barça e meu medo é que Clans of Caledonia vá por esse caminho em breve.
Mas, embora não se justifique pagar 600 reais nele num leilão, o jogo justifica sim o hype criado por ele. Sua maior qualidade é justamente a de conseguir apresentar um jogo bem estratégico ao público que ainda pareça leve e divertido. Clans of Caledonia tem tudo para ser a entrada a drogas mais pesadas para uns, ou o perfeito equilibrio entre estratégia e diversão para outros. Em ambos, ele se consolida como um dos melhores jogos já lançados no Brasil.
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