Charterstone é provavelmente o jogo mais falado dos últimos 2 meses embora você não possa de fato falar nada sobre ele. Será que ele vale a pena mesmo? Posso jogar em 2? Vale a pena jogar uma 2ª campanha? É isso que eu pretendo responder para vocês, sem dar spoilers, pelo menos baseado na minha experiência com 2 campanhas do jogo (uma completa e a 2ª no jogo 5).
Eu costumo dizer que no Brasil o hobby é feito mais de colecionadores do que de jogadores, e para eles, a ideia de ter um Legacy sempre causou arrepios. Imagina um colecionador aceitando rasgar um jogo depois de pronto. Imagino que a maioria ainda guarde a caixa de Pandemic Legacy ainda que ela não tenha muita utilidade depois da campanha. E é por isso que a ideia de um Legacy que se mantém jogável após a campanha tenha sido essencial para o sucesso de Charterstone.
Mas bem, o que se pode dizer sobre Charterstone sem dar spoiler? Muita coisa. A ideia aqui não é entrar em detalhes de como se joga o jogo e o que acontece, mas dar opiniões gerais sobre elementos do jogo para que você saiba avaliar o que funciona e o que não funciona para você.
1 – Mecânica, Storytelling e conceitos de Legacy
A primeira coisa que você precisa saber sobre o jogo, é que o storytelling e a mecânica não são o forte dele. Não que elas atrapalhem (a mecânica talvez atrapalhe para alguns), mas elas não brilham. O jogo é um euro. Bem produzido, com história sim, mas ela é apenas permeia e justifica as ações. Ao contrário de Pandemic Legacy, não há uma imersão forte ou uma história direcionando suas decisões. Já em Charterstone, a história no máximo influência suas decisões, pois o jogo fala sempre das intenções e anseios do Rei e isso pode ou não influenciar sua estratégia. Se você busca imersão, esse não é o forte de Charterstone.
Mecanicamente o jogo também não é inovador. Pode ser até repetitivo nas primeiras partidas onde as opções de locais ainda são restritas. É uma alocação de trabalhadores, simples, com uma mecânica sem rodadas fixas, onde você recupera seu trabalhador se alguém for no espaço onde você está ou em realizando uma ação de coletar de volta seus trabalhadores. Esse é um mecanismo que o Stegmaier já utilizou em Euphoria e é bacana pois fará mais ações quem souber melhor onde ir a cada momento. E sinceramente, vi muitas pessoas se decepcionando com isso e sequer seguindo em frente após 2 ou 3 jogos.
Mas o que o jogo tem que presta então? As surpresas de um jogo Legacy e a ideia de jogar para vencer uma campanha e não necessariamente uma partida.
A questão de surpresa para mim é muito bacana. A cada momento, você pode abrir uma caixa que tem algo que muda completamente o jogo. Ou uma regra permanente/temporária que pode afetar você diferentemente a cada partida. As escolhas que cada um faz também vão moldar o jogo de forma que nenhuma campanha acontece da mesma maneira. Existe um entusiasmo e tensão a cada vez que descobrimos que algo novo vai sair do Index ou uma regra nova será lida. E isso é bem bacana.
Outra coisa que eu adorei no jogo é jogar para pontuar depois de 12 partidas. Me deu uma sensação de estar jogando um Campeonato de Charterstone, e até então nenhum jogo havia me proporcionado isso. Faz com que um 3o lugar em um jogo possa ser comemorado. Às vezes eu quero ganhar uma partida específica, mas a que custo? Como fazer uma estratégia que funcione não apenas para este jogo, mas também me ajude a ganhar a campanha como um todo foi um elemento que me fez gostar muito de Charterstone. E foi esse elemento de “campeonato”, junto com a necessidade de se adaptar a novas regras e com a curiosidade do que estaria por vir que me conquistaram.
2 – Número de jogadores
Eu joguei a minha primeira campanha com mesa cheia, 6 pessoas. A segunda campanha está sendo com 5. Neste sentido não notamos nenhuma diferença considerável. Mas será que o jogo funciona bem para contagem baixa de jogadores?
Eu, sinceramente, acho que não teria curtido tanto se jogasse apenas em 2 ou 3. Com 4 já acho que estaria satisfatório. O motivo disso, para mim, é justamente o fator campeonato que eu falei ali em cima. Se o jogo não é mecanicamente fantástico, ou com capacidade de imersão e storytelling que me passe uma sensação real e forte ao jogá-lo, tirar um dos 2 fatores que mais me prenderam no jogo seria um custo muito grande na minha diversão.
Mas veja, é uma opinião pessoal. Eu não sou fã em jogar em 2 jogadores de um modo geral, justamente por que o desafio de competir com várias pessoas é uma das coisas que mais me prende no jogo.
Além disso, com 2 jogadores, a evolução de novas regras, novas surpresas é um pouco mais lenta. Se eu jogasse em 2, eu definitivamente incluiria pelo menos uns 2 Automas no jogo.
Mesmo assim, se tivesse a oportunidade de jogar apenas em 2/3 eu faria. Provavelmente não estaria jogando uma segunda campanha, mas a 1a eu teria jogado de qualquer forma, ainda que me divertindo um pouco menos.
3 – Aleatoriedade das Decisões e regras de catch up
Outra coisa que eu vi muita gente reclamando também é sobre a aleatoriedade de muitas decisões. Você as toma no escuro, ou pode ser impactado pela decisão de outro. Bem, para mim, nunca incomodou. A sensação de incerteza inclusive era o que dava o friozinho na barriga durante o jogo. E além disso, cabe você a definir também qual é sua estratégia. Por exemplo, há pessoas que seguiram a estratégia acha que lhe dará um motor de pontos melhor. Já minha esposa decidiu que irá fazer a estratégia de sempre ganhar o direito de decidir as coisas. Com isso, não se pode reclamar quando ela decide algo que atrapalha a SUA estratégia, afinal, foi decisão sua focar nisso ao invés de focar nas decisões. Ela também não pode reclamar que criou um motor fraco de pontos para final de jogo, já que a escolha dela foi a de capitanear as decisões de regra de jogo. E por aí vai. O jogo tem sim suas aleatoriedades, mas eu curti quase a totalidade delas.
Outra questão do jogo são as regras de Catch up. Catch up (alcançar em português) são regras que os jogos utilizam para dar alguma vantagem aos jogadores que estão atrás, tentando manter todo mundo no jogo. Em Charterstone elas existem, e dão uma certa vantagem para quem está atrás, mas não é o suficiente para virar completamente o jogo caso você tenha começado muito mal ou tomado decisões que afetam completamente a sua capacidade de pontuar. Isso, pode sim ser algo que desanima alguns pois se uma pessoa está muito atrás ela provavelmente não conseguirá fazer uma grande virada, salvo se algo acontecer que eu mesmo nem sei. No meu jogo 3 ou 4 pessoas abriram alguma vantagem enquanto os outros 2 ficaram para trás. Um deles ainda tentou mudar a estratégia para tentar algo. O outro, odiou o jogo. Então é importante saber que isso pode sim acontecer e cabe a você ter um grupo que mantém comprometido assim mesmo. Mas se alguém, completamente fora do jogo quiser mesmo sair, você sempre pode colocar um Automa para jogar no lugar dele. Afinal chance de ganhar o cara já não tinha mesmo.
4 – Jogando uma nova Campanha (e com jogadores que não jogaram nenhuma).
Comecei uma nova Campanha de Charterstone logo após a primeira. E ainda devo jogar uma 3ª assim que acabar essa com meu Recharge Pack (a 1ª foi no jogo de um amigo). Acho que isso já passa bem minha opinião sobre se vale ou não a pena jogar uma nova Campanha. Mas vou ainda, explicar o porquê disto.
Jogar Charterstone de novo, já sabendo de muitas coisas não estraga nem um pouco a diversão. Isso por que cada jogo é diferente um do outro. Tudo aquilo que era forte no primeiro jogo pode ser irrelevante no segundo seja por que decisões diferentes foram tomadas ou apenas por que a ordem das mesmas decisões mudou, e com isso algo demorou muito a entrar no jogo. Por exemplo, eu, na 1ª campanha tomei a decisão de ignorar completamente uma estratégia de jogo e para mim deu certo. Já na 2ª campanha eu sou um dos que mais utiliza esta mesma estratégia. Apenas por que a dinâmica do 2º jogo a fez mais interessante para mim.
Para se ter uma ideia, mais de metade das cartas contendo informações, opções, regras, histórias ou sei lá o que, sequer foram vistas por mim após uma campanha inteira com 6 jogadores. Outro dia mesmo, sem querer abri o Index e deixei um conjunto de cartas cair no chão que eu não tenho a MENOR IDEIA do que sejam, para que servem ou a o que se referem.
Até mesmo o fato de eu ser o único que já jogou uma campanha não tem sido uma vantagem relevante para mim. Primeiro por que não dá para eu seguir uma estratégia vencedora da 1ª campanha pois eu sequer sei o que vai sair nesta. As decisões tomadas mudam muito o valor futuro de cada coisa. Não dá para contar com o ovo na galinha que vou investir nisso aqui que vai dar retorno no futuro. Logo na partida 3 minha esposa já fez uma escolha que mudou da água para o vinho o valor que teria uma das possíveis estratégias de jogo. Não faço ideia do que virar a partir daí.
Mas como deve sim, haver alguma vantagem, tomei algumas liberdades criar regras para a 2ª campanha. Eu por exemplo, não tomo decisões que eu já conheça o resultado. Caso tenha este direito, eu escolho quem toma no meu lugar. Isso deixa com que eu tente influenciar algo que me é mais benéfico, mas me tira a certeza de um caminho vitorioso. Sinceramente, até prefiro assim pois é mais chance de ver mais coisas diferentes no jogo.
Outra liberdade que tomei foi de não jogar com o mesmo personagem. Na primeira, joguei com o vermelho e na segunda com o amarelo, ambas por mera afinidade com as cores. E por mais que após a primeira campanha eu tinha noção de algumas coisas do jogador amarelo, eu não tinha como decorar o que foi que ele decidiu para liberar cada coisa ou qual caminho seguiu.
5 – Jogando o jogo depois da campanha
O jogo pode ser jogado depois da Campanha e, tendo lido as regras, imagino que ainda seja interessante, principalmente para as pessoas que jogaram aquela campanha com você e construíram aquela Vila.
As regras são mais ou menos as mesmas das partidas iniciais, mas o jogo utiliza os elementos que já abriu para dar variabilidade no setup. Há como se escolher então, regras temporárias diferentes para cada partida, prédios com ações diferentes em cada um e poderes variáveis para cada jogador.
É interessante dizer também que o jogo permite até mesmo que a Vila continue se modificando nas partidas independentes. Ou seja, o conceito de Legacy se mantém um pouco presente até depois, o que, sinceramente me fez interessar em jogá-lo de novo muito mais do que imaginaria no meio da campanha.
6 – Conclusões finais
Eu adorei Charterstone. Virou um dos jogos favoritos aqui. Toda noite de jogos minha prioridade é jogar mais uma partida da campanha e abriria até mão de jogar outras coisas para focar nele. Eu particularmente fico ansioso e curioso para saber o que vai acontecer nesta. Será que surge algo novo que eu ainda não vi? Que raio de cartas seriam aquelas que eu deixei cair no chão sem querer?
Pode não ter o nível de tensão ou de storytelling do Pandemic Legacy, mas o conceito de campanha competitiva com surpresas no caminho definitivamente me conquistou.
A minha sensação era de estar jogando um Livro Jogo competitivo. E do mesmo jeito que eu, nos livros jogos, fazia questão de voltar e ler todas as opções que eu não optei de início, em Charterstone eu quero a mesma coisa. E como eu sou curioso a ponto de jogar até abrir tudo, imagino que este se tornará rapidamente o jogo que mais joguei na vida.
E você? O que achou da Campanha? Está curtindo? Deixe aqui sua opinião, mas por favor, tome cuidado de não dar, ou pelo menos de avisar sobre os spoilers.
Deixo também aberto para que você tire alguma dúvida do jogo caso eu saiba tirar. A maioria delas você encontra no BGG, mas como muita gente não sabe inglês, terei o prazer de responder. É só mandar uma MP.
PS: Aproveitando para fazer um jabá onde eu não ganho nada com isso, mas com essa promoção da Cultura com o cupom LUDOPEDIA20 dá pra pegar esse jogo por 280 reais no dia de hoje. Com o nível da produção deste jogo, achei bem barato.
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