Estava eu, outro dia, lendo um blog americano chamado
Start Your Meeples que tentava definir de forma conclusiva o que era um Eurogame. E ao ler as características de um Euro eu levei um susto. Várias delas são diferentes do que Great Western Trail é.
Eu parei então para pensar no por que este jogo chegou fazendo tanto sucesso. O que ele tem de tão bom além das piadas dos Mezenga e Berdinazzi. E é isso que espero explicar aqui para você.
Uma das questões que o Start Your Meeples tentava definir no gênero dos Euros era a questão do confronto. Enquanto Wargames e Ameritrash exploram muitas vezes a resolução de conflitos diretos entre os jogadores, um jogo euro trata o confronto, em geral, de forma indireta e não agressiva. Em um Euro o confronto costuma ser pelo bloqueio de uma ação ou um recurso, você disputa uma carta, um local de alocação, uma rota, o controle de uma área, etc. Uma das coisas mais comuns em um jogo euro é você querer tudo e ter de se contentar com o que sobrou.
E é aí que o Rei do Gado já se diferencia dos outros Euros. Ele te dá acesso a tudo! Sem bloqueio, sem restrições, sem você ter de abrir mão de uma coisa para ter outra. E ao mesmo tempo ele te mostra que se você quiser tudo, vai perder o jogo.
Para quem não conhece, o jogo funciona como em um rondel (embora não circular) de ações. Você vai fazendo as ações sempre à frente das que você já fez até atingir o final, vender seu gado, e voltar ao início onde você começa a fazer tudo de novo.
E neste caminho não há bloqueios. Ok, podem haver prédios dos adversários que apresentam algum tipo de obstáculo ou restrição, mas em geral você pode tudo no caminho até Kansas City. Pode parar em TODOS os prédios do jogo, até em um prédio onde já há um adversário. Pode fazer todas as ações existentes no tabuleiro, contratando pessoas, comprando boi, construindo casa, vendendo gado, retirando perigos e andando seu trenzinho. Pode tudo!
Enquanto outros jogos exploram a restrição, GWT explora a liberdade. Logo de início, poder andar 4 tiles parece muito. E ainda dá para aumentar para 7 de movimento! São apenas 6 tiles iniciais! Será que alguém mostrou isso para o Pfister? Parece algo totalmente desnecessário. E pode parar em todos lugares, até nos já ocupados. E se não tiver dinheiro para pagar o pedágio pode andar assim mesmo. E pode escolher o caminho, e pode fazer as ações dos tiles na ordem que quiser e pode, e pode, e pode.
Isso vira até uma das tentações em quem joga o jogo pela 1ª vez. A gente passa a vida toda aprendendo que em jogo euro o cobertor é curto, que para ter A você tem de abrir mão de B e aí vem um jogo assim, e do nada, deixa você ter tudo que quer? Acho que nunca algo me pareceu tão gratuitamente benéfico desde o dia em que eu, ainda criança, descobri que os vizinhos simplesmente DAVAM balas no dia de São Cosme e Damião. Como assim, DÃO BALA??? Por que não me avisaram disso antes?
E então, como em um tapa de luvas, o jogo te derruba em uma derrota acachapante. Mas como??? Eu peguei tudo que podia??? Usei toda minha experiência de anos jogando Diablo revirando cada pedra atrás do item mais inútil e não deu certo? Pois é. Esse é Great Western Trail.
Como se estivesse te lembrando do ditado “Quem tudo quer, nada tem” o jogo aparece para te dar uma lição de moral: aprenda a pegar o que for necessário e seguir em frente para fazer o que importa. Esta é a lição número 1 de Great Western Trail.
Isso por que, se você parar para fazer tudo, seu jogo vai ser devagar, e você vai ter dificuldades de aumentar seu engine de fazer dinheiro para comprar as coisas que você quer, pois, por mais que você possa fazer uma graninha aqui ou acolá vendendo vacas pelo caminho, é a venda em Kansas que enche teu bolso e te dá pontos de vitória.
Tendo entendido isso, vem aí o segundo ponto do jogo que faz ele brilhante: como você pode tudo e tudo é bom, GWT vira um jogo de pequenas boas escolhas. E isso é muito agradável.
O tempo todo no jogo você está escolhendo, quero isso aqui que é bom, ou isso aqui que também é bom? Ando mais um pouquinho e faço isso aqui que também é ótimo. Embora ao fazer escolhas você as vezes abra mão de outras coisas, nunca parece que está fazendo escolhas ruins. É sempre entre algo bom e outro melhor.
Os adversários estão comprando todos os cowboys? Compre engenheiros e aumente rapidamente sua linha férrea. Pegue os certificados de venda e torne suas vendas mais valiosas mesmo sem ótimas vacas. Está sem dinheiro? Construa prédios que são mais baratos no início e melhoram a eficiência das suas ações no futuro. Em Great Western Trail, talvez você não possa ganhar tendo tudo, mas você pode sim vencer tendo qualquer um dos 3 fatores de pontuação (gado, ferrovia ou prédio).
E é justamente por trabalhar na liberdade ao invés da restrição e fazer de todas as ações, boas ações, que para mim fez deste jogo tão agradável de se jogar. O jogo te ensina a focar sem te podar. Sem que você precise gastar uma ação para se tornar o 1º jogador.
O jogo não é sem erros, vamos deixar claros. Desde a primeira vez eu senti falta de mais variações de objetivos ou de tiles de ferrovia. Mas isso é tão pequeno que passa quase despercebido.
Great Western Trail não inventou a roda em termos de mecânica, mas definitivamente fez ela rodar mais azeitada em termos de jogabilidade. Chego até ter medo da expansão que vão lançar pois o jogo é tão redondo que sequer acho que cabe uma expansão. E é por isso que, mesmo em um ano que tivemos Terraforming Mars, Orleans, Clans of Caledonia ou Lisboa sendo lançado no Brasil, o Rei do Gado leva, para mim, o título de jogo do ano de 2017!
Por coincidência o canal
Jogatina BG fez um vídeo também hoje sobre Great Western Trail. É uma ótima oportunidade para conhecer um pouco melhor o jogo lá. O link, está aqui na Ludopedia mesmo:
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