Bom, antes de começar a falar do 1846, vou começar falando como cheguei até ele (se quiser saber só sobre o 1846 em si, pode pular direto pra depois da foto do jogo). Eu fui fisgado para o hobby com o Tigris & Euphrates, em 2009. Até hoje ele é um dos meus jogos preferidos, por ser um excelente exemplo de elegância: as regras são simples, e o que torna o jogo excelente é a liberdade dos jogadores em como usá-las. Depois disso virei um ávido leitor do BoardGameGeek e fui conhecendo outros jogos fantásticos. Por alguns anos eu nunca tive o menor interesse nos tais "jogos econômicos", por ter a impressão de que seria impossível um jogo com esse tema ser divertido, mas aí por puro acaso consegui um Imperial - eu estava querendo mesmo era o Antike do mesmo autor, mas como não encontrava nunca e alguém me ofereceu o Imperial numa troca, acabei pegando ele mesmo. E virou mais um jogo que até hoje dou nota 10 com louvor.
Durante as horas e horas passadas no BGG, acabei sabendo da existência dos 18XX. Mas jamais imaginei que fosse jogar algum, pois eles juntavam vários elementos que dificultariam muito a "ida à mesa" com as pessoas com quem eu jogava - eles eram muito longos (não é raro que alguns durem mais de seis horas), eles eram extremamente competitivos (no popular, pura "treta"), e não eram nem um pouco amigáveis para novatos.
Por conta disso, eu tratava esses jogos como mera curiosidade, que eu até gostava de ler sobre, mas nem considerava jogar um dia.
Até que fiquei sabendo que existiam 18XXs "de entrada". Um exemplo era o 18EZ, que tem vários modos de jogo, cada um ensinando aos poucos os conceitos do gênero. Mas esse jogo está fora de catálogo há séculos e aparentemente nunca vai voltar a ser publicado. Mas nem foi tão ruim assim não conseguir uma cópia, já que dizem que ele (além de outros jogos com propostas semelhantes como o 18AL e segundo alguns também o Steam over Holland) até tem utilidade para apresentar as pessoas ao gênero, mas depois de um tempo perdem a graça.
Aí eu descobri que havia outro 18XX simplificado no mercado, e dei a sorte de ver um sujeito vendendo na Ludopedia. Era o Poseidon, jogo que considero excelente, mas que, para se tornar mais simples, elimina várias das coisas interessantes do gênero 18XX. Ele fez sucesso com meus amigos, e joguei um bocado de vezes. Pra mim já tava bom demais: Poseidon na mesa e, se quisesse arriscar outros 18XX, dava pra jogar por e-mail (achei um grupo que jogava 1856 usando o rails, um programinha em java pra jogar em modo assíncrono).
Mas aí um sujeito no BGG cuja opinião eu respeito pra caramba, chamado Eric Brosius, me falou que eu devia arriscar um pouco mais e pegar o 1846, que pra ele é de longe o melhor 18XX de entrada, por vários motivos - e enquanto a maioria dos 18XX são difíceis de conseguir, pois as tiragens são muito baixas e/ou os preços são caríssimos, o 1846 estava em pré-venda na GMT, a um preço ótimo. Resolvi arriscar e comprei. E ainda bem que comprei!

Bom, como já citado, o 1846 é um 18XX. Melhor então começar a review falando o que é um 18XX, certo? Bom, há vários estilos de jogos econômicos de trem, e o 18XX é provavelmente o que mais tem exemplos. O sistema foi criado por Francis Tresham (o mesmo do
Civilization) em seu jogo 1829, que depois alcançou fama mundial com o
1830 (que ganhou o subtítulo Railways and Robber Barons). Os jogadores controlam companhias ferroviárias, mas ao invés de cada um ter a sua, o controle é na forma de ações (pra quem já jogou Imperial fica mais fácil de entender). O jogo tem dois tipos de rodadas que se alternam: nas rodadas de mercado, os jogadores compram e vendem ações das diferentes companhias. Nas rodadas de operações, as companhias é que jogam - no caso, controla a companhia quem tiver naquele momento o maior número de ações dela.
Antes de começar, porém, existe a fase inicial de distribuir as companhias privadas (isto é, as que têm "um dono só", e não são controladas por ações). Elas existem provavelmente em todos os 18XX e além de servirem para dar rendimentos a quem as possui, elas também dão certa assimetria nos poderes iniciais de cada jogador. Por exemplo, tem companhia de construção de túneis que dá desconto na hora de passar trilhos por montanhas, tem companhia de carne bovina que associada a uma ferrovia dá mais lucro ao se chegar a cidades que exportam carne, e tem até duas companhia que são "mini ferrovias": cada uma vem com seu trenzinho e pode operar como uma das empresas grandes, mas nas mãos de um só dono, com o lucro dividido igualmente entre o dono e o cofre da empresa (e ela usa esse dinheiro do cofre para construir mais trilhos).
A distribuição dessas empresas privadas já é um dos pontos que faz do 1846 um jogo que brilha tanto para novatos quanto para jogadores experientes: em boa parte dos 18XXs, essas empresas são leiloadas no começo do jogo. Pra quem nunca jogou na vida, fica dificilímo saber o que é um "lance razoável" pra essas companhias, o que pode praticamente arruinar todo o jogo para alguém que gastou demais nessa fase e não vai conseguir fazer muita coisa por um bom tempo por falta de dinheiro - e quando conseguir já vai estar bem pra trás.
No 1846, há um
draft inicial de empresas - embaralham-se todas as que serão usadas no jogo (o que varia com o número de jogadores, algumas são retiradas aleatoriamente) junto com algumas cartas em branco, e aí cada jogador pega um número de cartas (o número de jogadores mais 2), escolhe qual vai ficar (pode inclusive ser uma em branco se não tiver interesse em nenhuma das companhias naquela mão), embaralha o resto, coloca em baixo das demais cartas e passa pro jogador seguinte, e isso se repete até que não sobre nenhuma carta. Aí basta cada jogador pagar para o banco o valor nominal das companhias que escolheu.
Além de evitar esse problema do leilão inicial (a possibilidade de praticamente eliminar um novato que gastou demais no começo do jogo), esse
draft, unido ao fato de que o setup inicial do jogo elimina aleatoriamente algumas companhias privadas e também algumas das grandes, controladas por ações, significa que cada partida vai ser provavelmente diferente, forçando novas estratégias a curto e longo prazo - e não é à toa que tem gente que joga 1846 centenas de vezes e não enjoa (tive a sorte de ter uma partida com dois sujeitos que já passaram de 200, e falarei disso mais tarde).
Depois desse draft inicial, começa o jogo em si, que alterna sempre uma rodada de mercado com duas rodadas de operações. Na de mercado, você compra ou vende ações de companhias - se nenhuma foi aberta ainda, você compra a "ação do presidente" (que vale por 20% da empresa) e pega todo o material referente a ela: um "tableau" que conterá o dinheiro da companhia (mantido separado do dinheiro do jogador!), as suas estações (que ela poderá colocar em cidades ao longo do jogo), e as ações remanescentes da empresa (as que foram compradas pelo jogador ficam na frente dele, fora do
tableau).
Os "tableaus" das empresas (Fonte: 18xxpl.wordpress.com)
Quem determina o valor das ações da empresa é o próprio jogador que a abriu. Não dá pra
aloprar muito, pois há um intervalo inicial aceito para o valor de novas empresas, o que de novo é bom para novatos pois abrir uma empresa com ações muito baratas ou muito caras pode ser um problema. Obviamente, depois de aberta elas podem cair ou subir além desses limites iniciais, dependendo do seu desempenho nas etapas seguintes.
Ao contrário do Imperial em que ações são apenas compradas, aqui elas também podem ser vendidas - e se após a venda o presidente de uma companhia ficou com menos ações que outro jogador (isso é permitido desde que exista alguém com pelo menos 20% das ações dela), ele passa a presidência (com
tableau, dinheiro da empresa, trens e tudo) para o jogador que tiver mais ações. Inclusive, se livrar da presidência de uma empresa é o início do mais comum
cheque-mate em um 18XX: Se uma empresa precisa comprar um trem e não tem como pagar, quem tem que dar dinheiro é o jogador que controla a empresa, e se ele não tem dinheiro pro trem, abre falência e o jogo acaba. Esse tipo de sacanagem não é tão comum no 1846 (é uma das coisas que dividem opiniões sobre o jogo, já que tem quem prefira os 18XX mais "sangue no zóio").
Enquanto na maior parte dos 18XXs existem duas condições de fim de jogo (uma falência ou a quebra do banco), no 1846 o jogo até pode acabar por falências, mas isso é raríssimo - de novo, algo que o faz mais amigável para novatos.
Se todo mundo estiver satisfeito e não quiser vender nem comprar mais nada, passa-se pra rodada de operações, que é quando jogam as companhias já abertas, que terão uma estação na sua cidade de origem no tabuleiro.
As empresas podem construir trilhos (ou fazer um
upgrade quando os tiles de outras cores forem ficando disponíveis) para conectar suas cidades iniciais a outras, o que em geral custa $20 por peça (algumas saem mais caro dependendo do terreno, como as que passam por montanhas ou atravessam rios, e podem também ter desconto pelo "poder especial" de algumas companhias - ou de companhias privadas associadas às companhias maiores.
Elas podem também colocar estações em cidades já conectadas à sua malha ferroviária (um caminho livre da cidade que vai receber a estação a alguma estação já existente), ou em algumas posições alternativas se a empresa tiver o "poder" de abrir uma estação em outro lugar. Estações têm duas funções: é a partir delas que se formam as "rotas" que definem o quanto uma companhia arrecada com seus trens, e elas também bloqueiam aquela cidade de forma que, se não houver mais espaço livre para estações, outras companhias não podem atravessá-la - no máximo chegar até ela.
(Fonte: msaari, Boardgamegeek)
No exemplo acima, se a empresa Chesapeake & Ohio, que tem uma estação (cilindro com etiqueta) em azul claro, possui um trem 3, ela pode fazer várias rotas possíveis que passem por sua estação (um exemplo válido seria começar no tile marrom com um Z, depois no outro tile marrom onde há sua própria estação, e em seguida para o tile cinza que só tem uma estação azul escura da Baltimore&Ohio), mas não poderia por exemplo fazer a rota que começa na cidade da sua estação, vai para o tile marrom com um Z acima dela e depois para o tile verde logo acima, pois como o tile marrom com um Z já está bloqueado com estações de outras companhias, a Chesapeake & Ohio pode no máximo chegar até essa cidade, mas não passar continuar além dela.
Com as rotas feitas (a empresa pode fazer mais de uma por vez se tiver mais de um trem, só não pode usar o mesmo trecho para trens diferentes, no máximo passar pelas mesmas cidades), calcula-se a receita da empresa. Na imagem acima, se a C&O tivesse só um trem do tipo 2, ela poderia começar na sua estação (que fica numa cidade com valor 40) e ir até a cidade do tile cinza com o valor 70, o que significa que a empresa arrecadou $130 com essa rota.
(Pequena nota para os puristas: sim, eu sei que na situação da imagem acima não existiriam mais trens do tipo 2 porque os tiles cinzas indicam que o jogo já está na fase 4, foi só pra facilitar o exemplo)
Aí o presidente decide o que fazer com esse dinheiro. Ele pode distribuí-lo aos acionistas (e aí cada jogador recebe $13 para cada 10% de ações da companhia que possuir, e a própria empresa pode receber dinheiro pelas ações que ainda estão no seu
tableau), pode reter tudo para o cofre da empresa, ou pode pagar meio-a-meio.
E finalmente, a última coisa que uma empresa pode fazer é comprar trens - o que ela é obrigada a fazer se não tiver nenhum. Em geral as empresas começam o jogo com dinheiro suficiente pra comprar trens (pode-se inclusive comprar mais de um ao mesmo tempo). Reter dinheiro arrecadado, ou pelo menos fazer aquele pagamento meio-a-meio, pode ser necessário para conseguir mais trens ao longo do jogo. Outra forma de fazer a empresa ganhar dinheiro é fazendo com que ela própria lance no mercado uma ação ainda no
tableau (que vai ser vendida por um pouquinho menos que o valor que se conseguiria se ela fosse comprada por um jogador, mas comumente é necessário). Mas se nem vendendo tudo que pode o dinheiro for suficiente, chegaríamos naquela situação que é o presidente que tem que arcar com o prejuízo.
Todos os trens do 1846 (Fonte: 18xxpl.wordpress.com)
Mas como uma empresa pode ficar sem trens? Aí vem uma mecânica simples e interessante dos 18XXs: trens enferrujam. Existem quatro fases no jogo, que são disparadas justamente quando se começam a comprar trens mais modernos. No começo do jogo, só os trens do tipo 2 estão disponíveis. Quando alguém compra o primeiro do tipo 3, entra-se na segunda fase do jogo: os tiles de trilhos amarelos agora podem receber um "upgrade" para um do tipo verde que mantenha as conexões originais e acrescenta outra. O preço é o mesmo, $20. Já quando alguém compra um trem do tipo 4 mais coisas acontecem. Primeiro, algumas posições do tabuleiro mudam os valores que pagam. Segundo, aquelas companhias privadas que foram compradas no draft inicial saem do jogo. E finalmente, os trens do tipo 2 começam a enferrujar. Aqui novamente há algo que torna o jogo menos cruel para novatos - quando os trens de um tipo enferrujam, eles ainda podem ser utilizados uma última vez. Depois disso, adeus, vão pra caixa do jogo. E se a empresa ficar sem nenhum, vai ser obrigada a comprar um no fim da sua vez.
O interessante dessa mecânica inventada por Tresham para os 18XXs é que ela diminui aquele efeito indesejável mas comum em muitos jogos que é o fato de um jogador que conseguiu uma vantagem inicial consiga continuar na frente sem se esforçar muito, pois já vai estar lucrando mais que os demais jogadores e o jogo vira uma bola de neve. Um jogador que resolveu comprar vários trens para sua companhia no começo do jogo pode até passar um tempo ganhando muito mais que os demais, mas por outro lado vai perder tudo de uma vez quando os trens daquele tipo enferrujarem, e aí as outras companhias que foram forçadas a comprar um do tipo seguinte porque o fominha acabou com o estoque daquele tipo vão agora ficar tranquilos nessa fase enquanto quem disparou na frente vai ter que arranjar dinheiro para novos trens. Logo, pra se dar bem nos 18XXs é preciso jogar bem ao longo de todo o jogo, e viradas são possíveis.
Vem daí o que talvez seja a melhor "dica genérica para qualquer 18XX": se você não é o jogador que está ganhando mais dinheiro, compre um trem.
Como eu comentei mais cedo, o jogo é composto por ciclos de uma rodada de mercado e duas de operações. O que vai acontecendo nas etapas seguintes?
Bom, o objetivo final do jogo, como seria de se imaginar num jogo econômico, é terminar como o mais rico. Só que
mais rico aqui significa o seu
patrimônio líquido total: o dinheiro que você tem na mão
mais o valor das ações que você tiver no fim do jogo. Só que, obviamente, o valor das ações no fim do jogo certamente vai ser bem diferente daquele que os "presidentes" escolheram na hora de lançar uma empresa no mercado. Daí vem as regras que alteram o valor das ações, todas muito bem amarradas ao tema.
O track que indica os valores das ações de cada empresa (Fonte: 18xxpl.wordpress.com)
Se um presidente vendeu ações de sua própria empresa, isso significa que nem ele confia muito nela, certo? Isso faz com que a empresa caia uma posição no track que determina o valor das ações de uma empresa assim que ele faz isso. Todas as ações de uma empresa estão na mão dos jogadores, não tem mais como comprar uma em lugar nenhum (nem do mercado nem da oferta inicial)? Isso sugere que essa empresa está
bombando - e ela sobe uma posição no track se terminar a rodada de ações nessa posição. Lembra daquelas ações que as empresas podem vender pro mercado pra levantar caixa durante as rodadas de operações? Se elas continuaram no mercado no fim da rodada de ações, é porque não há tanto interesse assim nelas - então empresas com uma ou mais ações ainda no mercado ao fim de uma rodada de ações caem uma posição (pra evitar passar vergonha e perder valor nessa etapa, empresas que já não estão mais na pindaíba podem comprar de volta ações que lançaram no mercado, o que faz com que os rendimentos vão para o cofre da empresa, só que o valor vai ser um pouquinho mais caro que o valor corrente da ação).
Já nas rodadas de operações, as alterações de valores se dão pelo seu desempenho naquela rodada. Compara-se o dinheiro distribuído aos acionistas com o valor atual da ação da empresa, e assim o novo valor pode desde cair uma posição no track (se o valor distribuído foi menos da metade do valor atual da ação), ficar onde está ou subir uma, duas ou até três posições (nesse último caso, se o presidente conseguir a façanha de distribuir naquela rodada três vezes ou mais o valor corrente da ação, e se essa já ter passado dos $165).
De resto, trata-se de manipular essas regras pra lucrar: construir boas rotas, tentar bloquear as rotas dos coleguinhas, comprar ações daquelas empresas que você acha que tem potencial, vender aquelas que podem ficar em maus lençóis futuramente, etc.
O jogo tem regras que demoram pra ser explicadas (eu costumo levar uns 40 minutos), mas a vantagem é que elas são totalmente temáticas. Não tem mecânica no jogo que não faça sentido em relação ao tema, e, aliás, o Tom Lehmann fez um trabalho primoroso de pesquisa histórica para que os detalhes a mais que ele incluiu se refiram a algo que realmente aconteceu - por exemplo, duas companhias privadas tem como poder colocar de graça dois tiles numa região vazia do tabuleiro - isso porque naquela época houve companhias que chegaram a construir pequenos trechos de trilhos pra ver se atraíam investidores, não conseguiram, e nunca chegaram a rodar, sendo depois incorporadas a empresas maiores. Tem uma das empresas grandes que recebe de bônus um valor igual ao que foi escolhido para ser o seu valor inicial de ação - isso porque ela foi a primeira companhia ferroviária dos EUA a receber um financiamento federal em 1850. Tem uma rota que diminui de valor quando se muda de fase (o normal é sempre aumentarem), porque o envio de mercadorias pelo Lago Michigan caiu de valor quando Chicago cresceu em importância.
Enfim, 1846 é um jogo que tem fãs apaixonados (eu sou um deles). E mesmo os fãs de 18XX que não gostam dele (muitos gostam mais dos jogos que têm mais
treta na manipulação do mercado de ações) admiram o design de Lehmann. Mas acho que antes de fechar a resenha, é importante responder algumas questões:
-Esse jogo é pra mim?
Bom, nunca dá pra ter certeza se alguém vai ou não gostar de um jogo, mas é óbvio que tem certas coisas que ajudam a adivinhar. Você gosta de Imperial? Esse me parece ser um bom preditor. Mas mesmo que eu tenha adotado a "progressão" Imperial -> Poseidon -> 1846 com os meus amigos, numa das partidas aconteceu de um amigo que chamei depois de já ter apresentado Imperial e Poseidon veio com um colega cuja experiência com jogos de tabuleiro se resumia aos "tradicionais" (é,
tipo War), e o sujeito amou o jogo. Eu diria que se você gosta de jogos econômicos ou desses mais pesados de trem (ou pelo menos têm curiosidade de conhecê-los e não tem problemas com regras que precisam de uns 30-40m de explicação), vale a pena pelo menos tentar.
-Quanto tempo ele dura?
Essa pergunta é importante porque a duração dos 18XX é algo que costuma assustar novos jogadores. Por dois motivos: porque boa parte dos 18XX mais tradicionais realmente demoram muito, e segundo porque isso é particularmente mais grave com quem joga pela primeira vez. Como em quase todas as minhas partidas aqui em Belo Horizonte havia pelo menos alguém que nunca jogou, elas sempre duraram um pouco mais de 4h. Mas há alguns meses atrás eu tive a oportunidade de jogar uma partida em 4 jogadores que incluiu dois dos maiores entusiastas de 1846 - o Eric Brosius e o Joe Huber, cada um com mais de 200 partidas desse jogo. O Huber é desses caras que gostam de explorar absolutamente todas as possibilidades do jogo, e também em jogá-lo rápido - o objetivo dele é um dia jogar 1846 em 46 minutos. E faltou pouco pra isso - foram "48 minutos e 2 segundos". Na partida que joguei com ele, o Eric e mais um quarto jogador, jogamos em exatas duas horas. O que faz com que dê pra jogar nesse tempo?
O primeiro ponto é a experiência. É difícil saber o que fazer nas primeiras partidas, e aí quem está jogando pela primeira vez costuma não "apertar" muito a progressão de trens - "se eu já estou ganhando dinheiro, pra que comprar mais trem e correr o risco deles enferrujarem?". Como os trens iniciais fazem muito menos dinheiro que os últimos (no final do jogo o normal é as empresas terem rendimentos de várias centenas por rodada de operação), a quantidade de dinheiro que sai do banco é pouca, e a condição de fim do jogo é justamente o banco quebrar - e aí isso vai demorar horrores. Aquela "dica genérica" é importante: a não ser que você seja quem está ganhando mais dinheiro no jogo (e às vezes nem assim), compre trens, force o jogo a mudar de fase.
O segundo ponto: fichas de pôquer. Esse é um jogo em que o fluxo de dinheiro pra lá e pra cá é muito maior que qualquer outro tipo de jogo, então ficar contando dinheirinho de papel torna as coisas muito mais lentas. A melhor coisa é comprar um kit de fichas de pôquer que cubra os 12000 do banco e que tenha uma boa quantidade de fichas de 1 e de 5 (pelo menos umas 50 de cada, idealmente ~70), e aí as coisas ficam bem mais rápidas.

Parece um detalhe bobo, mas para 18XX é interessante procurar por conjuntos de fichas que tenham $20 ao invés de $25. Embora as de 25 sejam mais comuns para jogadores de pôquer, como nos 18XX boa parte das coisas são múltiplos de 20 (o próprio valor de construção ou upgrade de um trilho é exatamente $20), isso facilita muito as coisas. Já essas de 10000 são completamente dispensáveis. Eu aqui adotei a distribuição 1, 5, 10, 20, 50, 100 e 500. Já deixo montadinha uma distribuição que dá 6500 no total, e aí acrescento mais fichas de 500 dependendo do número de jogadores.
Outra possibilidade é usar uma planilha para controlar as rodadas de operação. Isso facilita demais o processo de distribuir o dinheiro pra cada jogador (e pra empresa) a cada vez que ela gera dividendos. Já usei a planilha feita pelo Joe Huber, que eu citei acima, e realmente agiliza demais as coisas:
Planilha genérica para 18XXs
Nos comentários dessa página de arquivo há as instruções (é a mensagem do próprio Joe Huber, um pouco abaixo) de como usar. No caso do 1846, a coluna Q fica em branco (porque ações que estão no mercado não rendem dinheiro pra empresa), enquanto a coluna R é preenchidas por 1s, porque as ações ainda no tesouro das companhias rendem.
Finalmente, o que o grupo do Huber e do Brosius também costuma fazer é "dividir tarefas" de acordo com o que cada um faz melhor. Eles escolhem alguém para ser o banco, alguém para cuidar dos tiles, alguém para atualizar os valores das ações e, se for o caso, alguém para cuidar da planilha. Não significa que isso seja necessário, muita gente joga 1846 rapidamente sem fazer essas coisas, mas como vi com meus próprios olhos uma partida que durou exatas duas horas com esse grupo, achei interessante comentar como eles fazem.
Claro, não dá pra esperar isso de um grupo que está jogando pela primeira vez - aí fatalmente a duração vai esbarrar nas cinco horas ou mais mesmo. Mas pra quem gosta desse tipo de jogo, são cinco horas interessantes com muitas opções para o que fazer, tirando talvez às últimas rodadas em que provavelmente as rotas já não tem mais como melhorar muito, já se está na última fase (isto é, não tem mais como melhorar os trens) e é só uma questão de pegar dinheiro até o banco quebrar - geralmente o que se faz quando se atinge esse estado é simplesmente fechar esse restinho de jogo no papel mesmo, e aí calcular o patrimônio total de cada jogador.
Enfim, os 18XXs são uma das categorias relevantes dos jogos de tabuleiro, que imagino que todo mundo que gosta de jogos econômicos e/ou mais pesados deveria conhecer. E o 1846 consegue ser um jogo que é ao mesmo tempo uma boa introdução e algo que pode ser jogado inúmeras vezes, e a cada jogo coisas bem diferentes podem acontecer. Que o digam o Eric e o Joe que já passaram das duzentas partidas cada!