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Resenha: LETTERS FROM WHITECHAPEL
Redator: Magarem
Londres, 1888.
Logo ao descer da carruagem você percebe que está no ponto errado. Há alguns minutos estava no elegante centro da cidade, mas, agora, becos abarrotados e mal-cheirosos ramificam-se ao seu redor. Vendedores ambulantes, mercadores gritando e crianças sujas e cobertas de trapo que correm pela multidão e puxam seu casaco pedindo dinheiro… Tudo que vê é pobreza e tristeza. Algumas pessoas chamam esse bairro de Inferno. Outras – de menos sorte – chamam-no de casa.
Aqui, por um centavo ou menos, você pode assistir a acrobatas de rua e a shows de aberrações, ou embebedar-se em um dos pubs. Prostitutas, aquelas almas solitárias e desafortunadas, ocupam todas as esquinas. Esse é o território de caça dele.
Bem vindos a Whitechapel.
Bem vindos às ruas de Jack o estripador.
Jack está a solta! Quatro noites e cinco mortes serão necessárias para que o enigmático serial killer londrino cumpra sua história. Este é o ponto de partida do jogo Letters from Whitechapel, publicado pela Fantasy Flight Games de autoria dos designers italianos Gabrieli Mari e Gianluca Santopietro, que traduz a história do até então desconhecido Jack o estripador!!!
O distrito de Whitechapel está em alerta! Policiais metropolitanos, detetives particulares e até agentes da Scotland Yard foram provocados pelos assassinatos sombrios que vêm ocorrendo nas ruas do desprezado bairro conhecido como Inferno. Cinco investigadores correrão atrás dos possíveis rastros deixados pelo assassino em sua fuga através da cena do crime. Para tanto, estes deverão se locomover por entre as ruas e becos de Whitechapel em busca de pistas que levem ao seu encontro. Jack, por sua vez, astuciosamente, após selecionar sua próxima vítima, deverá se locomover rapidamente para seu refúgio antes que os investigadores o encontrem neste trajeto.

Letters from Whitechapel é um típico jogo de gato e rato. Para os mais saudosistas, se aproxima, nas devidas comparações, já que se trata de um jogo mais complexo, ao conhecido Interpol, lançado aqui no Brasil pela Grow. O jogo é bastante desafiante, tanto para Jack como para os investigadores. A imersão do jogo é genial e empolgante. A dedicação para a criação de um contexto atrativo se inicia logo na construção de seu manual, recheado de passagens e informações da época. Os jogadores que assumirão os papéis dos investigadores, incorporarão personagens históricos como Sir Charles Warren, investigador do departamento criminal da polícia Metropolitana e George Lusk, líder do Comitê de Vigilância de Whitechapel. Jack, por sua vez, assumirá o papel pavoroso de selecionar suas vítimas dentre possíveis encontros previamente marcados por ele mesmo no tabuleiro que correspondem a toda a extensão real do distrito de Whitechapel.
A sessão é tensa do começo ao fim! A captura de Jack se torna mais real e palpável com o passar das noites. A cada novo assassinato os investigadores se aproximam de seu abrigo. Os rastros são inevitáveis e com a chegada da quarta noite os nervos de ambos os lados estão a flor da pele! A cada partida um novo desafio, ainda mais com o uso de algumas regras opcionais que modificam a rotina do jogo. É realmente um jogo surpreendente!
Mecânicas x Manual de Regras
“Muito bem construído”: esta frase resume a qualidade de seu manual. Aparentemente denso, uma vez que encontra-se distribuído por exatas 24 páginas, as regras se resumem em Fases rápidas e ligeiramente montadas. A cada nova página, ao lado da descrição das regras, uma passagem histórica que retrata eventos reais da época. Imersão é tudo neste jogo e seu manual é o marco inicial desta percepção.
Dentre suas mecânicas, a que se destaca como essência do jogo é “Point to point movement”. Trata-se de um jogo de perseguição, onde se sagrarão vencedores aqueles jogadores que manejarem com habilidade sua percepção. O jogo se constrói inicialmente a base de suposições, caminhos e rotas possíveis adotadas pelo assassino; no entanto, estas suposições, se tornam ainda mais concretas e diretas com o chegar da quarta noite, momento que os investigadores já avançaram em muito em suas conclusões sobre o refúgio de Jack . Desta forma, o grupo de investigadores deve se posicionar e eleger movimentos mais contundentes na busca pela vitória. Quanto a Jack, cada movimento seu se preenche de tensão! Um erro, um deslize, não será perdoado pelos investigadores. Jogar com Jack é simplesmente sensacional, blefar em seus movimentos será necessário para manter a integridade de seu refúgio.
Dentre outras mecânicas, é um jogo semi-cooperativo (“Partnership”), formado pelo grupo dos investigadores contra Jack, o assassino; a mecânica do “Secret unit deployment” faz parte da rotina de Jack, uma vez que seus movimentos são todos preenchidos em segredo em uma cartela de movimentação protegida por um grande Escudo. As ações de Jack são todas arquivadas neste documento, mantendo sua posição em segredo dos demais investigadores.
Qualidade de suas peças
Não tive a chance de conhecer a primeira edição do jogo, no entanto, analisando a edição revisada, percebi que algumas de suas peças foram modificadas, para melhor, tomando como base os comentários e análises de jogadores de todo o mundo. Dentre as modificações podemos citar a ficha ou escudo de Jack, agora maior, com quadro de movimentação mais visível com melhor sustentação; os tokens de madeira que dão maior prestígio, beleza e resistência ao desgaste do tempo; cartas de referência para todos os jogadores, para se evitar a consulta ao manual a todo momento e tokens de plástico, no formato de pastilhas transparentes de cores diversas, para melhor destaque no tabuleiro.
Todas as peças são de ótima qualidade. A gramatura das cartas de referência e as de Jack (cartas opcionais) são bem resistentes e muito bem confeccionadas. A caixa é belíssima, com uma arte empolgante, digno do material da Fantasy Flight Games.
Como o jogo funciona
Simplicidade é a maior característica deste jogo. Montá-lo não dura mais do que 5 minutos. O jogo se passa durante quatro noites, exatamente quando Jack escolhe e mata suas vítimas. Cada noite é dividida em 2 partes: Inferno (9 fases) e A Caçada (3 fases).
As duas primeiras Fases se assemelham a uma fase de manutenção para Jack, momento em que ele pegará seus tokens especiais de movimentação: carruagem e beco (seu número se distingue a cada noite, diminuindo com a proximidade da 4ª noite) e posicionará os tokens de suas possíveis vítimas (mulheres), espalhando-as com o verso para cima (os demais investigadores não saberão sobre quem são seus possíveis alvos) nos círculos vermelhos espalhados pelo tabuleiro (o número de tokens de alvo femininos diminui a cada noite, deixando Jack cada vez mais limitado em suas opções).
A terceira Fase será diligenciada pelos investigadores, momento que, um deles será selecionado como chefe desta noite. Este deverá espalhar as 7 fichas de patrulha policial, com o verso para cima, nas passagens de bordas amarelas, da maneira que desejar. Cinco dessas fichas estarão marcadas com as mesmas cores dos Peões da Polícia, sendo duas delas falsas para atrapalhar Jack, conforme estratégia do líder da investigação.
Dando início a quarta fase, os marcadores de vítimas são virados, deixando exposto as possíveis vítimas de Jack. Logo em seguida, quase que concomitantemente a fase anterior, dá-se início a quinta fase, um dos momentos mais estratégicas e importantes do jogo – Sangue nas ruas – momento em que Jack poderá matar uma de suas vítimas de imediato ou aguardar um pouco mais para saber onde os policiais estão posicionados (adiantando a ficha de Hora do crime em ordem crescente). Caso opte por esperar, os investigadores deverão movimentar as possíveis vítimas, aproximando-as, claro, dos tokens de Patrulha espalhados pelo tabuleiro, deixando Jack cada vez mais próximo. No entanto, como vantagem, Jack terá o direito de revelar um token de Patrulha policial na mesa, para construção adequada de sua estratégia (Fases 6 e 7). Jack poderá esperar por no máximo 5 rodadas, avançando para cada espera a Hora do Crime.
No entanto, caso opte por liquidar com a vida de uma vítima durante a Fase 5 ele deverá avançar para a Fase 8 e marcar em sua ficha a Hora do crime e o espaço em que este evento se sucedeu, registrando-o no tabuleiro com uma ficha vermelha (Cena do Crime). Feito isto, tem início a Fase 9, momento que os demais investigadores posicionados no tabuleiro pelos tokens de Patrulha são substituídos por seus Peões; o Alarme foi dado, os investigadores estão posicionados, tem início agora a Segunda parte do jogo: a caçada!
Durante a Caçada: o primeiro a agir é Jack, que terá agora 15 movimentos (máximo possível) para chegar em seu refúgio. Para tanto, além de sua movimentação ordinária entre círculos adjacentes, este poderá fazer uso de carruagens (2 círculos por ação) e Becos (movimentação através de um quarteirão, fazendo uso das vielas de Whitechapel). Jack não poderá transpor a posição dos investigadores, salvo quando fizer uso da carruagem. Quanto aos investigadores, após a movimentação de Jack, estes deverão debater como um grupo qual estratégia assumir, selecionando para seus Peões a melhor movimentação. Ao contrário de Jack e das Desafortunadas vítimas que se movimentam pelos círculos numerados, os investigadores se movimentam através de passagens (quadrados espalhados entre os círculos). Cada jogador poderá movimentar seu Peão por (0,1 ou 2) espaços. Feito isto, poderá selecionar uma de duas ações possíveis: “procurar por pistas” de seu paradeiro (nomeando círculos adjacentes a sua posição; todos os círculos adjacentes poderão ser vasculhados para procura de pistas, o investigador deverá enumerar a ordem desta investigação, pois, uma vez encontrado em um círculo, a procura por pistas é finalizada) ou “efetuar uma prisão” (escolha de um círculo adjacente para prender Jack; caso seja bem sucedido o jogo termina, no entanto, caso não o encontre neste círculo a apreensão termina por aí para este Peão)
O jogo terá seu fim anunciado de três formas: caso Jack chegue em sua quarta noite de crimes são e salvo ao seu refúgio ele será declarado vencedor; em contrapartida, será derrotado pelos investigadores caso não alcance o refúgio durante as 15 rodadas em uma de suas noites de crime ou quando um investigador consiga aprisioná-lo numa ação de efetuar a prisão. Simples assim, não há meio termo neste jogo: é bater ou correr!!!
Conclusão
Letters from Whitechapel é um jogo que te conquista tanto pelas mecânicas muito bem distribuídas e aplicadas em sua rotina normal quanto pela construção e imersão de sua história. O jogo se conduz por momentos extremamente tensos, de aflição evidente, tanto pela fuga estratégica de Jack quanto pelo desespero dos Patrulheiros que se encontram normalmente próximos ao malfeitor, e que devem tomar decisões importantes e decisivas a cada rodada em busca de um “fantasma”.
Um jogo nunca será igual ao outro, e com o passar das sessões, as convicções dos Patrulheiros se modificam, pois, analisando as estratégias possíveis, as vezes vale muito mais a pena atrapalhar o posicionamento de Jack em busca de seu refúgio, retardando sua chegada se posicionado firme ao redor de seu abrigo, do que exatamente certificar-se de sua prisão. Da mesma forma, a vitória será alcançada, então, caberá ao grupo de investigadores encontrar a melhor forma de o realizá-lo. O mesmo digo para Jack, pois, aguardar o momento certo para afanar a vida de mais uma vítima é o fator primordial para a afirmação de sua vitória.
Enfim, fui positivamente surpreendido com a qualidade deste jogo. Sua simplicidade e agilidade à mesa são inversamente proporcionais a complexidade de se delimitar uma boa estratégia, algo somente alcançado com algumas partidas.
Este é um jogo que vale muito a pena ser jogado, intrigante do começo ao fim!