Olha, sou Designer de Produtos e trabalho com mobiliário. O que posso falar é que esse tipo de prática é notável nesse segmento também. Na verdade, como você apontou, Rodrigo, é uma prática comum em toda a indústria criativa.
Quando é interessante para as empresas, a marca do autor será devidamente trabalhada e exposta pelo marketing, explorando a sua propriedade intelectual com uma margem maior para extração do lucro. Quando isso não é viável ou quando a marca da empresa simplesmente é mais forte que a do autor, isso não é necessário, não é desejável na verdade.
Vou dar um exemplo do que acontece no ramo em que trabalho. Acredito que seja semelhante ao que ocorre com os jogos.
Lançar um produto de um Designer X abre a possibilidade da empresa cobrar um valor maior por ele, lançando-o no segmento de móveis de alto padrão que são assinados. Assim elas podem atingir a marca de 20% (às vezes até de 30%) de margem de contribuição ao acionista. Ao custo direto de pagarem 10% de royalties aos autores, é claro. A pegadinha está no fato de que esses 10% são na realidade embutidos no custo de fabricação do produto, e não de comercialização. Os Designers possuem contratos com fábricas, não com lojas. Então levando em consideração o Mark Up do produto, normalmente esses 10% convertem-se em 2,5% do valor final do produto, como é vendido ao consumidor. Em outras palavras o gap, a diferença entre o que se ganha e o que paga, é enorme.
Já no segmento de móveis "populares", aqueles que são produzidos em séries grandes com preços competitivos, não é comum a "assinatura" de Designers. Ainda que em em muitos casos existam projetistas por detrás dos produtos. Normalmente não se pagam royalties e na maioria dos casos se compram projetos fechados ou se contratan os Designers como funcionários mesmo, quase sempre precarizados. A explicação para isso é a seguinte. Nesse segmento as margens de contribuição aos acionistas precisam se manter baixas, assim como os custos diretos de produção, para que o preço final seja competitivo. Os acionistas ganham no volume, no montante final de vendas. Eles precisam vender muito para ganhar dinheiro. Então as margens de contribuição permanecem girando em torno de 5%. Acredite se puder. É uma margem muito baixa se compararmos a praticada em outros mercados, mas essa é a forma que a indústria encontrou de se tornar comercialmente viável - competindo por preço e não por qualidade. Nesse cenário pagar royalties de 10% - ou 2,5% do preço final, se preferir - aos autores de um projeto representa um custo muito elevado. Em muitos casos o Designer ganharia mais do que o própria dono da fábrica. O que para os industriais é algo impensável! rsrs
Agora compare os dois cenários. No primeiro o investimento da empresa na marca do autor é alto, mas o retorno é substancialmente elevado também. No outro o retorno a curto prazo é menor, mas o gasto com projetistas e ridiculamente baixo. A longo prazo vale a pena.
São duas estratégias distinitas, cada uma com suas vantagens e desvantagens, aos olhos do investidor.
No final das contas se trata apenas, pura e simplesmente, de extração de mais-valia.
Vou dar um spoiler do que acontece no final da história. A maioria das empresas, se pudesse escolher, optaria pela primeira estratégia porque o retorno sobre investimento é maior e a possibilidade de se capitalizar rapidamente também.
Só que há basicamente um problema que precisa ser encarado para que essa estratégia funcione. O produto precisa ser notavelmente reconhecido como algo de excelência, ele precisa ser desejado e não penas necessário, pois no final das contas quem quer pagar mais caro por algo sem ter suas expectativas e vontades atendidas?
É justamente por isso que existem o Marketing e o Design, para construir significados, propagar ideias, criar demandas e "convencer" o público consumidor. São ferramentas de aperfeiçoamento e maximização da extração de mais-valor.
Dessa forma o Designer é, como você explicou, a chave ou o caminho para acessar esse mercado onde se ganha mais. É o "selo" de garantia do produto. Só que ele representa um custo.
O sonho das empresas é obter esse selo. Só que sem ter que pagar por isso... rsrsrs
Para tanto existe um movimento de empresas nesse segmento que investem no chamado Branding e não na publicidade dos Designers, na expectativa de fortalecer a percepção de valor da sua própria marca e eliminar o autor como intermediário do público.
Existe na indústria do Cinema um termo que eu acho muito interessante para descrever o caso. É o tal do "filme de estúdio". Nessa situação o estúdio cuida de toda a produção e o diretor / roteirista - autor - é apenas um "testa de ferro" ou funcionário mesmo, se preferir. Nesse tipo de filme é comum vermos padrões de narrativa sendo repetidos a exaustão e continuações infinitas de uma determinada propriedade intelectual. É claro que as qualidades que um filme possa vir a ter ficam comprometidas, pois o objetivo não passa por qualquer aspiração artística e sim por gerar lucro. O espectador percebe isso, mas muitas pessoas não ligam e vão assistir esses filmes mesmo assim porque, em suas próprias palavras, "só querem se divertir", "não querem pensar em nada"...
Onde será que eu já ouvi isso antes?
Você já ouviu algo parecido na nossa pequena bolha tabuleirista?
O que os autores podem fazer num cenário desses? Não muito.
Uma possibilidade, como você mesmo apontou, é fechar um coletivo em torno de práticas comuns para cercear as opções dos contratantes. Outra possibilidade é investir na sua própria marca e na produção independente.
Falando francamente, em ambos os casos, se o público se mostrar indiferente aos produtos, nenhuma dessas estratégia irá funcionar.
No primeiro caso as empresas irão simplesmente continuar o movimento de fortalecer a sua própria marca, despejar dinheiro na construção de sua própria estrutura - as que tem capital para isso - ou vão apenas decreta falência e partir para outra. Os investidores vão investir em outros segmentos.
No segundo caso os Designers precisariam eles mesmos serem os capitalistas investidores ou gozarem de certa independência financeira para fazer um investimento desses. Não é algo pra todo mundo, convenhamos. E para deixar as coisas mais complexas ainda talvez nem valha a pena financeiramente fazer uma aplicação dessas. Talvez seja melhor ir atuar em outro segmento.
Em ambos os casos é preciso investir na educação do consumidor para gerar demanda. E com educação eu quero dizer educação mesmo. Algo que vai muito além da aplicação de "funil de vendas" ou publicização da marca.
É algo bastante complicado de ser feito por um único indivíduo. Atingir um resultado financeiro com isso também é difícil. Veja a quantidade de influenciadores digitais que vivem reclamando que não conseguem pagar as contas com a sua atividade. No fundo, no fundo, todos eles são reféns da mesma lógica sistêmica.
Eu sei que o assunto é muuuuuuuuuuuuuuuito mais complexo do que isso. Sei que estou muito longe de esgotar o assunto em uma única postagem. Sei que fiz algumas generalizações e posso ter cometido algumas injustiças nos meus argumentos. Mas tentei dar um panorama geral bem resumido das coisas para facilitar a nossa discussão e compreensão.
Espero ter ajudado mais do que atrapalhado. rs
E se todo esse papo parece desmobilizador, na verdade não é. O primeiro passo para a libertação é reconhecer aquilo que nos prende.
A solução para o problema existe. Só que infelizmente a maioria das pessoas parece não estar preparada para essa conversa. rs