Poucos nomes têm tanto peso e história no cenário dos jogos de tabuleiro nacionais quanto Sergio Halaban. Com uma trajetória que se entrelaça ao próprio desenvolvimento do mercado brasileiro, Halaban é responsável por dezenas de criações que marcaram gerações de jogadores e inspiraram novos autores por todo o país. Neste ano, ele foi merecidamente homenageado no Prêmio Ludopedia, reconhecimento que celebra não apenas sua obra, mas também sua influência fundamental na consolidação do hobby no Brasil.

Nesta entrevista especial, realizada logo após a entrega do prêmio, Halaban compartilha memórias afetivas de sua infância e juventude — dos primeiros contatos com jogos até a publicação de seu primeiro título nos anos 1990. Ele reflete sobre os bastidores do mercado, os desafios da profissão de designer no Brasil e o prazer de cocriar com outros grandes designers do mercado. Ele fala também sobre o que ainda está por vir — novos títulos, parcerias e, acima de tudo, a continuidade de uma jornada movida pelo amor aos jogos e pela vontade de criar experiências inesquecíveis para as pessoas.







Ludopedia: Como foi o seu primeiro contato com os jogos de tabuleiro? Você se lembra de algum jogo marcante da infância ou juventude que te levou a se apaixonar pelo hobby? E como esse interesse evoluiu até o ponto de criar, nos anos 90, o seu primeiro jogo publicado, o Corrida Presidencial?

Sergio Halaban: Quando era bem pequeno lembro de jogar um tipo de “Escadas e Escorregadores” em família. Esses jogos de rolar o dado e andar torcendo para cair numa casa com um evento bom. Era com o tema Disneylandia. Também tenho lembrança de jogar Ludo e Banco Imobiliário com outros meninos e meninas.
Na década de 70 lembro quando um vizinho trouxe um jogo novo, numa caixa preta. Era a primeira edição do War. Foi amor à primeira vista! Imediatamente comecei a economizar a mesada para comprar esse jogo em sociedade com meu irmão. Muito tempo depois descobri que aprendi a jogar War com regras completamente erradas e por muitos anos joguei assim, rsrs.
Já adolescente conheci o Detetive, que certamente foi a experiência mais marcante que tive com jogos. Tenho uma memória muito viva das primeiras partidas e de como fiquei realmente apaixonado por esse jogo.
Mais tarde Senha e Reversi foram outros jogos que me marcaram bastante.
Mas o jogo que certamente mais joguei durante toda minha infância e adolescência foi o Futebol de Botão.
Entre a adolescência e a juventude, tive um grande hiato de jogos, embora continuasse sendo algo que me atraía. Porém, nessa fase, mais como objeto do que como lazer, jogos como Xadrez e especialmente Go.
Muitos anos depois conheci os jogos modernos. O Primeiro jogo moderno que joguei foi “Escape from Colditz”, depois Catan, Manhattan, Elfenland... e daí veio a vontade de criar um jogo.
Olhando em perspectiva, ao longo de toda minha vida eu sempre exerci alguma atividade criativa. Fotografia, joalheria, design de produtos... Criar jogos como exercício de atividade criativa foi praticamente uma decorrência natural para mim.


Ludopedia: Como era a profissão de "game designer" no Brasil quando você começou ? Hoje nós vemos que muitos autores têm acesso a editoras, eventos e até plataformas de financiamento coletivo. Na sua época, como era apresentar uma ideia de jogo e conseguir que ela virasse produto?
 
Sergio Halaban: Quando comecei a profissão de “game designer” já existia no Brasil. Mário Seabra, que criou vários jogos para a Grow, entre eles o War II, provavelmente foi o primeiro “game designer” do Brasil. Quando comecei já havia outros autores em atividade. Luis Dal Monte, Milton Célio de Oliveira, Carlos Seabra (filho do Mário), Otávio Lacerda...
O que não havia era o mercado de hobby ainda. Só existia o mercado de massa. E foi por esse mercado que começamos, André Zatz , Sílvia Zatz e eu.
O contato com os editores era direto e presencial. Ligava e marcava uma reunião para apresentar um jogo. Depois de publicar o primeiro jogo e criar algum relacionamento com os editores, começamos a receber briefings para jogos com licenças.
Alguns anos depois criamos coragem para fazer nossas primeiras tentativas na Europa. E aí a conversa era toda por e-mail.


Ludopedia: O War sempre foi um marco no Brasil, e você teve a oportunidade de revisitar esse clássico com War: Batalhas Mitológicas e War: Império Romano. Como foi mexer com um ícone tão consolidado e trazer novas camadas para ele?

Sergio Halaban: Foi um grande prazer. Os dois casos, foram encomendas da Grow.
O WAR: Império Romano veio primeiro e nos pediram para fazer uma adaptação do War clássico para o tema Império Romano. Tínhamos liberdade apenas para mudar o mapa e redesenhar os objetivos.
Já no War Batalhas Mitológicas a demanda foi por repetir o trabalho que fizemos no Império Romano e também desenvolver uma expansão que incluísse novas regras e componentes.
Sempre dá um pouco de medo de mexer em algo tão consolidado. Mesmo que existam críticas ao War, o jogo faz muito sucesso da forma como é. Então mudar é sempre um risco. Felizmente os feedbacks que recebemos nos dois casos, sempre foram muito bons. Especialmente em relação ao Império Romano.




Ludopedia: Muitos jogadores conhecem seus jogos mais recentes, mas você também ajudou a abrir caminhos para designers brasileiros no mercado internacional. Como foi esse processo e que desafios você enfrentou?

Sergio Halaban: A nossa decisão de tentar mercado internacional aconteceu um pouco pela “frustração” de não encontrarmos espaço no mercado de massa para um trabalho mais autoral nosso. Recebíamos encomendas da Grow e da Toyster para desenvolver jogos com licenças, mas não havia espaço para nossas criações. Então decidimos desenvolver um jogo novo com o objetivo de oferecer ao mercado de hobby europeu. Pois os jogos que oferecíamos para os editores brasileiros eram mais simples, voltados para o mercado de massa. Tivemos uma ideia para um jogo de blefe que acabou sendo publicado pela Kosmos com o nome Hart an der Grenze, que quer dizer algo como “perto da fronteira”. Acho que é uma expressão para dizer “essa foi por pouco”.
Foi um trabalho longo de desenvolvimento. O jogo nasceu de um jeito e terminou de outro muito diferente, rsrs. Mas pelo visto conseguimos fazer algo bastante original. Tanto que ele entrou na lista de recomendados do Spiel daquele ano.
Talvez o maior desafio tenha sido a distância. Nossa conversa com os editores para submeter nosso protótipo foi toda por email. Como não tínhamos a perspectiva de apresentar o jogo nós mesmos, queríamos garantir que nosso texto da regra estivesse claro e nosso protótipo seria jogado da forma que imaginamos. Para garantir isso, depois de traduzir e revisar as regras muitas vezes, fizemos alguns testes cegos da regra em inglês. Depois de cada teste fazíamos uma nova revisão das regras. Até que ficamos satisfeitos e nos sentimos seguros.




Ludopedia: Você já trabalhou com nomes como André Zatz, Bruno Faidutti e tantos outros. Como funcionam essas colaborações na prática? Há alguma história curiosa de bastidores?

Sergio Halaban: Desde o início da minha atividade como autor eu trabalhei em colaboração. Inicialmente com o André e com a Sílvia, e depois somente com o André. A colaboração com o Bruno Faidutti foi nessa época, então não mudou muito a dinâmica. Ao convidá-lo sabíamos que possivelmente ele iria fazer mudanças importantes no jogo em que já estávamos trabalhando, e realmente ele fez. É logico que um autor importante como ele, não vai querer entrar num projeto se não puder colocar, de alguma forma, a sua maraca pessoal no jogo.
O desenvolvimento do Formula E com o Bruno Faidutti foi todo feito por e-mail. Ele testava o jogo e nos mandava feedback. Nós testávamos e mandávamos feedback para ele. Tudo por e-mail. Em certo momento nos demos conta que jogávamos algumas coisas de forma diferente. Não eram coisas críticas, logicamente, mas tínhamos interpretação da regra diferentes em alguns pontos. Ao final do processo, quando o jogo já tinha sido publicado, ele mandou uma mensagem com ideias que ele teve para mudar alguns detalhes. Alguns anos depois, quando assinamos com a Conclave para lançar o Elephant Rally, eu aproveitei para resgatar aquela mensagem dele e implementar as mudanças que ele havia pensado.
O Warehouse 51 também foi desenvolvido da mesma maneira, mas conseguimos jogar juntos um protótipo final, porque eu viajei para França para participar de um encontro de amigos, autores e editores que ele organiza todo ano. 

Em termos de dinâmica de trabalho de criação, a grande mudança para mim foi quando eu deixei de fazer jogos em parceria com o André e passei fazer jogos sozinho. O primeiro jogo que fiz sozinho foi o Matryoshka. E confesso que tive uma certa dificuldade pela falta de um parceiro para trocar ideias. O jogo demorou para pegar ritmo.

Mais recentemente tenho desenvolvido jogos em colaboração com André Teruya, Rodrigo Rego, Jordy Adan, Robert Coelho, Igor Knop, Diego de Moraes, Maurício Gibrin e Guilherme Goulart.
São experiências muito ricas. Estou curtindo muito trabalhar com pessoas tão diferentes, que pensam de forma tão diferente. É muito rico tanto no campo criativo como nos processos de trabalho. Tem sido um grande aprendizado para mim.




Ludopedia: Entre tantos jogos publicados, cite alguns que ocupam um lugar especial no seu coração? Seja pela criação, pelo sucesso ou pela reação dos jogadores

Sergio Halaban: Uma vez eu ouvi o Rainer Knizia dizer que os jogos são como filhos, não dá para ter um preferido.
No meu caso tem alguns jogos que são verdadeiros marcos da minha trajetória. Já são mais de 50 jogos publicados em quase 30 anos de atividade.
Floresta Encantada, Quartz, Sheriff of Nottingham (Jogo da Fronteira), Formula E (Elephant Rally), Matryoshka... são alguns desses marcos.
Nos dois últimos anos tive muitos jogos lançados aqui no Brasil: Persona non Grata, Pisanki, Isso é meu!, O Bom, o Mau e o Bode, Chicago Dry e Fake Crystal(na França). Desses todos, confesso que tenho um carinho especial pelo O Bom, o Mau e o Bode. Embora cada um deles tenha uma história legal e todos me trouxeram ótimas experiências com o público.


Ludopedia: Como você vê a evolução do mercado brasileiro de jogos de tabuleiro desde que começou até hoje? E que conselhos você daria para autores brasileiros que estão começando agora e sonham em ter seus jogos publicados no Brasil e no exterior?

Sergio Halaban: A diferença é que quando eu comecei não existia e agora existe, hahaha!
Como comentei, quando comecei, para criação de jogos só existia o mercado de massa. Hoje tem um mercado de jogos moderno consolidado. Está aí o DOFF(Diversão Offline) para provar.
A Ludopedia também não existia. Quando queria pesquisar alguma coisa eu ia no BGG. Hoje a Ludopedia certamente tem muito mais usuários Brasileiros do que o BGG. Ou seja, temos o nosso BGG 

Sempre falo do prazer e do privilégio que tenho de acompanhar todo esse processo desde o início. Ver a coisa nascendo, tomando forma e chegar no tamanho que está hoje. É incrível.
Dar os primeiros passos como autor hoje deve ser muito mais complicado do que no final dos anos 90, quando a Sílvia, o André e eu começamos. Honestamente, não sei se eu entraria nessa aventura hoje. Provavelmente iria procurar outra forma de satisfazer a minha necessidade criativa. Mas para aqueles que querem mesmo se aventurar nesse mundo divertido embora complicado, meu conselho é que o façam pelo prazer da criação em si. Como um músico amador que compõe uma música. Sou criativo, gosto de música, toco um instrumento, tive uma inspiração. Manda bala, divirta-se. Curta o processo. Mostre para os amigos. Se daí acontecer mais alguma coisa, ótimo! Se não, tudo bem também. 


Ludopedia: E olhando para frente... O que podemos esperar do Halaban nos próximos anos? Tem novos jogos a caminho, projetos diferentes ou alguma vontade ainda não realizada?

Sergio Halaban: Sempre tem coisa acontecendo.
De concreto, tenho ainda alguns jogos que já foram anunciados e quem sabe saem logo: Lapidarius e o Quartz Kids, pela Grok.
Além desses, tenho quatro jogos assinados com editoras brasileiras que devem sair nos próximos anos e mais dois jogos assinados com editoras estrangeiras que também devem sair em algum momento.


Ludopedia: Gostaríamos de agradecer pela entrevista e por compartilhar um pouco da sua trajetória conosco. Para nós, da Ludopedia, foi um prazer imenso — e uma verdadeira honra — entregar este prêmio a você, que é um ícone do design de jogos no Brasil. Seu trabalho ajudou a moldar o mercado nacional e a inspirar tantos novos autores e jogadores. Como você se sente ao olhar para trás e perceber tudo o que construiu ao longo desses anos — jogos, colaborações, legados e conexões pelo mundo?

Sergio Halaban: Eu que agradeço a Ludopedia por essa oportunidade de contar um pouco da minha trajetória nos jogos. Agradeço muito a vocês pelo prêmio e pelo carinho.
Esta entrevista até me ajuda um pouco a olhar em perspectiva para minha trajetória e confesso que me sinto um pouco orgulhoso de tudo que construí ao longo desses quase 30 anos.
Uma vez mais quero parabenizar vocês: Emerson, Gama e Vegeta, pelo pioneirismo, pela dedicação e pela contribuição que vocês também dão para o crescimento e fortalecimentos do mercado de jogos modernos no Brasil.
Se hoje temos um mercado, isso se deve ao trabalho de muita gente e sem dúvida vocês tem um papel de destaque nessa construção.