Minha jornada rumo aos 1000 jogos: o que aprendi no caminho
Neste texto, vou compartilhar um pouco da minha jornada pelo universo dos board games e como cheguei à marca de 1000 jogos diferentes. Vou começar contando um pouco da minha trajetória, refletir sobre algumas questões que surgem nesse caminho e tentar responder à pergunta: “Será que vale a pena jogar tantos jogos diferentes?”. Por fim, vou deixar algumas dicas práticas para quem quer explorar muitos jogos sem se perder no caminho.
O início e criação de gosto
Jogo desde criança, lembro de jogar o jogo do Mico, pega vareta e jogo da vida com 5, 6 anos de idade. Um pouco mais velho tive contato com o cara a cara, perfil e War. Na adolescência conheci os jogos de aventura solo (da série Aventuras Fantásticas), joguei muito 3D&T (sistema de RPG brasileiro) e conheci o Magic, jogo que mais joguei na vida. Joguei Magic dos 12 aos 17 anos, do bloco de Invasão até o de Mirrodin. Então veio aquele momento de fim da adolescência, início da faculdade, e os jogos ficaram de lado.
De 2006 a 2014, os jogos ficaram completamente fora da minha vida. Foi só em 2014, durante um passeio por um shopping, que comprei um Scrabble (Palavras Cruzadas). No ano seguinte, em uma visita a uma rede de livrarias, me deparei com o jogo Star Wars: Império Vs. Rebelião e decidi levá-lo para casa. Esse jogo foi, digamos, minha porta de entrada para o mundo dos jogos modernos. Devido a minha falta de experiência, achei as regras bem complicadas e lembro de já ter recorrido a vídeos no YouTube para entender como se jogava.
Em agosto de 2016, comprei o amado e odiado Munchkin por R$ 120, valor que na época me pareceu uma pequena fortuna. Esse foi o ano em que oficialmente me tornei um "jogador de board games". Foi quando ampliei meu repertório, que até então, contando tudo o que havia jogado desde a infância, devia girar em torno de uns 50 jogos.
Voltando ao Munchkin, apesar de hoje reconhecer suas falhas de design e não sentir a menor vontade de jogá-lo novamente, nunca vou dizer a um iniciante que não o compre. Ele foi, de fato, o jogo que me fez querer explorar o universo dos board games. Claro que, depois de sete partidas, acabei enjoando e vendendo, mas o jogo cumpriu seu papel. Aliás, se você começou a jogar recentemente, aproveite ao máximo essa fase, porque no início cada jogo parece trazer algo único e especial. É um sentimento mágico que eu adoraria reviver.
Nessa época, eu não fazia ideia de onde comprar jogos além da rede de livrarias, então acabava comprando direto dos sites das editoras (algo que nunca mais fiz). Foi assim que adquiri títulos como o Senhor dos Anéis card game, Dungeon Roll, Elder Sign, Zombicide: Black Plague, Summoner Wars, Sushi Go, Bullfrogs, Patchwork, Ticket to Ride e Takenoko. Dá para notar que comecei com jogos mais temáticos, ligados a universos que eu gostava, como Star Wars e Senhor dos Anéis. Mas, com o tempo, fui descobrindo os euros, essa foi a grande virada.
Em 2016, comecei a jogar em Niterói, participando de um grupo em uma loja de card games e no evento The Meeple. Infelizmente, nenhum desses espaços existe mais atualmente. Foi jogando com esse grupo que conheci títulos como As Viagens de Marco Polo, Castles of Burgundy (que ainda estão entre meus favoritos), Power Grid e Scythe.
Jogando Terraforming Mars pela primeira vez em 2018 no The Meeple com cppires. Jogando Marco Polo em 2018 na Dice 'n'roll com Devillart, luiz braz e brito
2017 foi o ano em que mergulhei de cabeça nos board games. Conheci 180 jogos (um salto enorme comparado aos 42 do ano anterior). Foi quando descobri clássicos que adoro até hoje, como Stone Age, Terra Mystica, Five Tribes, Agricola, Puerto Rico, Clans of Caledonia, Lorenzo Il Magnifico e Trajan. Muitos deles continuam no meu top 10.
Claro, não vou detalhar ano a ano, a ideia é mostrar como fui desenvolvendo um gosto próprio, influenciado também pelas preferências do grupo com quem jogava, que era mais focado em euros. Se tivesse conhecido um grupo de fãs dos chamados "ameritrashs", talvez minha coleção e meus gostos fossem bem diferentes hoje.
Depois de 8 anos e 6 meses, em fevereiro de 2024, cheguei ao meu milésimo jogo. E reservei algo especial para a ocasião: o Castles of Burgundy Special Edition. Uma bela versão de um dos meus jogos favoritos há muitos anos.
Lacrimosa em 2023 com pedropp e Earth em 2024 no Tabuclub com mfox
E aí, valeu a pena todo esse tempo dedicado aos board games? E conhecer tantos jogos diferentes? A resposta é sim, e sim. Definitivamente, os board games se tornaram meu hobby favorito, superando até música, literatura e filmes. Eles me proporcionaram momentos incríveis e de qualidade. Muitas delas, infelizmente, já não fazem mais parte do meu dia a dia — quem tem um grupo de jogos sabe como é: um se muda, outro começa a trabalhar em um horário complicado, alguns perdem o interesse, e assim vai. Hoje guardo essas memórias, e as fotos que escolhi para acompanhar este texto me transportaram para alguns momentos.
A pessoa que mais me acompanhou nessa jornada foi minha esposa, que embarcou junto nesse mundo. Ela é, de longe, a pessoa com quem mais joguei (atualmente são 1701 partidas!). Quase todo fim de semana, reservamos uma tarde para jogar por algumas horas. Curiosamente, ela faz parte de um grupo de jogadores que, mesmo tendo experimentado muitos jogos, não têm perfil na Ludopedia nem consomem conteúdo sobre board games. Acabo sendo o elo entre os jogos e ela.
Reef com minha esposa (2024) e Imagem e ação com a família nas festas de fim de ano (2024)
Agora, sobre conhecer tantos jogos diferentes, é importante fazer algumas ressalvas. Diferente de outros hobbies, jogar board games exige uma dedicação maior (pelo menos na minha experiência). É claro que, para assistir a um filme ou ler um livro, você também precisa de algum conhecimento prévio e repertório, mas nenhum desses produtos culturais traz a barreira das regras. Aprender a jogar envolve tempo, paciência e persistência.
Acredito que aprendi cerca de 70% dos jogos que joguei. Pense bem: para aprender jogos como Campos de Arle e Tawantinsuyu, os últimos jogos pesados que entraram na minha coleção, dediquei umas 2 horas lendo os manuais, mais 2 horas destacando punch boards, montando setups, simulando rodadas, e mais 1 ou 2 horas vendo vídeos para garantir que tinha entendido tudo direito. No total, são pelo menos 6 horas só para aprender um jogo pesado. Fora o tempo anterior dedicado a ver vídeos para resolver sobre a compra do jogo.
Para jogos médios, o tempo cai para umas 3 horas, e para os mais leves, 1 hora ou menos, dependendo da complexidade. Claro que esse processo não é rígido, normalmente me dedico mais minuciosamente a aprender os jogos que entram na minha coleção. Ainda assim, aprender jogos demanda muita energia e tempo. E nem sempre isso pode ser recompensador. Afinal, o jogo pode simplesmente não se adequar ao seu gosto ou, após horas de dedicação, você pode acabar nunca mais jogando determinado jogo novamente. Para ter uma ideia, dos 1000 jogos que experimentei, cerca de 650 foram jogados apenas uma única vez.
Todos os jogos que joguei foram bons? Definitivamente não. Mas, no geral, acerto mais do que erro na escolha dos jogos. Aqui na Ludopedia, a maior parte das minhas avaliações fica entre 6 e 8 (788 de 1000). No mundo ideal, eu só dedicaria tempo a jogos que considero muito bons ou excelentes (notas 8 a 10), que somam 242 até hoje. Mas, para chegar a esses 242, precisei jogar os 1000.
Rumo aos 2000?
Sem dúvida, não pretendo repetir o ritmo dos últimos 8 anos e 6 meses, tempo que levei para chegar aos 1000 jogos. A ideia é cada vez mais repetir jogos. Com o tempo e a experiência, consegui definir bem o que gosto e o que não gosto, além de desenvolver um olhar mais apurado para prever quais jogos vão me agradar sem precisar jogá-los. Hoje os meus preferidos são os Euros Médios, já gostei muito de euros pesados mas atualmente me desgastam um pouco. Abstratos e jogos de cartas também estão sempre nas mesas.
Confesso que, a partir do jogo 900, acelerei um pouco e acabei jogando vários títulos medianos ou ruins, algo que não planejo fazer de novo. Prefiro dedicar meu tempo aos bons jogos. Claro, não vou abrir mão de conhecer novidades e vou esbarrar em alguns jogos ruins, mas a taxa de acerto será maior, pelo menos eu espero.
Se eu não tivesse acesso a mais nenhum jogo novo, já estaria muito satisfeito com o que joguei até hoje. Afinal, quantos jogos excelentes são lançados por ano? Será que não vale mais a pena esperar o tempo filtrar os melhores? Quando comecei a jogar, em 2016, Terra Mystica e Agricola já eram consagrados, e são jogos que eu jogo tranquilamente até hoje. Quais serão os títulos de 2025 que estarão nesse patamar daqui 5 ou 10 anos?
Dicas:
Para quem quer conhecer muitos jogos, aqui vão algumas dicas que aprendi ao longo do caminho:
1. Leia os manuais: A melhor forma de aprender jogos, na minha opinião, é através do bom e velho manual. Vídeos são ótimos para entender o fluxo do jogo e verificar se as regras foram bem compreendidas. Claro que já aprendi muitos jogos apenas vendo vídeos, especialmente antes de ir a uma luderia (onde não vale a pena gastar tempo lendo o manual), mas certamente não é a mesma coisa.
2. Frequente luderias: É uma ótima forma de experimentar jogos sem precisar comprá-los. E, como todos sabem, os preços dos jogos estão bem salgados atualmente.
3. Cultive um ambiente agradável durante os jogos: Não jogue apenas para ganhar. Essa é a melhor forma de garantir que as pessoas queiram jogar com você de novo. Confesso que, depois de anos jogando, só saio de casa ou convido alguém para jogar se sei que a experiência será agradável. No começo, eu topava jogar com qualquer pessoa, e acabei jogando com muita gente chata.
4. Divida a tarefa de aprender regras: Não precisa ser só você quem aprende as regras. Compartilhe essa responsabilidade com o grupo.
5. Treine o inglês: grande parte dos manuais está disponível em inglês, assim, as possibilidades de aprender jogos tornam-se muito maiores. Seu inglês não precisa ser perfeito, mas precisa ser funcional. A boa notícia é que o inglês dos manuais é bem padronizado em termos de vocabulário, o que facilita bastante. Depois de ler alguns, você pega o jeito.
6. Use sites como o Board Game Arena: Atualmente, o site tem tutoriais que facilitam muito a vida do jogador (embora muitos estejam em inglês). Além disso, é uma ótima forma de jogar sem gastar.
7. Experimente programas como o Tabletop Simulator: Há uma infinidade de jogos disponíveis, muitos dos quais ainda não chegaram ao Brasil. Essa é outra forma barata de jogar. Para essa dica, o inglês é essencial. Também vale a pena explorar aplicativos de jogos, muitos são gratuitos.
8. Evite ficar por dentro de todos os hypes e compre apenas jogos que você pretende jogar muitas vezes: é uma forma de prevenir frustrações e gastos desnecessários (evitando a famosa Lukitada). Atualmente, tenho 52 jogos, metade dos quais são de caixa pequena. Uma coleção que considero modesta. Não é preciso gastar muito para jogar. Colecionar e jogar, na minha visão, são hobbies diferentes.
9. Mantenha sua coleção em movimento: venda jogos que não te agradam mais para dar espaço a novos. Tenho uma estante com quatro prateleiras, que é o limite que defini para minha coleção. Quando ela fica cheia, avalio quais jogos não estão mais me interessando e os vendo, liberando espaço para novos títulos. Também evite gastar dinheiro com expansões e acessórios desnecessários: A menos que seja para jogos que você já jogou muito ou que estão entre seus favoritos. Isso inclui sleeves para jogos que não exigem muito embaralhamento.
10. Seja eclético: explore diferentes tipos e estilos de jogos. Ser eclético amplia sua experiência e ajuda a descobrir mecânicas e temas que você nem imaginaria que gostaria. É claro que não é necessário jogar tudo, por exemplo, eu fujo de jogos muito longos, ameritrashs, war games e party games, com algumas exceções.
11. Jogue solo: além de ser uma excelente maneira de experimentar jogos novos sem depender de ninguém, permite que você explore as regras e estratégias no seu próprio ritmo.
Alguns dados e estatísticas:
Para fechar, aqui estão alguns números desses 8 anos de hobby (não tirei essas informações da memória; desde o início, uso o BG Stats para registrar as partidas):
- Partidas: 4436
- Distribuição de jogadores: 47% das partidas foram em 2 jogadores, 25% solo (contando partidas contra IA de apps), 12% em 4 jogadores, 9% em 3 e 7% em outras contagens.
- Índice H: 34 (joguei pelo menos 34 jogos 34 vezes).
- Jogos jogados: 1001.
- Coleção: Tenho 52 jogos. Tive 140.
- Valor gasto em jogos e expansões: 11.741 reais (sim, tenho uma planilha! Subtraí dos gastos o valor que retornou através das vendas que fiz).
Top 10 jogos com mais partidas:
1. Magic: 207 (graças ao Magic Arena durante a pandemia, mas com certeza já joguei mais de 2000 partidas, desde a adolescência).
2. Optimus: 194.
3. Exploradores: 130.
4. Terraforming Mars: 113.
5. As Viagens de Marco Polo: 96.
6. Tokaido: 83.
7. Terra Mystica: 77.
8. Sentinelas do Multiverso: 63.
9. Carcassonne: 62.
10. Castles of Burgundy: 60.
Top 10 jogos preferidos (atualmente):
1. Ark Nova.
2. Terraforming Mars.
3. Castles of Burgundy.
4. As Viagens de Marco Polo.
5. Trajan.
6. Earth.
7. Um Banquete a Odin.
8. Campos de Arle.
9. Cidades Submersas.
10. Revive.
Essa foi a minha jornada até alcançar os 1000 jogos! Estou reativando o canal depois de um bom tempo parado. Há alguns anos, publiquei diversas análises de jogos, se tiver interesse, os textos estão disponíveis aqui.
Como está a sua “jornada” no mundo dos board games? Tem alguma discordância ou opinião diferente? Deixe nos comentários.