rsasdelli::Fiquei feliz que respondeu também!
Eu vi que ninguém mandou mais nada depois de mim, achei que eu tinha matado o assunto pq, sei lá, pessoal ia ficar encabulado de falar mal da Galápagos. Hahahah
E fique à vontade pra me escrever em privado pra trocar uma ideia! Obviamente por aqui rola muita especulação, e longe de mim achar que sei a verdade absoluta do que acontece, mas posso te ajudar a enxergar um pouco o outro lado pra criar uns textos mais 'amplos'. 
Vou dar meus pitacos sobre algumas outras coisas que você falou.
Caro Renato (
rsasdelli)
Rapaz é muito bom poder conversar numa boa com pessoas que tem um ponto de vista diferente, de forma amistosa e respeitosa, especialmente que atualmente, qualquer divergência aqui no Ludopedia já é motivo para chegar "às vias de fato online".
Eu respeito muito a sua opinião, não apenas como meu semelhante, mas também como alguém que sabe do que está falando, por ter atuado profissionalmente na indústria dos board games. Apenas não reproduzi todo o seu comentário, por questão de espaço mesmo, mas li tudo com cuidado e gostaria de fazer algumas ponderações.
Quando eu digo, e acredito que boa parte das pessoas pensa assim, que repor um material produzido com erro de um board game é algo que dá para fazer e que indo além, as editoras têm a obrigação de fazer, ninguém ignora que mesmo sedo possível isso não será fácil nem barato.
O problema é que se formos levar as dificuldades logísticas e o custo que uma editora tem para reparar um erro, pelo qual ela foi responsável, como um impeditivo para a reposição, o resultado prático é que nenhum jogo com erros seria consertado. Eu tenho certeza que quase ninguém, nem você e muito menos eu, achamos que está correto uma empresa vender um produto caro, com defeito, e deixar por isso mesmo, porque é caro e complicado de consertar. Isso só acontece no mercado de board games e em nenhum mais, pelo mesmo até onde eu sei. O exemplo apesar de batido, mas ainda muito válido, é que ninguém compraria uma camisa, chegaria em casa e descobrisse que ela está manchada ou rasgada, e ficaria com ela assim mesmo, só porque a mancha ou o rasgo não o impede de vesti-la e utilizá-la (o equivalente ao "não afeta a jogabilidade"). Do mesmo modo, nenhuma empresa séria vai lançar um produto com defeito, descobrir que o defeito e continuar a vender, na esperança de que as pessoas resolvam ficar com ele assim mesmo, por conta da dor de cabeça para trocar ou pedir o dinheiro de volta. Só que é exatamente esse tipo de postura aviltante, que se vê no que a Galápagos faz hoje, especialmente com os jogos mofados. Qualquer empresa minimamente séria interromperia a venda e faria o recall. Isso é o tipo de compromisso com o cliente e comportamento ético que se espera de uma empresa, e a própria Galápagos já fez alardeou que essa é a sua política aos quatro cantos, para na realidade fazer exatamente o contrário.
Outra questão importante é que a possibilidade de lidar com erros e a necessidade de consertá-los, quando eles eventualmente acontecem, é aquilo que a lei chama de "risco da atividade comercial", que efetivamente não pode ser transferido para os consumidores, mas que é o que as grandes editoras nacionais de jogos mais fazem. E nem sou apenas eu quem está dizendo isso, são os milhares de tópicos e comentários sobre jogos com defeito e a dificuldade de resolver o problema escritos quase que diariamente aqui no Ludopedia. Portanto, da mesma forma que uma editora de jogos tem de lidar com o risco de apostar e investir em um jogo e ele ser um fracasso, ela também tem de lidar com o risco de lançar um jogo com defeito e ter de comprometer boa parte do lucro para consertar o erro que cometeu. E um exemplo de que isso é possível foi o caso da Grok com o Ark Nova, que está sendo consertado, pelo menos até onde eu sei. E nesse aspecto não dá para deixar de considerar a diferença de tamanho entre aas duas editoras. Como a Grok é bem menor que a Galápagos e lança muito menos jogos, evidentemente ela não pode se dar ao luxo de se queimar perante a comunidade, porque isso pode inclusive acarretar o seu fechamento. Quem tem mais tempo de hobby vai se lembrar do fiasco do Tsukiji da RedBox (atual Buró) que destruiu a reputação da editora (quem quiser saber mais é pesquisar na ficha do jogo), o que, juntamente com os prejuízos do lançamento do RPG D&D 5ª Edição, foi fundamental para a sua absorção pela Bureau de Juegos, e surgimento da Buró. Por outra lado, uma editora que detém a quase totalidade do mercado nacional de jogos como a Galápagos já não tem esse tipo de receio, porque é ela quem lança a grande maioria dos jogos, e principalmente os jogos com mais hype e que todo mundo quer. Assim sob muitos aspectos dá para dizer que o mercado nacional de jogos é a Galápagos, praticamente, e isso confere um grau de impunidade muito confortável para a editora. Por mais que se seja fã da Galápagos, essa é uma realidade que não dá para ignorar. Isso é algo mais ou menos como a Coca-Cola que detém uma parcela tao grande do mercado que pode vender seu produto muito mais caro e nas condições que ela quiser, porque quase todo mundo toma muitíssimo mais Coca-Cola do que outros refrigerantes.
Além disso há outro fator importantíssimo a se considerar em relação à reposição dos jogos com defeito. Existe um motivo para as empresas investirem tanto em controle de qualidade. Elas não fazem isso porque são boazinhas, e se preocupam com o consumidor. Elas fazem isso, porque errar em um produto tem um custo muito alto para consertar, e por isso elas tentam se esforçar ao máximo elevado à décima potência para não errarem. Por isso o controle de qualidade é tão valorizado e utilizam protocolos do mais alto nível. É muito mais barato investir em controle de qualidade do que consertar um produto defeituoso, e gerenciar e minimizar os danos à reputação da empresa. A questão é que isso só ocorre se o público consumidor for exigente e não aceitar produtos com defeito, optando pela concorrência. Como no mercado dos board games não há concorrência, porque cada jogo é um produto único em si mesmo, e o público consumidor, em sua maioria, aceita qualquer absurdo, só para ter aquele jogo e nenhum outro, as editoras nacionais de jogos não se sentem nem um pouco compelidas a investir um tostão que seja, em controle de qualidade. Para quem não acredita nisso basta acompanhar o que cotidianamente acontece no mercado nacional de jogos em especial com os lançamentos. Quando um jogo é lançado com erro, no dia seguinte ao início da venda (às vezes no mesmo dia), aparecem tópicos de compradores apontando esses erros. Se isso é feito por consumidores que não ganham para isso, e com toda essa rapidez, fica difícil imaginar que esse tipo de controle não possa ser feito por um profissional contratado e talvez com melhor desempenho. Imaginar que ninguém da Galápagos viu o caso da caixa da eNpansão Proferia dos Reis é duro de acreditar. E o pior é que em momento algum a editora veio a público ao menos se desculpar com a comunidade, preferiu deixar para lá e segue o baile. Assim sendo, a única coisa eu justifica os erros e a falta de compromisso das editoras nacionais, com qualquer tipo de controle de qualidade, é a certeza de que, salvo algumas exceções, normalmente elas saem ilesas desse tipo de erro.
No caso das tiragens, eu compreendo o que você disse e realmente concordo que é um risco apostar em aumentar a tiragens quando o mercado mal absorve as tiragens que já são produzidas atualmente. Também entendo quando você diz que a explosão de jogos fez com que as pessoas tivessem tantas opções que dificulta bastante investir em um único jogo. O problema é que são as próprias editoras, em especial a Galápagos, as principais responsáveis por incentivar esse tipo de comportamento. São as editoras e ninguém mais as principais promovedoras do HYPE e do FOMO, e ninguém mais. Do mesmo modo, são as próprias as editoras as principais responsáveis por determinar e estabelecer essa lógica de "consumo baseado na exclusão", que torna os jogos cada vez mais caros e cada vez mais proibitivos. Certamente é muito mais confortável, pelo menos a curto prazo, produzir menos e vender mais caro, o que tem tudo a vem com a redução das tiragens dos jogos, que já não era "grandes coisas" para princípio de conversa. Só que, pelo menos da forma que eu vejo, essa é uma estratégia muito perigosa e até meio suicida. Isso porque um mercado que não cresce de forma sustentável, é um mercado frágil, suscetível a todo o tipo de imprevisto externo. Hoje o que eu vejo não é o mercado de jogos crescendo, mas sim tendo o público consumidor antigo sendo substituído pelo público consumidor recém chegado. Para todo o lado que eu vejo eu encontro gente dizendo que está preocupado em enxugar a coleção, manter apenas o jogos que curte e reduzindo drasticamente a quantidade de jogos comprados por ano. Em contrapartida, os novos compradores se deparam com esse tipo de comportamento e também começam a serem influenciados por isso e a pensar a respeito. Pode ser que esteja errado, mas não vejo atualmente pessoas querendo ter coleções com mais de 200 títulos como era muito comum no final da década de 2010. Por isso, é possível que essa redução das tiragens tenha a ver com o fato de que é muito difícil manter saudável, um mercado que a cada ano aumenta a quantidade de títulos lançados, e que a cada ano encontra mais dificuldade em escoar toda a produção.
A conta é simples: se o mercado absorve 10.000 unidades de todos os jogos, quando se lança 10 jogos por ano, a triagem saudável é de 1.000 unidades por jogos. Mas quando essa quantidade de jogos lançados sobre para 20 por ano, para manter aquele "número mágico" de 10.000 unidades absorvidas é necessário reduzir a tiragem de cada jogo de 1.000 para 500. Para conseguir manter a mesma tiragem de cada jogo, combinado com o aumento de jogos lançados por ano é preciso aumentar o mercado de modo que ele agora absorva 20.000 unidades ao invés das 10.000 unidades que absorvia antes. Só que ninguém consegue aumentar o mercado consumidor aumentado o preço dos jogos. O efeito nesse caso é justamente o contrário, ou seja, tornar o mercado cada vez mais restritivo e excludente. E seguindo por esse caminho tão perigoso, é possível que no futuro o mercado nacional de jogos se torne tão pequeno, que na prática será como sele tiver acabado, ou retornar para aqueles tempos pré-2010, onde board game era coisa de meia dúzia de excêntricos. Outro caminho talvez mais provável é que o mercado de board games acabe se dividindo em dois, ou seja, um será o mercado dos party games e jogos familiares mais simples e mais baratos, que continuarão a vender muito bem, e o outro mercado será dos demais jogos em que qualquer board game de médio para cima custará quatro dígitos, que só atenderá uma clientela pequena e muito endinheirada.
A única forma de reverter isso, que eu vejo, é dar uma guinada de 180º graus e passar a investir em aumento das tiragens e consequente redução de preços, para ganhar mais no maior volume de vendas. Claro que isso não dá para fazer "da noite para o dia" e com todos os produtos da empresa. Mas da para fazer com alguns e ir aumentando e ampliando essa política paulatinamente. O problema é que isso implica em uma mudança profunda na filosofia empresarial da editora, e isso eu acho que as editoras não estão dispostas a fazer, salvo talvez a Papergames, que nos últimos jogos tem investido em jogos mais baratos e mais simples. EU sinceramente acho que o futuro é por aí.
Por fim, mais uma vez digo que foi um prazer, e muito enriquecedor, trocar uma ideia consigo, pelo que sou muito grato.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. A Galápagos é a Coca-Cola do mercado nacional de jogos, e não no bom sentido...