adolfocaetano::Vou dar meu naco de opinião nesse atoleiro.
Antes de começar,vou contextualizar que vos fala: sou um dentista de meia idade (52, atualmente), apaixonado e graduado em história, com mestrado na área não concluído.
E dito isso, afirmo que não tenho lugar de fala por ser historiador de formação (mas não profissão); tenho lugar de fala por ser uma pessoam que procura sempre tentar compreender como tal contexto ou fato pode ter acontecido; e isso é algo que todos tem,basta ter bom senso e vontade de aprender e compreeder.
O que vejo é uma certa celeuma quando o assunto é escravidão africana. Fica fácil criticar isso pela proximidade histórica, a quantidade de pessoas envolvidas e a duração do tráfico transatlântico (como se chama o tráfico de escravos dentro dos meios acadêmicos). Então quando um jogo tem o pano de fundo da escavidão no Brasil fica fácil enxergar (e, para alguns, jogar pedra). Compreendo o sentimento das pessoas, pois tenho a mesma hojeriza com allguns assuntos abordados na cultura pop, como em tabuleiros, games, filmes e séries: um exemplo é consumo de drogas e romantização de criminosos, como em Breaking Bad e Narcos.
Contudo, fica fácil apontar a escravidão "escondida" em Puerto Rico. O mesmo. mas o mesmo não se pode dizer quando o assunto são jogos 18XX. Esses jogos tratam basicamente da Segunda Revolução industrial, onde magnatas e industriais, praticamente tinham seus planejamentos garantidos pela força estatal. Crianças trabalhavam em situação de quase servidão, 12, 14 horas por dias; não existia aposentadoria ou seguridade social; se o trabalhador se ferisse ou quando ficava velho, ficava desamparado. O Imperialismo ou Neocolonialismo sobre a África e a Ásia dentro do período dos jogos 18XX. Durante o século XIX ocorreram diversas revoltas proletárias na Europa, sendo a mais famosa a Comuna de Paris. Todas foram abafadas com tropas dos exércitos nacionais. Não vejo ninhuém indignado com jogos dessa categoria, ou com o Ticket to Ride, pois as ferrovias deslocou muitos grupos indígencas de seus locais de origem.
Nenhum jogo envolvendo períodos de guerra podem ser separados das mazelas que provocaram. Jogos envolvendo impérios da Antiguidade não podem ser separados da escravidão envolvida (a economia romana era totalmente dependente da escravidão).
Então devemos jogar somente jogos envolvendo ficção científica e fantasia? Não! Devemos ter consciência histórica, que é compreender o que e porque aconteceu algo em determinado período retratado em determinado jogo. Ou seja, quem critica escravidão e "suposto racismo" em quem joga Puerto Rico deve começar a olhar seus jogos com outros olhos. Cuidado para não ter um jogo que faz apologia à exploração infantil ou ao massacre de civis. Bastanto estudar um pouco, você separa o joio do trigo e compreende o que os jogos retratam nas entrelinhas. Você não será um apologeta de algo abom,inável por jogar o jogo de que tanto gosta; será uma pessoa consciente. Não gosta do tema? Perfeito, não jogue e explique. Se quem convidou chiar, significa que ele precisa estudar também, até para não ficar acreditando em contos da carochina de políticos e bobagens de algum youtuber debilóide ou safado.
A critica é aos dois lados, quem critica o Puerto Rico e quem critica o crítico (puta trem confuso...). E o problema se aprounda quando vemos que história é uma matéria totalmente negligenciada pelo estado brasileiro, e a depender da cor da bandeirinha do governo de plantão, elege-se o quem é bandido na história e o que é bonito (tem um amigo por aí que falou que é professor, e ele sabe exatamento do que eu estou falando).
Pronto esse foi meu pitaco, um tanto longo.
Mais um dia e boas joagatinas a todos.
Caro
adolfocaetano
Você tem toda a razão.
Uma coisa que eu vejo sobrar aqui no Ludopedia é o "argumento da autoridade", que, para quem não se recorda muito bem das aulas de filosofia, é aquele argumento, cuja força provém quase que exclusivamente das credenciais da pessoa que o proferiu, e não dos fundamentos do próprio argumento. É algo como "eu sou geógrafo, portanto se eu disser que a terra é plana, logo ela é, porque sou que estou dizendo e eu sou geógrafo". Dito isso, obviamente discutir o contexto de jogos como Puerto Rico, Food Chain Magnate, High Frontier ou Hegemony, depende muito mais daquilo que o sujeito está defendendo, do que do seu currículo como historiador, administrador de empresas, astrônomo ou sociólogo. Claro que uma formação na área ajuda bastante, mas não é de forma alguma o único fator a se considerar, no argumento de alguém.
Além disso, como eu disse e repito, nós seres humanos temos uma capacidade quase infinita de nos indignarmos e sermos muito combativos com algo que nos afeta, ou que julgamos ser uma questão fundamental, e sermos bem mais lenientes com outra questão que não nos afeta tão fortemente, ou que não nos é tão cara. Você citou a exploração e a miséria subjacente em jogos como 18xx e Ticket to Ride, e nesse sentido poderia ter ido além, e citado o tão respeitado e incensado Brass: Birmingham, que está no mesmo balaio. Qualquer pessoa que tenha lido os fundamentais "Germinal" de Émile Zola e "Os Miseráveis" de Victor Hugo, livros obrigatórios para quem quiser entender como viviam as classes mais pobres na Europa do séc. XIX (na minha opinião, diferentemente de jogos de tabuleiro, alguns livros são realmente obrigatórios), qualquer um que tenha lido esses livros tem ao menos uma noção das condições abjetas e desumanas, a que as pessoas eram obrigadas a se submeterem para não morrerem de fome, literalmente.
E isso também se aplica à própria visão que eu adoto e defendo quando jogo Puerto Rico. Eu me coloco na situação de um grande latifundiário com trabalhadores assalariados, mas explorados ao extremo, e tenho plena consciência disso. Mas essa foi, mesmo que infelizmente, a forma que eu encontrei para poder jogar Puerto Rico, que é um jogo que eu adoro, e que de outra forma eu não poderia jogar. Mais uma vez, na minha humilde opinião (porque hoje, ante a intolerância que impera no mundo e especialmente na internet, nós temos de fazer essa ressalva quase que a cada pensamento que expressamos), eu entendo que por mais aviltantes e absurdas que pudessem ser as condições de trabalho do empregados europeus do séc. XIX, ainda assim elas estavam em um degrau acima da condição de escravizado. Basta pensar que um trabalhador assalariado era tratado COMO SE FOSSE um coisa, ou apenas uma peça de reposição, mas o escravizado ERA EFETIVAMENTE UMA COISA. Por mais que a lei permitisse que se pagasse um salário de fome para os assalariados, e impor-lhes uma jornada de trabalho desumana, um patrão não poderia impor castigo físicos (pelo menos do ponto de vista legal, e talvez quem sabe em condições excepcionalíssimas, embora eu não me recorde de nenhuma), e nem tinha o poder de vida e morte sobre seus empregados. Isso para mim faz toda a diferença. É por isso também que eu entendo ser perfeitamente possível alguém jogar um board game sobre a 2ª Guerra Mundial do lado dos exércitos do Eixo, como é o caso do Axis & Allies, mesmo que elas fossem o sustentáculo de algo tão execrável, maligno e abominável, como o nazismo, porque obviamente apenas uma pequena minoria dentro da Wehrmacht, era nazista. Já jogar um board game interpretando o papel de um diretor de campo de concentração/extermínio, para mim é totalmente inaceitável, independente de qualquer "justificativa pseudo-histórica", que alguma mente distorcida possa dar.
Assim sendo, do meu ponto de vista exclusivo, eu realmente acredito que é muito menos grave jogar um board game interpretando o papel de um industrial incapaz de empatia com um trabalhador ou de um latifundiário explorador incapaz de empatia com um campesino, mesmo que essas situações não sejam as ideais, muito pelo contrário, do que jogar um jogo como um senhor de escravos. Agora, essa é a minha régua, que evidentemente só se aplica a mim mesmo, e possivelmente deve ter gente que discorde de mim, e que não veja a diferença que eu vejo, entre a exploração de um trabalhador miserável europeu do século XIX e a exploração de um escravizado, por mais evidente e astronômica que seja essa diferença para mim, e que eu vou defender até o último fôlego.
Da mesma forma, quando estou jogando, eu realmente me concentro no jogo e tento entrar no personagem, por isso, para mim, essa questão de jogar jogos com temas sensíveis seja tão problemático. Por outro lado, eu sei que tem pessoas que quase não ligam para isso. Por isso e nesse sentido eu entendo, embora discorde veementemente de quem diz que é só papelão. Para quem pensa assim pode até ser, mas para mim não é. Só que nesse mundo, nem todo mundo vive sob os mesmos princípios e pela mesma ótica. Tem gente que se importa, tem gente que se importa demais e quem se importa de menos, com inúmeras questões. E nesse aspecto tudo o que podemos fazer é divergir, e lamentar desde que respeitosamente.
Um forte abraço e boas jogatinas natalinas!
Iuri Buscácio