"O antigo e temível Império de Ás foi internamente derrubado pelas forças insurgentes. Todavia, duas forças políticas ainda se opõem radicalmente: enquanto os temíveis Vermelhos proclamaram Copas a nova Capital de Ás, os ferozes Pretos declararam Espadas como a nova Capital. Agora, ambos os lados devem recrutar aliados e organizar o seu front de batalha para tentar vencer a inafastável guerra que se avizinha".
Diário de Design
Desde que adentrei no universo dos jogos de tabuleiro modernos, e isso já faz alguns bons anos, sempre pensei em criar meus próprios jogos de tabuleiro. Claro que, diante de todos os desafios que isso impõe, inclusive, o da necessidade de tempo livre para tanto, eu tive que me contentar em colocar em prática apenas algumas ideias de jogos simples, quase sempre party e family games, quando não voltados ao universo infantil, pois desenvolvidos tendo a minha filhinha de 6 anos como principal público-alvo e game tester. Apesar das limitações, o resultado disso tudo foi a experiência de um processo bem divertido de desenvolvimento de alguns pequenos jogos que viram bastante mesa aqui em casa, como "Carlitinho", "Quem comeu meus doces?", "Por favor, salve meu jogo!" e "Arquitetos de Pirâmides", mas que nunca tiveram ou buscaram novos ares/lares.
No ano de 2020, no auge da pandemia de Covid-19 e da desolação humanitária que seguiu-se no mundo, o amigos da
Sociedade dos Boards tiveram a grata ideia de organizar um concurso de
game design para desenvolvimento de jogos de componentes simples, de modo que fosse possível de serem jogados e julgados sem a necessidade de envio de protótipos, mas que as pessoas pudessem jogá-los fisicamente com os materiais que já tivessem nas suas próprias casas. Para tanto, naquela primeira edição, as regras limitaram os componentes utilizáveis a 1 baralho de cartas, 2 dados de 6 lados, papel e lápis. Empolgados com a iniciativa, eu e minha esposa, Monique Brito, criamos "
Capital de Ás", um
deck building com alocação de dados, batalha de cartas e pouca sorte envolvida, inspirados por um clássico que amamos,
Spellfire: O Poder da Magia. Naqueles tempos obscuros, a iniciativa serviu-nos de alento nos dias de isolamento e proporcionou muitas horas de diversão, despendidas entre a criação do jogo, o balanceamento das regras e a redação do manual.
O chamado "
Desafio dos Boards" foi um sucesso e reuniu nada menos do que 19 jogos concorrentes. Todos os participantes foram incluídos num grupo de WhatsApp, onde foram trocadas muitas ideias e experiências sobre
game design. Ao final, após a proclamação dos vencedores daquela edição do concurso, todos os participantes receberam certificados de participação. Além disso, a Sociedade dos Boards ainda lançou um
e-book, contando os detalhes do processo de produção do concurso e incorporando os manuais de regras dos 19 jogos participantes. Apesar de não termos ficado dentre os primeiros colocados, ficamos muito felizes com a experiência de desenvolver um jogo do zero e também por completar o nosso objetivo, que era o de participar do concurso com um jogo de nossa própria autoria. No ano seguinte, 2021, a
Sociedade dos Boards repetiu o desafio e também participamos com um novo jogo, chamado "
Volta às 4 Torres", que pretendo falar mais sobre em breve, porém, noutro
post.
Na minha opinião, o aspecto mais legal do concurso foi o de propor a criação de jogos de tabuleiro modernos de forma ainda mais simples que as de um
print and play, já que não é necessário imprimir e/ou construir elementos complicados: basta possuir os componentes, sempre bastante comuns, e uma cópia digital do manual para poder testá-los em casa. Infelizmente, só tivemos essas duas edições do Desafio dos Boards, que deixou muitas saudades. De todo modo, rendeu-nos dois jogos autorais completos e o objetivo do presente texto é o de falar um pouco mais sobre o primeiro deles, "
Capital de Ás". Como comentei anteriormente, trata-se de um pequeno jogo de batalhas guiadas por cartas, competitivo, para 2 jogadores, que pode ser jogado a partir dos 12 anos e com tempo de partida estimado em 45 minutos. O objetivo do jogo é o de destruir a Capital rival e proclamar a sua como a nova Capital do Império de Ás.
Para se jogar Capital de Ás basta
baixar o manual e possuir 01 baralho comum de 54 cartas e 02 dados de 6 lados, como comentei antes. Opcionalmente, você pode também utilizar papel e caneta, mas apenas para anotar as pontuações das batalhas, se julgar necessário. Apesar de ser um jogo de cartas e com tema bastante sutil,
Capital de Ás foi livremente inspirado na fantasia medieval, tal como aparece em alguns clássicos, como
Spellfire: O Poder da Magia e
Magic: The Gathering, nos quais os jogadores representam facções em guerra, devendo fazer as melhores escolhas estratégicas para derrotar o oponente. Além desses, inspirou-nos bastante Lewis Carroll e o seu clássico da literatura
"Alice no País das Maravilhas", principalmente, através do uso do baralho de cartas para representar as cortes e os exércitos que, eventualmente, entram em conflito.
Nas fotos, utilizamos o baralho Alice no País das Maravilhas da Copag, lançado juntamente com a versão live action do filme da Disney.
Desde o início, em relação à estrutura de Capital de Ás, a ideia principal para o seu desenvolvimento era a de criarmos um jogo de batalha de cartas, inspirado nos clássicos acima citados, Spellfire principalmente - nosso predileto! -, mas que diminuísse tanto o fator sorte quanto o desequilíbrio decorrente do uso de baralhos diferentes, características tão próprias dos trading card games, valorizando, por outro lado, a estratégia e a capacidade de planejamento dos jogadores, ao incorporar mecânicas mais atuais dos card games e dos jogos de tabuleiro modernos em geral, como o deck building e a alocação de dados. Também incorporamos a possibilidade de diversas representações para uma mesma carta, já que, além de representar nobres, exércitos ou cidades, as cartas também contam como as moedas do jogo, ao serem descartadas da mão para os acampamentos, que são os descartes individuais de cada jogador.
Capital de Ás é jogado através de turnos, nos quais os jogadores se revezam até que ocorra o fim da partida. No seu turno, a partir do jogador inicial, cada jogador deve seguir obrigatoriamente as seguintes fases, conforme a ordem exposta: sacar cartas, rolar os dados, realizar ações e, enfim, descartar cartas. Dentre as ações possíveis, pode-se forjar alianças com outras Cidades, engajar as forças no front de batalha, atacar a Capital adversária, enviar um batedor para imitar as ações do adversário, recrutar novas forças ou renovar a lista de possíveis recrutamentos. O jogo acaba assim que a Capital de um dos jogadores for destruída. Assim, uma das duas Capitais em disputa vence a guerra e é declarada a nova Capital do Império de Às.

O jogo prima pelo planejamento, ao exigir uma boa gestão dos recursos e das forças que irão compor o seu deck. Além disso, como em algumas batalhas medievais, a organização prévia do campo de batalha é essencial. As batalhas, por sua vez, são resolvidas não apenas com a soma dos poderes de cada uma das cartas escolhidas, mas também com os diferentes efeitos das Cartas da Corte - Rei, Rainha, Príncipe e Bobo da Corte - e as combinações diversas das Cartas de Guarda, que podem dar origem à ataques específicos, como o 'Ataque pelos Flancos' e a 'Formação de Coluna', por exemplo, que potencializam a pontuação e costumam definir o vencedor de cada um dos embates.
Quanto à experiência, posso dizer apenas que a de participar do concurso e desenvolver o jogo foi bem gratificante e que, mesmo após alguns anos, foi uma boa surpresa revisitá-lo e jogar algumas partidas, por isso a motivação de escrever o presente texto. Acredito que o diferencial de Capital de Ás, para além dos componentes simples e das possibilidades estratégicas, seja a combinação de algumas mecânicas difíceis de serem vistas em jogos de baralho ou mesmo em jogos de batalhas com cartas, como o deck building e a alocação de dados. Porém, quanto à experiência de jogar Capital de Ás, deixo para que eventuais corajosos aventureiros deixem por aqui suas impressões. Enfim, se você chegou até aqui, lendo um texto sobre o protótipo de jogo independente sem muitas pretensões, só tenho a agradecer! Quem sabe, ele até veja mesa por aí e propicie uma experiência leve e lúdica: o objetivo sempre foi (e será) esse.
Abraços!
Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Imagens
Acervo pessoal.