Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Futuropia é um jogo de tabuleiro de Friedemann Friese para 1 a 4 jogadores e lançado no ano de 2018. Eis um jogo econômico com perceptível influência de Power Grid, porém, como uma continuidade temática e estrutural, tal como se Friese tivesse imaginado e proposto, num novo jogo, soluções políticas e ecológicas aos problemas de gestão energética e ambiental abordados no seu clássico anterior.
Aqui, até a aparente falta de dificuldade na gestão de recursos, tão presente em Power Grid, é uma proposição temática: em Futuropia, a racionalidade não está mais adstrita ao lucro, mas ao bem-estar das pessoas - e dos jogadores. Trata-se de criar um ambiente favorável e aproveitar todas as possibilidades que a vida - e o jogo - tem a oferecer. Neste zeitgeist, vence a partida aquele que apresentar uma proposta de comunidade mais desenvolvida e autossustentável.
Em Futuropia, a tecnologia está a favor da comunidade de modo indistinto e não o contrário. Como os bens de produção, geradores e robôs, são coletivos e satisfazem as necessidades básicas alimentares e energéticas da coletividade, arrefece-se o individualismo utilitário e egoísta e potencializa-se a igualdade material, a justiça social e a alocação justa de todo o trabalho que ainda é necessário.
Sob as bênçãos de Cronos, o resultado desse processo de racionalização da produção e do trabalho social é que o desemprego deixa de ser um problema e passa a ser o objetivo. O resultado é mais tempo livre para o idílio de todos: cultivar, criar, compor, aprender, jogar, construir, debater, tocar, ensinar, conhecer, assistir, praticar, encenar, trabalhar ainda mais ou exercer o sagrado direito à preguiça, como bem proclamara Lefargue (2003), depende apenas de escolhas individuais.
Em seu turno, o jogador seleciona dentre 5 ações possíveis e resolve os efeitos, que se dão basicamente com a gestão dos recursos produzidos. No final, ganha quem tiver a comunidade mais desenvolvida e autossustentável.
Em Futuropia, é possível adquirir um gerador de comida e produzir comida em seguida; comprar um gerador de energia e produzir energia em sequência; convidar mais pessoas para morar no condomínio e alimentar a todos; pegar um subsídio público; e pedir empréstimos quando não há dinheiro o suficiente para fazer qualquer uma das ações. Quando algum dos condomínios reunir mais que 25 pessoas ou quando se esgotar a pilha dos geradores de comida ou de energia, a fase final é acionada. Terminada a rodada final, vence o jogador que reuniu o maior número de pontos de vitória, construindo o mais desenvolvido e autossustentável dos condomínios.

Friese é um dos poucos designers que insistem em falar de temas reais, contemporâneos e não abstratos, de uma prisma crítico e com proposições políticas diretas, como em Falsche FuFFziger, Copycat e no mais recente Feierabend (Finishing Time), por exemplo. Em Futuropia, ele chuta o balde e não traz apenas um tema do realismo capitalista (FISHER, 2020), mas uma utopia futurista.
Muito embora não fale diretamente sobre comunismo, socialismo ou anarquismo, o jogo retrata uma sociedade cujo desenvolvimento tecnológico permitiu que as pessoas trabalhassem cada vez menos, tendo cada vez mais tempo para viver a vida plenamente, ou seja, o inverso do mundo real e contemporâneo, em que a tecnologia está vinculada à intensificação da exploração e à precarização do trabalho e da vida. O designer alemão apresenta-nos, ao fim e ao cabo, uma proposta pós-capitalista, imaginário que nos fora sumariamente sequestrado pela escatologia neoliberal.
Que alegria encontrar um jogo que fala de um futuro no qual a humanidade deu certo. Onde as pessoas estão bem e a divisão social do trabalho, a distribuição da riqueza e o uso da tecnologia se dão em favor da sociedade, do meio ambiente e do bem comum. Como resultado desse processo, as pessoas precisam pensar bem apenas em como gerir o próprio tempo livre... Que me perdoem os workaholics, mas o objetivo é a preguiça, não o burnout!
Muito embora não seja o melhor jogo econômico de todos e nem o mais destacado lançamento do designer, tematicamente, Futuropia é um jogo de tabuleiro ímpar, ao propor um reencontro entre o lúdico e a utopia de um mundo melhor e mais justo para todos. Representa um pequeno alívio nesses tempos obscuros. Para encerrar, cito mais um vez Lafargue (2003): "sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos”, o que eu parafrasearia dizendo: sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em jogar, exceto em sermos preguiçosos!
Referências
FISHER, Mark. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Claridade, 2003.
Imagens
Acervo pessoal.