Esses dias tive a oportunidade de pegar emprestado na Mosaico uma cópia teste do Legado de Yu, que já estava completinha.
Aqui na ludopedia tem um excelente review do jogo, porém toda a parte da campanha não estava liberada, então o review se ateve as mecânicas e andamentos da partida. Como aquele texto é muito bom, vou só pincelar bem por alto as mecânicas e fases do jogo e me focar mais no que achei da experiência completa da campanha.
Pra deixar claro, não vou citar eventos específicos, mas pode conter leves spoilers – na verdade nem considero que cheguem a ser spoilers, mas pra quem se sentir incomodado já fica o aviso.
A História:
Durante o jogo nós somos Yu, um oficial chinês que herdou de seu pai a difícil tarefa de resolver os problemas de inundações que ocorriam ao redor do Rio Amarelo. Sendo assim nosso objetivo ao longo das sete partidas é construir os canais para desviar o fluxo do rio e salvar as colheitas e pessoas que vivem em suas margens. Mas obviamente não será nada fácil, principalmente com os constantes ataques dos povos bárbaros que acontecem com frequência.
Mecânicas e Andamento do jogo
O Legado de Yu é basicamente um deckbuilding com gerenciamento de recursos. As cartas do nosso deck representam os moradores do vilarejo, que ajudam a conseguir recursos para as construções, ou são força de defesa contra as invasões bárbaras.
Cada turno é dividido nas seguintes fases:
Colheita: Nesta fase recebemos as receitas provenientes das construções e de cartas do nosso deck.
Ação: Durante a fase de ação, podemos fazer quantas e quaisquer ações quisermos. A única regra é que somos obrigados a jogar todas as cartas da mão, não podendo segurar pras próximas rodadas. Qualquer outra ação é opcional.
As ações são basicamente:
* Jogar a carta no descarte, para gerar o recurso no canto esquerdo superior, que pode ser madeira, barro ou meeples;
* Destruir a carta, que gera mais recursos, porém a carta sai do deck para sempre;
* Realizar a construção do Canal (só pode ser feito uma vez por rodada);
* Construir alguma edificação;
* Comprar cartas de uma “trilha de habitantes” para aumentar o próprio deck e;
* Atacar os bárbaros.
Retornar o barco: Esta fase é apenas retornar o marcador em forma de barco, que é utilizado como lembrete se o jogador construiu o canal nessa rodada, evitando que o canal seja construído duas vezes no mesmo turno.
Sofrer ataques: Aqui, os bárbaros que não foram derrotados atacam nossa vila. Cada bárbaro pode ser subornado, pagando um item ou meeple específico, e caso você não tenha essa requisição, eles matam um cidadão (ou seja, você é obrigado a destruir uma carta).
Atualizar a trilha de cartas: Por fim, atualizamos a trilha de cartas de cidadãos e novos bárbaros entram em jogo.
Vitória e Derrota:
Como todo bom jogo solo/coop, perder é muito mais fácil e pode acontecer de diversas maneiras: ter 7 bárbaros no tabuleiro – ficar sem cartas de cidadão devido ao ataque de bárbaros – a enchente alcançar um espaço não construído do canal. No caso, a enchente sempre avança quando somos obrigados a reembaralhar o descarte para comprar novas cartas.
Já para vencer, o único jeito é construir 6 sessões de canal e sobreviver até o final desta rodada.
O que gostei do jogo
Bom, em primeiro lugar, confesso que jogar solo não é exatamente meu jeito favorito de jogar. Acabo fazendo isso mais como forma de “compensar” jogos que paguei caro e não veem mesa. Dito isso, o que mais me incomoda não é nem jogar em si, e sim setups longos e demorados.
Então, logo de cara Legado de Yu tem ao menos pra mim uma baita vantagem: O setup não demora nem 5 minutos.
É basicamente abrir 20 cartas na mesa de 3 decks diferentes (cidadãos, bárbaros e construções) e colocar 11 construções em seus respectivos espaços. Ou seja, em 3 minutos tá pronto, mais rápido que fazer um miojo, mesmo nas partidas finais da campanha.
Outra grande vantagem é que o jogo é muito rápido. Eu demorava em média 50 minutos pra finalizar uma partida. Somado com o setup rápido, não rolava aquela preguiça de pensar em pegar o jogo, gastar 30 minutos montando a mesa, 2:30h na partida e depois o trabalho de guardar tudo. Era muito fácil pegar, montar, jogar e guardar.
Sobre a partida, ela é tensa. Eu joguei apenas as 7 partidas da campanha (as duas primeiras com uma regra errada), e perdi 5, ganhando apenas as duas últimas. É um jogo de cobertor curto, pois tudo é muito interligado.
Primeiro, o avanço da enchente depende exclusivamente de rodar o seu deck. Em média, dura 3 ou 4 turnos antes de reembaralhar. Aí começam as decisões difíceis: derrotar bárbaros é complicado. Exigem sempre 3 meeples de cores diferentes. Logo, é necessário realizar construções, ou para ter mais receita na fase de colheita, ou para poder utilizar meeples brancos como coringas de outras cores, para combater os bárbaros. Porém, para fazer uma edificação é necessário construir o canal. E quanto mais canais são construídos, mais bárbaros entram a cada rodada. E cada vez que se constrói o canal, é necessário destruir cartas, pois tematicamente pessoas morrem durante a construção. Ou seja, para avançar no jogo você fica com um deck cada vez menor, que roda mais rápido (aumentando as enchentes), e tendo que desafiar mais bárbaros. Porém, se você tentar segurar as rodadas aumentando seu deck (não dá pra aumentar muito), não vai conseguir gerar recursos para enfrentar os bárbaros, ou fazer novas construções e vai acabar perdendo de qualquer jeito. Na última rodada por exemplo, entram sempre 4 bárbaros. Levando em consideração que juntar 7 bárbaros em jogo é derrota, é necessário chegar ao final com no máximo 2 bárbaros em jogo para somando aos 4 que entram chegar em 6 e não estourar o limite, sendo que a cada rodada 3 novos bárbaros vão entrar.
Então, saber a hora de destruir uma carta pra ganhar mais recursos, ou abdicar dela no seu deck para melhorar a colheita é fundamental.
E a campanha?
Bom, na verdade achei a campanha mais um “flavor” do que realmente uma campanha. Digo isso pois a história não é interligada.. Basicamente, após 7 partidas, eu recebi novas cartas de habitantes e de bárbaros, além de algumas alterações na dinâmica do jogo que já explico. Mas as entradas do livro de história são apenas isso: historinhas. Por exemplo, vou receber uma nova carta de habitante, a entrada vai dizer “Hoje eu estava próximo do lago quando ouvi um grito de socorro. Cheguei lá e vi Shin, um fazendeiro vizinho que estava se afogando. Salvei ele e agora Shin quer ficar na nossa vila”. O mesmo vale para bárbaros. Ou seja, são textos flavors, que podem ser lidos em qualquer ordem, pois a ordem que as cartas vêm pra você são sempre diferentes.
Outras cartas que aparecem, são as cartas de preparação. Basicamente existem 7 cartas de vitória e 7 cartas de derrota. Dessas cartas, 6 são aleatórias e só a última é sempre fixa. Leve spoiler (não de mecânica das cartas, mas de funcionamentos, abaixo):
Isso significa que sempre que ganhamos uma partida, vamos comprar uma carta de vitória e ler a entrada. Acredito que geralmente essas cartas aumentam a dificuldade pra próxima partida. Digo “acredito” pois só ganhei a penúltima e a última, sendo que obviamente a última não gerava cartas para as próximas partidas.
Já quando perdemos, compramos uma carta de derrota, que terá duas entradas: uma se você foi derrotado pelos bárbaros (aconteceu comigo em 4 das 5 vezes em que perdi) e outra entrada se formos derrotados pela enchente.
Nesses casos, geralmente entram cartas com alguma historinha que deixam o jogo com algum bônus relativo a forma que você perdeu.
Essas cartas possuem dois tipos de uso, o primeiro sendo um uso contínuo, ou seja, ganha determinado bônus sempre que acontece alguma ação ou fase do jogo. Ou então um uso único muito mais poderoso, mas que acarreta em descartar de vez a carta, sem levar para as próximas partidas, o que leva a outra camada de decisão estratégica… vale a pena segurar mais o bônus pra tentar a sorte em próximas partidas ou garantir a vitória nessa?
Uma coisa que achei legal é que o jogo dá um jeito de compensar e balancear o que acontece nas suas partidas. Tem ficado com poucas cartas no deck por que elas morrem na construção de canal? Relaxa, isso vai ser arrumado sozinho. Agora está com cartas demais? Vai entrar uma mecânica pra reter um pouco as cartas. É bem legal ver essa interação do tabuleiro com o jogador.
Por fim, existem 3 entradas diferentes em caso de vitória, baseadas em quantas partidas perdemos. Obviamente eu fiz o pior final possível, mesmo com sucesso na última partida.
É rejogável?
Confesso que já quis muito fazer um tópico falando exclusivamente da rejogabilidade de jogos com história/campanha, onde possa me aprofundar mais no tema, mas vou só dar uma pincelada aqui.
Acho que existe um certo preconceito das pessoas com jogos de história, que ao meu ver não é justificado. Vou citar por exemplo o Oltree, ou Lendas de Andor. Geralmente as pessoas falam que jogar uma vez “estraga a surpresa” pois você já sabe onde estão os perigos, ou o que vai acontecer no terceiro turno por exemplo, quando entrará um novo personagem na história, ou um novo vilão (coisa que acontece muito em Andor) e portanto os jogadores já podem se preparar para a situação antes dela aparecer, tirando um pouco da graça. Bom, eu particularmente não vejo diferença de saber o que vai acontecer em determinada rodada, para os diversos jogos euros em que todas as informações estão abertas desde o começo. Você sabe exatamente o que pode comprar e quando. Exemplos de jogos assim não faltam. A única diferença é que nestes jogos não tem uma cartinha contando uma história sobre por que tal recurso só estará disponível na segunda metade do jogo por exemplo. Ainda quero me aprofundar mais nesse tema num tópico só sobre isso, mas basicamente eu não acho que ler entradas numa história e rejogar essas entradas depois seja um sinal de baixa rejogabilidade, já que sempre haverão elementos aleatórios o suficiente, no caso do Yu, cartas de bárbaro, baralho de habitantes, habilidades de jogo entre outros.
Também é bom falar que não cheguei nem perto de ver metade das cartas da campanha. Acredito que tenha inclusive pelo menos uma mecânica que não apareceu pra mim. Digo isso pois na hora de rearrumar o deck para as próximas campanhas, passei por algumas cartas com símbolos, cores e formatos que não se encaixavam em nada do que eu tinha aprendido até então.
As cartas de vitória e derrota também são aleatórias e mesmo que eu compre uma determinada carta, posso ter perdido uma vez por enchente e outra por bárbaro, então a mesma carta irá alterar de forma diferente minhas próximas partidas.
A minha primeira carta de “ajuda” por assim dizer, acrescentava recursos sempre que eu alocava trabalhadores. Então tentar liberar espaço pra alocar trabalhadores e ganhar mais recursos foi parte da minha estratégia desde o começo da campanha, porém se esta carta não sai, ou não aparece logo no começo, eu jogaria de forma ligeiramente diferente.
De forma geral, eu acredito que essas cartas funcionam como uma espécie de “setup variável” que funciona por até 7 partidas. Ou seja, a campanha é completamente rejogável e terá elementos aleatórios o suficiente pra manter o interesse enquanto não enjoarmos do jogo.
Então é isso. De forma geral foi uma grata surpresa, um belo jogo solo com setup rápido, partidas rápidas e muito bonito na mesa.
Acho que para quem gosta de games solo, vale a pena a conferida.