Cada postagem um reino diferente, mas e se ao invés de falar sobre um reino em específico (ou jogo se preferirem) pararmos um pouco pra discutir aspectos gerais do nosso hobby? Esse tópico é um pouco diferente, um pouco de brainstorm, um pouco de reflexão e também um pouco de análise comportamental. Nada em nível arrojado ou acadêmico, é estilo bate papo mesmo, como todas nossas postagens são! Vamos falar um pouco sobre vendas, e afirmar ou contestar se a primeira negociação da venda é com você mesmo?
Não raro ouvimos falar sobre a compra por impulso, todo aquele lance de considerar que “precisa” de um jogo, a questão do FOMO (fear of missing out / medo de ficar de fora) que se origina nas hypes e overhypes da vida, e o cult of new (culto do novo, eu sei, essa foi uma tradução complexa) que te faz por exemplo comprar o mesmo jogo com outro tema, meio que 2 ações que resolvem diferente, uma mecânica a mais ou a menos e pontuação final com outra abordagem.
Se você nunca fez isso não está curtindo o hobby da forma correta (esse comentário específico não deve ser levado a sério, se discorda apenas volte 3 casas). Mas e quando paramos um pouco de pensar nas compras “erradas” e olhamos para outra questão que vem na sequência, AS VENDAS???
Vale deixar claro que se o fiscal de compra alheia é um “saco”, é natural que a figura de um fiscal de venda alheia acabe sendo visto da mesma forma, óbvio. Tudo que queremos falar aqui é apenas um convite a alguma reflexão. Em algum nível pessoal, cada um sabe o que torna um jogo compra certa, mas vamos discorrer um pouco os motivos pra vender um jogo, do mais óbvio ao mais subjetivo. Vamos ver o que motiva além de vender pra pegar algumas necessitadas moedinhas? E entender que algumas compras podem ser “erradas”, mas algumas vendas também?
UMA GERAL NOS MOTIVOS DE VENDA
Vamos falar sobre 9 motivos que levam a vender, alguns vão soar óbvios mas seria estranho se eles não constassem aqui, quase todos seguem uma sequência, como se um ponto fosse parcial ou totalmente consequência do anterior.
-OS PREÇOS ESTÃO MUITOS ALTOS: por mais que a comunidade brinque com os memes/slogans de que 500 é o novo 300, 800 é o novo 500 e outros derivados, cabe entender que os preços de fato aumentaram muito. Pulando a mega discussão econômica dos fatores externos que influenciam, do valor subjetivo, e também do argumento de visão de mercado mais verdadeiro porém mais preguiçoso de todos (“compra quem quer”), o que fica é o fato de que tornar líquido jogos anteriores para alavancar a compra dos novos, é um movimento matematicamente lógico, muitos dirão que necessário até, vide a escalada de preços. Isso pode ser de grande proveito quando...
-O JOGO SE TORNA UM INVESTIMENTO: seja por observação de mercado, por “aposta”, ou por acidente/sorte, depois de um tempo o jogo pode aumentar o valor 10-25%, 50% ou mesmo 100%(pois é, dobrar mesmo). Isso tem se dado perante esgotamento da edição atual, e aí um título virar raridade ou algo bem próximo disso. Há também os relançamentos de preço “inflado”, que jogam pra cima o preço de alguns títulos. Esse último divide a comunidade em quem acredita ser oportunismo, ou apenas curso natural das coisas, visto que tudo aumentou, o dólar tem explodido (tá em recente descida, mas vai saber), e outras discussões que desviariam o foco de nossa postagem aqui. Então vender por preços muito superiores ao que adquiriu, costuma ser bem tentador, especialmente se o jogo não tiver cadeira cativa no seu coraçãozinho boardgamer. Podendo levar a pensar em fazer...
-AJUSTES NUMÉRICOS NA COLEÇÃO: Existe uma lenda em torno da quantidade ideal de jogos, que por vezes é comentada, esquecida e comentada de novo, ao menos nos grupos que este kina que vos fala participa... O número de jogo ideais existe, e seria 50! Não precisa se perguntar quantos tons de cinza tem nessa premissa, ela está relacionada a quantidade de semanas no ano, que são 52. Em teoria você poderia jogar um jogo por semana, e ter 2 semanas em que se não sentar pra exercer nossa amada atividade tá tudo bem. Isso daria pra degustar melhor o mesmo jogo, e todo ano fazer com que todos os jogos de sua coleção, sem exceção, vejam mesa. O que tem de idealizado, tem de justo/balanceado. Isso pode levar a...
-MUDANÇA DE MINDSET: Outro ponto é focar apenas na redução do seu total de títulos, e ficar apenas com o essencial, sejam 50 ou menos, bem menos. É um exercício desafiador, pra quem gosta e pra quem quer flertar com filosofias de vida como minimalismo por exemplo, se inclinando a “lukitar”. Um influenciador e criador de conteúdo das antigas, apelidado de lukita, vendeu tudo (ou quase tudo) que tinha de boardgames, e ele era colecionador hard, coleção estilo “vasta biblioteca”. Por um tempo virou uma gíria/um termo essa questão de lukitar. Cabe dizer aqui que não é sobre essa pegada ser certa ou errada, mas de entender se ela é pra você, em termos de refrear consumismo, ou promover mudança mais ampla e que se tornará enraizada no teu mindset/visão de mundo, em torno de aspectos da vida, inclusive o hobby. Outra forma de pensar, um tanto quanto mais moderada, seria:
-SAI UM ENTRA UM: esse motivo de venda deriva totalmente do acima. Se estamos sempre ávidos por novidades, mas já temos uma coleção decente, como manter um olhar pro novo sem começar a fazer pilhas de jogos? Mantendo a quantidade exata de jogos! O antigo tem que partir para pousar material novo! Se você acha que o divertido é ir expandindo o jardim de possibilidades e é isso aí, essa ideia não vai dialogar com você. Aqui a preocupação não é em torno de ter X jogos, ou os 50 citados anteriormente. O ponto é que quando você se debruça sobre seus títulos e considera que já tem a abordagem de mecânicas e/ou temas que almejava, novos jogos passam a ter que responder o porquê de conseguirem substituir outro em sua coleção. Respondido isso, a solução é vender pra liberar espaço. Isso acontece pq você quer manter seu repertório pequeno ou médio, ou pq ele bateu no limite de “coleção grande demais”. Sabe aquele limite que você se impôs, mas que no fundo era uma meia verdade? Sim ele chega, ele é atingido
!!! Isso remete a outro motivo de venda...

-O JOGO FOI SUBSTITUÍDO MECANICAMENTE: essa vibe pode não encontrar terreno fértil em você, caso foque no tema acima das regras, ou no feeling de que é a partida em si que conta mais nas experiências que já teve, como se fosse o “fator xodó” pra um jogo. Se costuma precisar buscar muitas justificativas pra vender um jogo, então sabe bem do que estamos falando aqui. Isso pode acontecer muito mais naturalmente do que você imagina. Entre 2,3, até mesmo 4+ jogos (pro povo da coleção grande), pode ter um deles que sempre vai pro final da fila pra ser jogado, em relação dos demais. Até você perceber que a fila é ilusória, ele ao invés de estar no final, não terá vez depois dos outros. Tirando o fato de ser natural que 1 ou 2 comprados recentemente tenham naturalidade em preferência, ver que nunca chega a “vez” do jogo é um parâmetro justo. Cabe dizer que a ideia é comparar e entender essa fila de preferência em termos de mecânica central e não todas que compõe o caldeirão do jogo. Não precisa ser um sacrifício, mas se você trabalha o desapego em algum nível, isso vai acontecer naturalmente, entender que um jogo de vaza tem mais espaço no seu grupo do que outro também de vaza, um determinado deck building tem “mais” acontecendo do que outro, e assim por diante com qualquer mecânica. Lembrando que não precisa ser um sacrifício o ato de colocar pra vender, mas muitas vezes insistir na permanência pode levar a...
-O JOGO NÃO IR PRA MESA EM 2-3 ANOS: Acho que acontece com todo mundo que tem a coleção moderadamente expandida. Quando você menos espera, busca na memória a última partida de algum item da coleção e percebe que não jogou tem algum tempo. Na sequência percebe que não é apenas “algum tempo”, são aniversários (assim no plural mesmo)! Pra quem registra partidas então, fica mais gritante ainda. Percebam que não é sobre entrar no modo guilhotina nervosa e sair retirando da coleção, mas é sobre refletir nos motivos que tão levando a esses hiatos monstruosos. A diferença de você conseguir jogar 2 vezes na semana, 1 vez ou de forma não fixa conta muito, mas se não é sobre a frequência das partidas, é sobre melhorar parte da sua abordagem na coleção, e possivelmente vender, seja pensando dentro desse tópico ou dos anteriores. Essa estacionada na estante também gera...
-JOGOS LACRADOS OU UNPUNCHED: Este kina que vos fala não vai nem entrar no mérito do “aberto pra conferência” que gera algumas discussões intermináveis hehe. A questão é que o material parado, lacrado ou sem ter destacado os componentes, pode te trazer uma recuperação do valor. Pode ter sido uma compra por impulso, ou você precisa de dinheiro imediato para fazer justamente outra compra por impulso hahaha, não recomendamos, mas quem nunca? Você pode ter comprado junto com outros títulos que acabam sufocando o cronograma pra que tudo seja jogado efetivamente. Eu particularmente creio que acaba batendo o feeling de “nem devia ter comprado”. A famosa prateleira da vergonha (jogos não estreados) tá aí pra tentar evitar isso, pois em teoria ela existe pra ser “zerada”. Mas se você tem o gold pra comprar vários, seja devido a enxurrada de lançamentos, seja pela estratégia de comprar vários pra ter frete grátis ou outro motivo, vai se ver vendendo um jogo nessas condições em algum momento. Por falar em comprar muito, você pode comprar o mesmo jogo mais de uma vez se...
-VENDER EDIÇÃO ANTERIOR PRA COMPRAR A NOVA: Do Alhambra ao Great Western Trail, as editoras não vacilam muito para lançar um segunda edição, seja de caráter comemorativo, seja pra revisar algumas regras. Se você é de importar, pode simplesmente ter a versão gringa, e querer pegar a versão BR, para ver mais mesa com quem não tem facilidade com outra língua. Um bom exemplo é o Encantados que ganhou terceira edição recentemente, outro bom exemplo é uma coleção inteira, a cities collection. Trata-se da reedição de jogos renomados do Feld, com nova roupagem e devidamente revisados (tem alguns novos mas o buzz se concentra nos “remakes”). Dito isso, você vai ficar com um efeito espelho na sua prateleira, e se fez a segunda compra a tendência é que a primeira vire argamassa pra mais recente.
Listado esses 9 pontos, que obviamente são apenas parte da motivação em torno das vendas, cabe dizer que o oposto da venda, que é claro, é a permanência, tende a acontecer de forma mais acentuada no usufruto mais acentuado dos títulos que você tem.
ENTENDENDO UM POUCO O “JOGO PARADO”
E o que faz muitos jogos ficarem parados? 2 rápidos fatores relevantes seriam:
EXCESSO DE NOVIDADES: a menos que você exerça o hobby com muuuuito tempo disponível, os jogos disputam espaço na mesa. Seja por vc ser um ávido comprador que tem expandido a coleção, seja por ter um grupo que cada vez que se reunir vai ter um jogo novo (ou vários) na mesa trazido por algum dos participantes.
O JOGO ENVELHECEU MAL: esse ponto é plenamente atrelado a uma questão de perfil de jogador. Sim as preferências vão mudando e isso é óbvio de constatar, mas as vezes parece passar meio despercebido por alguns (ou demora a percepção). Você quer menos sorte, vc se tornou competitivo e passou a não gostar do caos e do “desande” que um party game evoca na mesa, e antes que isso pareça a escalada do nascimento de um eurogamer semihard ou hardão mesmo, não é apenas sobre se tornar mais estratégico, “zero sorte etc” ... talvez apenas tenha encontrado outro jogos semelhantes que pra você, entregam uma partida melhor. Daí esse novo título, pode chegar a empurrar o antigo pra fora da coleção... Por ser mais rápido, por ser mais bem produzido, talvez pareça bastante com o que já tinha antes, mas possui um dos temas que é seu "fraco" e por aí vai.
EVITANDO ANDAR EM CÍRCULOS
Sim isso pode acontecer! Seria quando vc compra novamente o exato mesmo jogo. Eu mesmo já tive, vendi e comprei de novo um jogo. Da mesma forma que as mudanças de paladar vão te fazendo vender jogos, elas podem te fazer querer de volta algum. Estou quase comprando novamente o
Boss Monster: The Dungeon Building Card Game que acabou de voltar pras lojas (vendi por achar que o jogo era muito definido pela corrida de comprar muitas magias, ou falhar nisso e assistir um massacre na sua cabeça) e me arrependo por exemplo de ter vendido o
Smash Up. No caso dele em específico, eu comprei a caixa base, e ao adicionar a expansão achei que o jogo ficou arrastado (tinha a duração na medida com apenas o base), e se havia certo desiquilíbrio, saltou pra um nível acentuado de disparidade nas facções, então desgostei da experiência como um todo e vendi tudo. Até hoje penso pq raios eu não simplesmente vendi a expansão e mantive o base? Nem tenho resposta, mas isso tem uns 6 anos ou pouco mais. Autoconhecimento lúdico é mais importante do que parece (todos os autoconhecimentos são).
Andar em círculos, não é nenhum pecado capital, mas pode ser evitado com a tomada de decisão correta. Se você achava que o gerenciamento só se dá com um tabuleiro aberto na mesa e uma partida rolando, a essa altura do texto já sabe que está enganado!

É delicado pq uma parcela generosa da comunidade tem problema de colecionismo nível alto/muito alto, em alguns casos, beirando o perfil de "acumulador”, então se já é difícil pra alguns vender, pq pensar tanto justamente em motivos pra não vender?
Aí é que está! Essa parte da postagem foi sobre vender no impulso. É como se devido a um ou mais dos 9 motivos citados acima (ou outro motivo não listado) você não ponderasse muito e simplesmente vendesse o quando antes. Em nossa modesta opinião, digamos que é mais válido deixar o "lá e de volta outra vez” apenas pros livros do senhor dos anéis.
E no final da partida, opa! da questão toda, o que vale é sua questão pessoal, e forma que encara sua coleção, essa postagem é só um convite para estender o seguinte raciocínio: "Se atualmente temos que pensar bem antes de comprar, não seria interessante também pensar bem antes de vender? Seja pra passar a vender mais, seja pra rever e vender menos, reafirmamos que
a primeira negociação da venda é com você mesmo. Nem tudo deve ser passível de descartar da sua mão para gerar recursos (bateu o terraforming mars ares na mente hehe). Aquele mote que as vezes soa bem irritante "compra quem quer" acaba encontrando um irmão gêmeo aqui na vibe do "vende quem quer" (ou quem precisa, como discutido acima haha)

Meus caros, minhas caras, por enquanto é isso! Essa "conversa" na forma de postagem não vai entregar algo conclusivo sobre nosso comportamento de venda, almejava apenas colocar algumas questões na mesa (nem tudo que colocamos na mesa é boardgame afinal hehe) e mesmo não sendo um espelho mágico do mago de nossa torre mais alta, esperamos que fomente uma boa reflexão! Vejo vocês no próximo reino a explorar, no nosso formato costumeiro de análise, batendo forte e também BATENDO DE KINA! Até lá!!!
INSCREVAM-SE! ACOMPANHEM !!!