(Análise) The Castles of Burgundy
Título: The Castles of Burgundy (2011)
Designer: Stefan Feld
Arte: Julien Delval, Harald Lieske
Editora nacional: Grow Jogos e Brinquedos
Nº de jogadores: 2 a 4 jogadores*
(*existe uma variante solo presente na edição de 10 Anos do jogo)
Do renomado designer Stefan Feld, The Castles of Burgundy é conhecido por sua mecânica bem estruturada que utiliza dados, assim como por escolhas gráficas ruins. Um clássico dos jogos modernos, foi um dos jogos que ajudou a consolidar a escola alemã como uma das mais influentes do gênero.
Nota Importante: Esta análise trata-se da edição da Grow, lançada aqui no Brasil. Existe uma nova edição comemorativa de 10 anos que inclui mais conteúdo e uma arte repaginada, mas não levarei em conta sua existência (quem sabe um dia aparece um texto exclusivamente dela?).
Como Funciona
Ao longo de 5 rodadas, composta cada uma por 5 turnos, os jogadores a cada turno rolam seus dois dados e, em sua vez, utilizam os valores rolados em seus dados na ordem que preferir para adquirir novas construções, colocar construções que já possua em seu tabuleiro individual, vender mercadorias ou conseguir trabalhadores (que servem para modificar os valores dos dados rolados). Cada construção possui habilidades específicas que são ativadas no momento da sua colocação, gerando alguns combos, bônus ou recompensas para os jogadores. No final da partida, após exatamente 50 dados ativados de cada jogador, quem tiver mais pontos vence!
Mecânicas Principais: Rolagem de dados, colocação de peças, Coleção de Componentes.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Procurei, mas não achei. A sorte do jogo é ser mecanicamente bom para quem curte o gênero! Apesar disso, não vamos esquecer que o jogo possui mais de 10 anos desde sua criação, logo os padrões da época não eram como os de hoje.
CONTRAS: Caixa molenga; Um organizador que não serve para absolutamente nada e até hoje existem esforços acadêmicos para entender o que se passava na mente de quem o fez e colocou ali dentro da caixa; Componentes em geral de baixa gramatura; Dados comuns, sem nenhum atributo digno de elogio ou crítica; O jogo tem muitos componentes, e devido ao organizador totalmente disfuncional, o tempo de preparação (setup) é um tanto demorado.
((Quase) todos componentes do jogo)
Ø Arte
PRÓS: Em geral, The Castles of Burgundy costuma ser lembrado não apenas por ser um excelente jogo, mas também por ser um tanto feio, mas vamos com calma neste tópico! Sim, no conjunto da obra o jogo pode ser chamado de feio, contudo as ilustrações dos edifícios, objetos, animais e algumas texturas são bem desenhados...
CONTRAS: ...o problema é que essas imagens são muito pequenininhas, mal sendo possível apreciar sua arte e ver algum detalhe. Alie isso a uma paleta de cores completamente apagada, de tons pasteis sem graça e uma diagramação não muito inspirada e temos um resultado visualmente nada atraente. Haaa, e claro, não tem como não citar a trilha de pontuação que parece que quando o designer gráfico percebeu que acabou o espaço, 'deu um jeitinho'. O.o
(Alguns elementos artísticos em detalhe)
Ø Curva de Aprendizagem
Baixa. As regras de The Castles of Burgundy são bem fáceis, onde o jogador basicamente utiliza o valor dos seus dados rolados para vender mercadorias, conseguir novas construções ou colocar as que possui no seu tabuleiro individual. Do ponto de vista de complexidade de regras, qualquer pessoa, mesmo iniciante, consegue entender o funcionamento e desenvolvimento da partida bem rápido. O que fica um pouco mais complicado é decorar (não que seja necessário decorar tão rápido) as habilidades das construções e entender como criar combos sinérgicos entre elas. O jogo é uma daquelas obras em que a simplicidade do conjunto de regras permite que os jogadores foquem sua atenção muito mais no desenvolvimento de sua partida do que no entendimento das regras, mesmo em uma primeira partida, o que contribui para placares acirrados desde as primeiras experiências.
(Tabuleiro central e tabuleiro de jogador durante uma partida de 2 jogadores)
Ø Presença de Tema
Baixa. Diria até Muito Baixa. Tem castelo no jogo? Ok, peça com castelo até tem. Nos sentimos como princesas, príncipes e monarcas da realeza de reinos na Borgonha no século XV? Não, nem um pouco. A verdade é que The Castles of Burgundy foi um dos jogos responsáveis (e o designer Stefan Feld em outros títulos) por dar a má fama de que jogos de origem europeia são feios e sem tema, e quem disse isso, totalmente errado não estava. O manual se preocupa em apresentar todo tema, cenário, paisagem, enredo e folclore por trás do tema por...uma frase. UMA, 1, frase. As mecânicas também não dialogam muito com o tema, pois o dado não tem nenhuma representação temática e as construções precisam de uma bela forçada de abstração para fazer um sentido realmente temático.
(Tabuleiro central durante uma partida)
ATENÇÃO!
Antes de seguir com o texto, me sinto na necessidade de fazer um comentário: Eu sei que parece que só falei mal do jogo até agora. Quem não conhece realmente o jogo pode ter sentido que só esculhambei com essa coisinha meio feia até agora. É verdade. Até agora não teve nenhum trecho que realmente tenha expressado o motivo de The Castles of Burgundy ser um jogo tão famoso e o que o torna realmente EXCELENTE na minha concepção. Isso vai mudar a partir do próximo tópico.
Ø Rejogabilidade
Alta. Existem diversos fatores que agregam valor ao Fator Rejogabilidade do jogo, como as peças de construções que variam de locais de compra, a própria rolagem dos dados antecipada às ações dos jogadores, criando uma sorte Inserida (em inglês: Input Randomness ou Pre-luck), onde os tipos de mercadorias surgem e a necessidade dos jogadores sempre precisarem se adaptar às novas realidades e opções em seus turnos. Alie tudo isso ao fato da partida ter a tendência de ser bem acirrada na pontuação, apesar de uma certa ‘elasticidade’ no placar durante a partida (mais para frente explicarei isso melhor), e temos um Fator de Rejogabilidade bem interessante. Algo que pode ser um ponto negativo para algumas pessoas é a duração da partida, que pode ser um pouco longa nas primeiras partidas devido ao AP (Analysis Paralysis – o tempo que os jogadores ficam pensando em como irão jogar, buscando a melhor jogada possível).
Existe uma observação importante ainda a respeito do Fator Rejogabilidade, que é o fato da quantidade de jogadores interferir um pouco com a aleatoriedade. Em quatro jogadores, todas as peças existentes entram em jogo, em ordem aleatória. Com menos jogadores, algumas ficam de fora, logo com contagens de três ou dois participantes, não temos como prever exatamente quais peças, e em quais quantidades, estarão disponíveis. Esta característica, particularmente, acho positiva (inclusive acharia legal se sobrassem peças em partidas com mesa cheia), porém entendo quem goste de ter mais controle sobre as informações e tenha preferência de saber exatamente quais peças entrariam em jogo.

(Tabuleiro de jogador durante a partida)
Ø Interação
Média. Não existe nenhum tipo de interação direta entre os jogadores, mas existe bastante bloqueio, algumas vezes até não-intencional, devido a poucas opções apresentadas pelos dados dos jogadores em certas ocasiões. Este bloqueio, quando feito de forma intencional, é fundamental para a pontuação final, criando uma interação indireta bem importante entre os jogadores. Um outro ponto que auxilia a elevar a interação é a forma que a pontuação funciona quando o jogador pontua alguma região: Quanto mais cedo ele faz isso durante a partida, mais pontos ele recebe. Isso faz com que pareça que os placares são bem distantes entre os jogadores, as vezes abrindo até trinta, quarenta pontos de diferença, porém, na prática, não é impossível alcançar adversários. Essa sensação de pontuação discrepante vejo como um incentivo aos jogadores em buscar melhores estratégias para correr atrás do prejuízo e força que eles sempre tenham um olho em seu tabuleiro e outro no do adversário, ainda mais quando todos na mesa sabem que essa distância no placar é totalmente possível de ser revertida.
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Baixa. Este ponto pode ser polêmico, principalmente para aquelas pessoas que olham torto para rolagem de dados ou não jogaram muito The Castles of Burgundy. Durante a partida temos apenas dois dados para usarmos na rodada e isso pode parecer pouco, mas não é por um motivo simples: A quantidade de rodadas é bem alta (aqui, o que pode parecer um fator negativo: O tempo de partida, acaba se tornando uma característica essencial para o jogo funcionar tão bem). Uma vez que temos muitas rodadas e algumas formas de mitigar a sorte dos dados (as fichas de trabalhadores), além de ações de construções que possibilitam ações extras (e dominar como potencializar estas ações em combos é essencial), não é possível dizer que a sorte presente é determinante para definir quem ganhou ou perdeu a partida. Simplesmente, se uma rolagem foi muito ruim para um jogador em algum momento, a probabilidade de ser ruim em outro momento para um adversário é enorme. No final das contas, não adianta culpar os coitados dos dadinhos, pois o jogador teve tempo o suficiente para se planejar e não contar com a sorte a seu favor!

(Como organizo todas peças (tiles) da minha cópia. Um organizador comum e um 3D... mas ainda não é o ideal)
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Diria até Muito Alta. O que The Castles of Burgundy tem de problemas na parte gráfica, duplica, sobra e dá um baile no Fator Estratégia. Simplesmente é impossível jogar uma partida de forma solta e vencer. As escolhas são constantes e necessárias, de tal forma que é visivelmente claro quando um jogador completamente displicente joga contra alguém focado. O jogo exige dos jogadores escolhas táticas (a curto prazo) a cada dado utilizado, assim como requer que os jogadores tracem uma estratégia (de longo prazo) logo nas primeiras rodadas. Em The Castles of Burgundy o jogador consegue ficar travado se jogar mal, com muito menos opções do que poderia e se ver obrigado a ficar gastando dados para pegar trabalhadores (eles servem para modificar os resultados dos dados em +1 ou -1).
Algo muito interessante e que gera uma assimetria de possibilidades entre os jogadores são as peças/fichas amarelas, denominadas como “Conhecimento”. Elas geram efeitos e habilidades únicas para os jogadores, geralmente modificando alguma regra ou potencializando o resultado dos dados. Este tipo de elemento gera escolhas importantes para os jogadores e os obrigam a sempre estarem adaptando suas estratégias, além de todas demais características já apresentadas em critérios avaliados anteriormente.
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- “E esse organizador 3D que você usa, o que pode falar sobre ele?” Paguei para fazer este organizador, que apesar de bonitinho e até funcional, ainda não resolve o problema da preparação totalmente, já que é necessário retirar as peças e embaralha-las antes da partida, além de não caberem todas de forma bem distribuídas em cada coluna de acordo com suas cores. A dica que dou para facilitar a preparação e guardar bem o jogo é: Utilize um organizador plástico pequeno para os marcadores gerais (como presente na foto deste texto) e compre alguns saquinhos de pano (se for nas cores específicas das peças, melhor ainda). Os saquinhos irão armazenar bem, servirão para o embaralhamento e – no triste caso de uma pecinha machucar alguma borda – não terá problema pois o saco por não ser transparente só irá revelar a peça quando a pessoa a tirar de dentro do mesmo.
- “Vi que tem uma edição de 10 anos. É uma boa?” Acredito que seja uma ‘muito boa’. Infelizmente não tive a oportunidade de ter uma cópia em mãos ainda. Essa edição traz algumas miniexpansões, novos tabuleiros de jogador e inclusive um modo solo e outro em equipes, além de uma arte repaginada (que ainda não está perfeita, mas é melhor que a original). No conjunto da obra, o jogo é o mesmo, logo entre uma edição e outra vai da oportunidade e bolso de cada um! [Editado: Agradecimento a
Marllos Dias. Segundo ele: Se puderem opitar: Escolham a Edição de 10 anos!]
- “Roda bem em qualquer quantidade de jogadores?” Roda. Ele é basicamente o mesmo jogo, o que sentimos de diferença é: 1. Em mais jogadores, no começo das rodadas temos mais peças disponíveis, logo um pouco mais de opções de escolha (dependendo das ações dos outros jogadores, claro); 2. Em 4 jogadores todas peças entram em jogo, diminuindo o fato aleatoriedade, sendo impactado apenas na ordem que essas peças surgem; 3. O downtime (tempo de espera entre as jogadas do jogador) é maior conforme mais jogadores na partida, uma vez que The Castles of Burgundy é um jogo bem queima-cuca, o que faz alguns jogadores demorarem a terminar sua jogada, e uma vez que o que o outro jogador faz irá impactar em nossa escolhas, temos que esperar nossa vez para definir certinho o que faremos. Por estes motivos, acho The Castles of Burgundy um excelente jogo para mesa cheia, mas excepcional para 2 jogadores.
- “Pela complexidade, consigo jogar com iniciantes ou crianças?” Com iniciantes, seguramente consegue. O jogo é uma delícia no que tange as escolhas e possibilidade de combos, mas iniciantes pegam fácil as regras. A malícia e combos já é um pouco mais demorado, mas nada que estrague a experiência de quem está começando, não se sentindo muito perdido e desnorteado. Em relação a crianças, se elas tiverem já maturidade para fazerem escolhas conscientes é possível jogar em sua companhia, mesmo que não ocorram muitos bloqueios intencionais, mas apesar disso, acho que o jogo perde boa dose da graça se for jogado ‘de forma despretensiosa e sem focar em bloquear adversários quando der’.
- “Falam que ele é muito feio. Isso estraga a experiência?” Polêmica no ar. Realmente ele não é um primor de conceito e realização artística em relação às ilustrações e design gráfico, mas existem piores por aí (até mesmo do próprio designer). Além disso, mecanicamente o jogo é muito bom. Para mim, particularmente, apesar de reconhecer que poderia ser (muito) melhor nesse quesito, a experiência de jogar The Castles of Burgundy não é arruinada pela sua estética. Vale muito a pena e ele está no meu TOP10 mesmo sendo feinho como é.
Opinião Pessoal
“Apesar de amar jogos que me entreguem tema e eu realmente me divirta simplesmente vendo uma boa ilustração, acredito que o excelente diálogo entre sorte, estratégia e as escolhas de como funcionam os efeitos de peças sejam o segredo para que um jogo tão fraquinho em relação ao tema e arte consiga se destacar entre tantos outros títulos existentes e se consagrar nos rankings mundo a fora. The Castles of Burgundy apresenta uma mecânica que engaja os jogadores a cada ação e funciona como uma espécie de quebra-cabeças de como ser mais eficiente para colocar as peças de construção e o mais rápido possível. É um jogo que jamais sairá da minha coleção e do meu coração e acredito que qualquer pessoa que queira conhecer direito o hobby de jogos de tabuleiro modernos deva jogar ao menos uma vez o jogo (não deixando aparecer pré-conceitos devido a sua parte gráfica).” (Raphael Gurian, O visconde de amarelo)
“The Castles of Burgundy é um ótimo jogo do estilo Euro, que irá exigir do jogador bom raciocínio e planejamento prévio para suas jogadas, pois este apresenta muitas possibilidades para o crescimento de seu território. Com componentes já esperados para jogos do estilo, como dados, recursos, tabuleiros principal e individual (com layout variável), os jogadores correm para montar suas próprias estratégias e pontuar o máximo a cada turno. Apesar de ser um jogo em que todos os jogadores são oponentes, é possível jogá-lo sem dar ou levar bloqueios em suas ações, dependendo do número de participantes presentes na partida. Sua arte, apesar de bela, não apresenta uma paleta de cores muito atraente, porém sua diagramação funciona perfeitamente e não confunde suas ações. Possui um tempo médio de duração de partida, dependendo claramente do quão entrosados são os jogadores da mesa. É um bom jogo para se ter na coleção.” (Heloisa Fernandes, @lola_Fernandes, A condessa de vermelho)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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