Feld foi a minha primeira paixão nos Boardgames. E isso é mais engraçado ainda pelo fato de que eu não gostei do primeiro jogo dele que eu joguei (Oracle of Delphi). Mas meus amigos falavam tanto do jogo que eu meio que me senti obrigado a compra-lo quando fiz minha 1ª viagem internacional após já estar no mundo dos boardgames. E nessa mesma viagem, vieram também na mala o Aquasphere e Bora Bora. Pouco tempo passou e eu já tinha incluído na minha coleção outros 10 jogos do autor. E logo em seguida fui buscar outros jogos que caem no mesmo gênero de euro médio: Orleans, Viticulture, Le Havre, Marco Polo, Waterdeep, Troyes, Russian Railroads, Lorenzo il Magnifico e muitos outros fizeram parte da coleção.
Mas do mesmo jeito que todo mundo começa a tomar Skol antes de migrar para Colorado, eu comecei, com o tempo a notar que os euros médios, assim como Skol, Brahma e Antártica, tinham mais ou menos todos o mesmo gosto. E é mais engraçado que essa contastação foi descrita,
ao vivo e a cores no meu blog. Foi jogando Merlin que eu notei que uma mecânica sozinha não garantia minha diversao por mais que três ou quatro partidas. Elas simplesmente começavam a ficar parecidas demais uma com as outras depois disso. Eu já tinha pegado as principais estratégias e agora era só navegar dentro da variedade do setup do jogo para me adaptar a qual delas fazer. Eu tinha a eterna sensação de estar jogando sempre a mesma partida.
Mas não se engane, eu ainda curto os euros médios, só não faço mais questão de tê-los, nem diferencio tanto a experiencia entre a maioria deles (há excessões). Me chame para jogar Newton, Coimbra ou Lorenzo e eu vou feliz da vida, mas são poucos desses que eu me vejo querendo jogar inúmeras vezes como tenho vontade de fazer com meus jogos favoritos. E por isso, cada vez menos, esses jogos passaram a ficar na minha coleção.
E com o meu gosto foi mudando eu fui percebendo outra característica nos jogos. Em geral, os jogos clássicos, atemporais, que existiam 20 anos atrás e ainda estão presentes e modernos hoje em dia tinham, em geral, uma característica em comum: a interação.
Veja bem, há quantos anos existe o Xadrez? Mil? Dois mil anos? E por mais que você possa dizer que a estratégia do Xadrez é dominar o meio do tabuleiro, não é como se existisse apenas uns 2 ou 3 caminhos para fazer isso.
A interação então adiciona ao jogo um fator imprevisível, que é o fator humano. E as vezes não importa apenas maximizar a sua estratégia individual mas você precisa se adaptar ao que a mesa está fazendo. Por exemplo, se no Tikal o melhor é garantir uma pirâmide 9 para chamar de sua mas a pirâmide mais alta está infestada de meeples dominando ela, talvez o melhor seja dominar sozinho pirâmides mais baixas. Não existe resposta certa ou estratégia certa, o importante é saber ler a mesa e se adaptar.
E não é a toa que Tikal, Méxica, El Grande, Brass e Endeavor (sim, Endeavor, talvez o jogo mais subestimado que exista no Brasil) existam aí até hoje e são relançados e voltam a fazer sucesso. Torres!!!! Por favor, joguem Torres!. E Age of Steam gente? Jogo de 2002, super simples, relançado num Kickstarter de enorme sucesso e voltou com tudo, tendo novos mapas lançados e esgotando por onde passa. Um dos melhores jogos que conheci no último ano. Azul é o novo clássico dos boardgames. Alguém duvida que ele será jogado por anos? A interação é o que faz com que um jogo tão simples e visto como família como Carcassone possa ser disputado em nível expert e com campeonato mundial. Demorei anos para conhecer o Carcassone e quando fiz, já no meio da pandemia, me encantei pelo jogo. Mesmo já tendo jogado mais de 500 outros, Carcassone se destacou para mim.
Gente, vocês já jogaram Vanuatu? É um euro. Mas a tensão de ter de escolher/planejar sua ação mas ter disputar a ordem delas com os outros jogadores é a emoção que eu, particularmente, busco num jogo de tabuleiro. E quando o jogo é de 2 jogadores então, interação é tudo.

Eu costumo dizer que jogar um jogo exclusivo para 2 jogadores é como jogar Tênis. Você quer controlar o adversário. Quem tem o saque quer fazer o outro jogador correr atrás da bola enquanto quem está recebendo quer achar uma maneira de reverter esse controle no meio da jogada. E a partir do momento que você consegue colocar seu adversário num ponto onde ele deixa de jogar o jogo dele para reagir e tentar te impedir a fazer o que você está fazendo, o controle é seu. É essa sensação que eu tenho jogando Twilight Struggle ou 1960: The Making of a President da GMT. Que carta eu vou jogar agora, ou que região eu vou conquistar agora que eu obrigue ao meu adversário deixar de fazer a jogada favorita dele para tentar contra-atacar a minha jogada? O que eu posso fazer para que ele pare de agir e comece a reagir.
E eu entendo que muita gente sente prazer em quebrar um algoritimo e otimizá-lo no limite máximo. E tem um prazer enorme em jogar o jogo solo-multiplayer e comparar o resultado no final do jogo para ver quem ganhou. Jogos com interação não deixam de ter problemas. Você pode ser o melhor jogador e otimizador de estratégias mas se duas pessoas juntarem em você num jogo é possível que você perca mesmo sendo o melhor. Isso acontece. E nem todos curtem isso. Eu entendo isso! Eu também sinto prazer em jogar euros multiplayer solitaire. Mas talvez por isso, para os euros de baixa interação eu tenha preferido desviar meu foco um pouco mais para os pesados, onde os algorítimos e as variáveis são mais complexas e não dá para dominá-los em 3 ou 4 partidas apenas, garantindo a rejogabilidade mais longa desses jogos.
E vamos deixar claro algumas coisas. Há obras primas nos euros médios. Eu ainda amo Macao, Bora Bora, Aquasphere e Burgundy do Feld. Também sou viciado em Russian Railroads e tenho virado fã dos jogos do Tascini (Teotihuacan, Tzolkin, Tekhenu). Se o euro traz uma variação tática grande eu curto mais pelo desafio não só de fazer o melhor, mas o melhor com o que a situação exata me dá. Só que o limite de novos jogos desse tipo já deram pra mim. Ou inventam um worker placement que eu ache melhor do que Russian, ou eu vou ter só Russian Railroads desse estilo na minha coleção. Para que eu vou ter 2 se há um claramente melhor que o outro?
E vamos deixar claro, nada impede que um euro médio tenha um pouco de interação. Já falei do Vanuatu aqui e Fábio Lopiano está ai para provar isso. Em Calimara, Ragusa e agora com Merv (que talvez seja o melhor dos três) ele tem colocado a digital dele no jogo que é, o que cada jogador faz interfere com todos no futuro do jogo.
Então, que me desculpem os amantes de Feld e de Uwë, mas são Kramer e Kiesling o que a Alemanha nos deu melhor!
LPP, o Red Meeple: Apesar de ser conhecido por ser Eurogamer e apreciador de jogos mais complexos, não dispensa uma partida de filler ou jogos divertidos e de curta duração. Começou com Catan, jogou muito Munchkin mas até hoje é conhecido por 2 coisas: jogar sempre de vermelho e ter escrito o Guia de Twilight Imperium.