Raphael Lohan::Sou bem novo nesse hobby, comprei meu primeiro Eldritch Horror no início desse ano, mas gostaria de dar minha opinião sobre o assunto também.
Entrei meio de cabeça nesse hobby, e minha coleção cresceu bastante, muito pelo fator de colecionador e também pelo fator gameplay.
É óbvio que o It's a wonderfull world está mais caro do que deveria, quase 400 lelecos por 150 cartas e um monte de cubos é imensamente desproporcional.
A grande questão é o que fazer para eles perceberem que o preço está altíssimo e diminuírem até os 200~250 que eu acredito ser o "justo". A minha resposta é a única que, a meu ver, eu posso dar de forma mais legítima possível para a empresa: Não comprarei!
Por mais que eu tenha interesse, na gameplay do jogo, na arte da caixa, no "tema", no hype, na coleção, enfim, eu não vou comprar algo se eu não concordo com o preço.
Não podemos nos deixar a mercê do preço que é imposto a nós, simplesmente temos o poder de não gastar nosso dinheiro com isso.
Se encalhar até os jogos com pouca tiragem, rapidamente eles vão redefinir uma estratégia para lançamentos aqui. E se mesmo assim eles não consigam, que outra empresa publique com preços melhores e qualidade melhor e assim vai. Nossa arma é opinião e escolha de onde gastar nosso dinheiro suado.
Caro Raphael Lohan
Em outro país, que não fosse o Brasil, ou até aqui mesmo, mas em outra indústria, que não fosse a de boardgames, eu até concordaria com você, mas infelizmente, não é esse o caso. O senso comum nos diz, que se uma editora fizer um jogo caro, e todas as pessoas deixarem de comprar o jogo, ele vai encalhar, e a editora vai ter de baixar o preço. Mas não é bem assim que as coisas funcionam, porque para que isso ocorresse, seria preciso que todas as pessoas pensassem assim, eu até acredito que elas pensem dessa forma. O problema é que, de maneira geral, os consumidores brasileiros de board games, apesar de pensarem desse jeito, não agem de acordo.
No nosso país, o boardgamer médio pensa e faz o seguinte: ele sabe que o preço do jogo está muito mais caro do que deveria. Ele sabe que a chance do jogo vir com defeito é muito grande, e que a chance da editora repor os itens defeituoso é muito pequena. Ele sabe que se ninguém comprar o jogo, incluindo ele próprio, o jogo vai encalhar e a editora vai ter de baixar o preço. Porém, apesar disso tudo, o consumidor ainda assim compra o jogo. Isso porque ele quer muito o jogo, mesmo que com as regras e componentes com erros. Porque ele quer muito o jogo em português, para jogar com os amigos que não dominam outro idioma. Porque ele quer muito o jogo e não quer correr o risco do jogo esgotar na loja e ele só conseguir comprar na mão de revendedores individuais que cobrarão muito mais caro, ou ainda, não quer correr o risco do jogo esgotar por completo e ele ficar chupando o dedo.
Assim sendo, todo mundo sabe que se não comprar o preço baixa, mas na verdade o que todo mundo quer é, primeiro garantir o seu exemplar do jogo, e que as outras pessoas deixem de comprá-lo, correndo o risco do jogo se esgotar e elas ficarem sem, para que isso tenha efeitos sobre o preço dos lançamentos futuros. Então, na verdade todo mundo quer que o mercado de boardgames se modifique, quer que os preços sejam mais razoáveis, e que a qualidade dos jogos e principalmente do atendimento na pós-venda melhore, mas desde que os outros corram todos os riscos, para que isso ocorra.
Mas, vamos dizer que uma parcela significativa de boardgamers resolva assumir esse risco, em prol da melhora do mercado de jogos. Essa quantidade teria de ser muito grande, porque a produção nacional de boardgames ainda é feita de forma muito artesanal, e pelo visto continuará assim, por alguns anos. Eu já escrevi muito a respeito de fortalecimento e expansão do mercado, principalmente através do aumento do número de jogadores. Mas a verdade é que as editoras não querem isso. Atualmente a estratégia é calcular a quantidade de unidades que o mercado absorve, para poder lançar uma tiragem menor, a um preço muito maior. Assim, mesmo que eu, você e mais um monte de gente resolva não compra o jogo, para a editora não importa, porque sempre haverá um recém chegado que vai comprar o jogo. E mesmo que ocorra do jogo encalhar, como o preço é muito maior do que o necessário para um lucro saudável, basta ir abaixando o preço gradativamente, que as pessoas vão comprar. A polêmica da vez é o "Nemesis", que acabou encalhando, porque, com um mês e meio de lançamento, você ainda consegue encontrá-lo em qualquer loja. Ma isso ocorre porque o jogo ainda está sendo vendido a R$ 950,00. Se o jogo baixasse para R$ 850,00, boa parte do encalhe seria vendido, e se surgirem promoções de R$ 750,00, certamente que a tiragem será toda vendida, apesar de todos os erros e falhas grotescas da versão nacional do jogo. Com o preço de hoje, muita gente defende que não interessa que o jogo custou R$ 1.000,00, e é necessário jogar com errata, e deduzindo algumas regras e o texto correto de algumas cartas, o que importa é que o jogo é lindo e as miniaturas fantásticas.
Por esse motivo, como eu já escrevi algures, as grandes editoras não fazem mais lançamentos, elas fazem projetos. A Galápagos não está interessada em baratear os preços, para expandir o mercado, conseguir vender mais e ganhar no volume de vendas. O que ela e as demais grandes editoras querem é continuar fazendo jogos com tiragem de 500 a 1.000 unidades, vender tudo e partir para novos projetos.
Algum tempo atrás a Grow resolveu investir em boardgames, mas a experiência teve vida curta. Isso porque a Grow é uma empresa que trabalha no atacado, ou seja, ela faz o contrário daquilo que as demais empresas do setor de boardgames, bem como o publico consumidor estão acostumados. A Grow procurar baratear os jogos, até com estratégias questionáveis (pegar o jogo mudar nome e algumas detalhes das regras, e lançar como se fosse seu, como foi o caso do War e do Risk), lançar um volume monstruoso de unidades a preços mais acessíveis, que todos podem comprar. Só para ter uma idéia, eu peguei uma matéria do portal G1 (que não é a fonte mais fidedigna, mas que dá para ter uma idéia), que tratava da força que os jogos de tabuleiro ainda tinham, apesar do desenvolvimento dos jogos de vídeo game. Essa matéria já é antiga (2013), mas dá para dar uma idéia, e acredito que o volume de vendas hoje, ainda esteja no mesmo patamar. Só para exemplificar, a matéria fala do jogo Imagem & Ação, que foi lançado em 1989, ou seja, já tem mais de 30 anos. Pois bem, a Grow vendeu 170.000 cópias, desse único jogo (nas suas várias versões), apenas no ano de 2012. A diferença é que o “Imagem & Ação” é vendido na faixa de R$ 80,00, porque se ele custasse R$ 500,00 venderia apenas um centésimo do seu volume de vendas. Não dá para ter certeza se o volume de vendas é essa enormidade toda, mas é bem provável que seja, e mesmo que fosse apenas um décimo disso (17.000 por ano), ainda assim seria absurdamente maior do que o volume de vendas de boardgames modernos.
Assim sendo, a menos que se consiga convencer um número exageradamente alto de boardgames, o que eu acho pouco provável, a não comprar jogos acima do preço e com defeitos, essa estratégia não funciona.
A estratégia coreana (dar nota “1” ao Tainted Grail, no BGG, devido a falhas na versão nacional do jogo) funcionou, porque conseguiu gerar uma comoção internacional, principalmente depois da Summon Games (editora coreana) ter taxado seus consumidores de “terroristas”. Mas acima de tudo, a estratégia funcionou, porque contou com a adesão de uma grande quantidade grande, o que é muito difícil de conseguir aqui no Brasil.
Para terminar, eu acho que não vão acontecer grandes mudanças no mercado de boardgame, porque isso não interessa para as grandes editoras já estabelecidas. Porém algumas editoras de porte médio, como a PaperGames e a Geek’N’Orcs, já estão adotando uma nova visão estratégica e investindo em bons jogos e com preços mais acessíveis, e como ótimo atendimento na pós-venda. Eu falo de jogos como o Bandido, O Santo Domingo, o Oh My Goods, o Piratas, o Unreal Estates, entre outros. Pode ser que eu esteja enganado, mas acredito sinceramente que esse será o futuro do boardgame nacional.
Um forte abraço.
Iuri Buscácio