Antes de mais nada, o Top 100 de Jogos 2020 - 1 Player Guild Brasil está rolando e termina no dia 30/09! Por favor confira as regras no post linkado e envie seus votos. Quanto mais gente votar, melhor e mais representativo será o resultado final. Aguardo vocês!
Maracaibo, pois bem, Maracaibo. É hora de falarmos sobre ele e Ana, o automa que habilita o jogo solo. Mas será uma resenha sobre mais do que minhas impressões, mas, sim, sobre a experiência que foi e está sendo esse jogo.
O antes
Adoro os jogos do Pfister.
Oh My Goods! é um super jogo em uma caixinha pequena,
Blackout: Hong Kong é um dos jogos que mais joguei em 2020,
Great Western Trail foi motivo de uma série de três artigos aqui na 1 Player Guild Brasil e também peguei o
Expedition to Newdale logo no lançamento, ainda que não o tenha estreiado. Quando soube do lançamento de Maracaibo, sabia que iria pegar esse jogo de qualquer forma, nacional ou importado. Ao saber que ele seria nacionalizado pela Meeple BR, fiquei muito feliz, pois isso me pouparia da eterna loteria da importação. Como de hábito, li bastante e assisti a vários vídeos a respeito antes de o jogo chegar por essas bandas. As diversas comparações com o GWT deixaram minha curiosidade muitíssimo aguçada, sobretudo porque Pfister incluíra um modo solo oficial de saída. O jogo foi muito bem avaliado, muita gente colocando-o acima de
Mombasa e GWT por uma série de motivos, o que fez com que a decisão de pegá-lo fosse cada vez mais consolidada.
Logo que foi anunciada a pré-venda, não hesitei. Escolhi uma loja de confiança, que oferecia frete e sleeves grátis pelo valor do jogo, e fiz a compra, sequer imaginando que a primeira tiragem se esgotaria rapidamente. Assisti a mais alguns vídeos de regras, li o manual com o intuito de aprendê-lo, muito mais do que ter um certo feeling do jogo. Dali a algum tempo, veio o email confirmando o envio. A ansiedade era gigante nessa altura.
Antes de o jogo chegar aqui em casa, comecei a ler alguns posts sobre a qualidade dos componentes no jogo. Fui ao BGG e notei que queixas semelhantes também eram citadas nas cópias gringas. Minha ansiedade se transformou imediatamente em apreensão. Por um acaso do destino, viajei num fim de semana e o jogo foi entregue aqui em casa justamente no dia em que eu viajara, ficando aqui por uns 4 ou 5 dias me esperando. Foi um martírio a espera, lendo os posts e imaginando o pior.
Abrindo o jogo, conferindo o material e ponderando o que fazer
Logo que voltei de viagem, a primeira coisa que fiz, antes mesmo de desarrumar minhas malas, foi abrir o jogo e dar uma geral em tudo.
Primeiramente, as cartas tinham uma discretíssima variação na tonalidade dos seus versos, mas nada que interferisse no gameplay. Salvo por uma carta promo, que tinha o verso errado, as demais tinham esse senão, que nem considero um problema. Seria preciso um supercomputador humano, capaz de memorizar carta a carta, para que isso eventualmente interferisse com o gameplay.
Em segundo lugar, os punchboards foram realmente ruins. A qualidade dos cortes era, na melhor das hipóteses, tosca. Tomei o máximo cuidado em destacar as peças, mas as redondas (moedas e tokens de sinergia) foram muito complicadas. Uma delas destacou o papel completamente, mas consegui resgatá-lo com cola de uma forma que (modéstia à parte) ficou perfeito.
Em terceiro lugar, o tabuleiro era bem OK, nada excepcional e nada que interferisse com o gameplay, porém a impressão e o papel é que eram meia-boca. Isso vale também para a caixa. Nada louvável, mas bom o suficiente.
As peças de madeira, por sua vez, eram todas excelentes e não suscitavam qualquer problema.
No frigir dos ovos, Maracaibo até podia ser um jogo com um gameplay de 400 reais, mas era um produto com qualidade bem abaixo disso. Ao perceber a repercussão negativa, a Meeple BR soltou um comunicado evasivo, se dispondo a repor as peças que não estivessem adequadas, inclusive a promo com verso errado. Não fariam mais do que a obrigação deles, que fique claro. A essa altura do campeonato, já havia decidido ficar com minha cópia do jogo, pedindo só a reposição dessa carta. Não era justo com o lojista, que havia comprado gato por lebre da mesma forma que eu. Além disso, assim como o
Black Angel, Maracaibo era um dos jogos que eu mais esperava em 2020.
Sinceramente, achei o comunicado inicial muito ruim, desrespeitoso até um certo ponto. Esperava mais deles, ao menos um pedido de desculpas e o reconhecimento dos erros. A repercussão, que já não era boa, ficou ainda pior. Umas 2 semanas depois veio um comunicado melhor, sob a forma de uma “entrevista” com o proprietário da Ludens Spirit, falando das dificuldades de se produzir o jogo no Brasil. Isso não minora os erros de produção, mas é melhor serem honestos do que não o serem. Me dei por satisfeito com isso, mas não havia esquecido o tempo que havia passado e aquele comunicado inicial.
Procurei ter uma postura equilibrada a respeito da situação e, o que vou dizer, pode ser dito sem nenhum conflito de interesses. Acho a Meeple BR uma boa editora, uma das melhores do nosso mercado. Trouxe alguns ótimo jogos, com boa produção e a um custo razoável. Não acredito que sejam desonestos ou que o tenham feito de propósito, são tão jogadores e participantes da comunidade quanto cada um de nós. Embora não conheça nenhum deles pessoalmente, eles tem crédito comigo e continuam tendo, mas essa do Maracaibo foi uma bola fora pela qual eles pagaram e pagarão um preço alto junto à comunidade. Para mim, o aprendizado foi a desconfiança. Não comprarei jogos deles em pré-venda, o que não significa que não os comprarei jamais. Apenas estarei naquela segunda leva de pessoas que procuram os jogos. Não sei ainda se isso é regra, mas os
early adopters do board game se ferram.
O que passou, passou. Agora é olhar adiante e esperar os próximos lançamentos para ver se alguém (jogadores e editoras) se salva.
Ao que interessa: o jogo (principalmente o jogo solo!)
Se quiser ter uma noção geral das regras do jogo, recomendo muito o vídeo do Romir. Foi através dele e da leitura do manual que peguei as linhas gerais de como jogar. Por aqui falarei mais de minhas impressões a respeito do gameplay.
À primeira vista, Maracaibo me pareceu um euro meio travado, cheio de pequenos detalhes, muito a exemplo do que percebi com o Black Out, também do Pfister. O vídeo do Romir, muito didático, reforça essa ideia, pois são muitas regras e coisas a se observar. Todavia, quando o jogo foi para a mesa, após a primeira ou segunda partida, fluiu muito bem. A despeito de, de fato, haver muitas regras, elas são bastante intuitivas e a iconografia ajuda muito uma vez compreendida. A arte do jogo e o layout do tabuleiro ajudam bastante a tornar essa uma experiência tranquila.
O jogo é cheio de combos, possibilidades infinitas de combinar cartas, formas de pontuar diversas e inúmeros caminhos para a vitória. A rejogabilidade é assegurada pelo vasto universo de cartas e peças que tornam o setup altamente variável, fazendo com que uma partida jamais seja igual à outra. Talvez seja apenas impressão minha, mas jogos com trilhas de pontos costumam ser mais atrativos que aqueles que não as possuem, pois você vê aquela corridinha de pontos rodada a rodada e isso dá uma fissura danada! A construção do tableau de cartas, formando uma máquina de otimização de ações e produção de pontos, dá um excelente elemento de engine building a esse jogo.
O modo solo lembra muito aqueles desenvolvidos pela Automa Factory, para jogos como Viticulture, Scythe e Projeto Gaia. É um “automa” guiado por cartas, batizado de Ana. Em essência, esse automa funciona como um timer, impedindo que você fique realizando ações infinitas, disputa os elementos esgotáveis (ex.: espaços de ação, fichas de missões, cartas no display) e gera pontos de vitória, impondo ao jogador a referida pressão da corrida de pontos. Ele é bastante fácil de se manusear, tem regras claras, consome pouquíssimo do tempo de jogo e tem bom escalonamento. Joguei partidas em todas as dificuldades e acho ele realmente bem balanceado. Um ponto muito positivo é que a forma como o automa é construído impede que o jogador tome decisões por ele. A única delas na qual o jogador tem que gastar um pouco mais de tempo é a ação de combate, mas ela é suficientemente parametrizada para que o automa faça suas escolhas independentemente dos desejos do jogador.

Player board da Ana com seu baralho ali do lado.
Maracaibo pode ser jogado de três formas diferentes: 1) numa espécie de modo campanha, com um deck de cartas que conta uma história e te permite tomar algumas decisões; 2) você pode escolher um capítulo ou parte da estória específico para jogar; 3) como um jogo sem qualquer campanha ou estória. A experiência é bacana em todos, mas acho que Maracaibo, sobretudo em seu modo solo, brilha sobremaneira na primeira forma. A estória que se conta não é lá tão interessante, mas traz um elemento muito divertido e lúdico ao jogo, o que melhora ele muito, pois as mecânicas não são lá tão integradas ao tema, como é o padrão em outros jogos do Pfister. Fiquei com vontade de jogar várias partidas em seguida só para ver o que aconteceria. Um elemento que gostei bastante foi a modificação do tabuleiro do jogo pela sobreposição das peças legacy. Isso dá um novo ar a ele, achei realmente uma ótima solução de design. Por outro lado, não gostei de perceber que minhas opções estratégicas (ex.: o tableau que você construiu) e o resultado das partidas (quem ganha ou perde) fazem pouca diferença para a evolução do enredo. Na prática, tanto faz o que acontece, basta que os requisitos da carta sejam cumpridos para que você parta para a próxima parte da narrativa. Você também não leva nada de seu tableau de uma partida para a outra, o que muitas vezes torna seus esforço fúteis. Pfister tentou fazer algo que o
Pandemic Legacy: 1ª Temporada fez de forma primorosa, mas ainda não acertou a mão. Um outro ponto negativo é a rejogabilidade limitada do modo campanha. Dificilmente você retornará à história uma vez que a tenha terminado, o que acontecerá em 10-12 partidas, aproximadamente. Quando isso acontecer, você terá a opção de jogar partidas fora do modo estória ou um capítulo específico ao seu bel prazer, mas, honestamente, isso provavelmente não ocorrerá. Isso faz com que Maracaibo possa vir a se tornar um jogo experiência, como foi o Black Out para mim. Finalizada a campanha solo, não senti mais necessidade de mantê-lo na coleção. Nesse contexto específico, acho que Great Western Trail oferece uma experiência superior ao Maracaibo e é um jogo com maior poder de permanência, tanto que nunca pensei em vender o meu. O Pfister já está trabalhando em uma expansão, provisoriamente chamada de Uprising e pode ser que isso aumente a vida útil desse jogo. A verdade é que o sistema por ele proposto pode realmente ser expandido em muito, mas se isso será o suficiente para preservá-lo, só o tempo dirá.
Tive a sensação de que o automa parece melhor adaptado ao modo estória e reitero isso. Quando as peças desse modo de jogo entram em campo e você adiciona essa camada de demandas ao seu jogo, fica mais difícil observar a melhor forma de bloquear e impedir o automa de disparar na sua frente. É muito curioso como esse elemento modifica o gameplay. Ademais, o fato de você poder jogar contra um deck de cartas assegura que você consiga de fato terminar a campanha.
Final de uma das minhas partidas no modo campanha. Eu e Ana empatados aos 170 pontos. Muito disputado!
No geral, fiquei com uma sensação excelente jogando Maracaibo e ela adveio justamente de minha familiaridade com outros trabalhos do Pfister. Diferentemente do Stefan Feld, que tem jogos drasticamente diferentes entre si, Pfister me lembra muito o Uwe Rosenberg, que, entre um jogo e outro, reaproveita e refina mecanismos visando aprimorar uma linha geral de pensamento e conceitos de design que parecem permear toda sua produção. Há elementos que lembram seus outros jogos, como as cartas multiuso, que remetem ao Oh, My Goods!, o infindável carrossel ou rondel de ações de Great Western Trail, a pontuação por maioria que se vê em Mombasa e Black Out: Hong Kong. Essas reminiscências fizeram com que o aprendizado do jogo e as partidas fossem particularmente confortáveis para mim.
Maracaibo é um jogo de primeira grandeza, com muitos elementos elogiáveis e um modo solo muito bem implementado e que recomendo. Infelizmente houve muito ruído no momento de seu lançamento aqui no Brasil, o que contaminou a experiência de muita gente. Não se deixem enganar por isso e desprezar esse grande jogo. Se não quiser uma dessas cópias da versão “é o que tem para hoje”, espere um pouco que esse vai ter reprint em algum momento no futuro. Acho que o pessoal da Meeple BR aprendeu a lição e veremos isso com o tempo, com a ações pragmáticas que reparem os erros cometidos nesse caso e com os próximos lançamentos.
Se você gostou desse texto, não se esqueça de clicar no botão de curtir aqui em baixo. Inscreva-se no canal para acompanhar as próximas postagens e confira os outros que já estão disponíveis.
E lembre-se: TOGETHER, WE GAME ALONE!
Resolvi colocar um adendo ao texto após ter terminado a campanha. Ao total foram 13 partidas e há alguns pontos que precisam ser mencionados:
- A irrelevância do resultado da partida para o avançar da história é realmente acachapante, uma total desconexão entre a mecânica e ela. Ademais, a Ana em nada contribui para esse avanço, de modo que isso depende exclusivamente do jogador. Isso faz com que o jogador tenha que priorizar avançar a história ou pontuar, muito difícil conseguir as duas coisas simultaneamente. Em um determinado ponto, com a campanha mais adiantada, me cansei de fazer as ações necessárias para que a novelinha passasse para seu próximo capítulo e o jogo ficou um pouco chato, devo confessar. Aí entrei no território perigoso de começar a querer impor house ruling de que a história avançaria independente do que eu fizesse, mas não fiz isso. Era apenas o cansaço.
- Ao total, joguei 20 partidas do Maracaibo, o que provavelmente fará dele meu jogo mais jogado de 2020. Havia mencionado no texto os Blackout: Hong Kong feelings e de fato eles se fazem presentes. Apesar de ser um bom jogo, acho que explorei tudo que o jogo pode oferecer e me dou por satisfeito, foi uma ótima compra, mas não será mantido na coleção. O tempo irá mostrar se eu me arrependerei e se eu vou querer pegar esse jogo novamente, mas provavelmente isso não acontecerá, como não aconteceu com o Blackout. Se alguém me chamar para jogar uma partida despretensiosa, topo na hora e ficarei muito feliz e satisfeito.