“Um salto de fé” ou “Libertar-se do controle”: o papel da sorte nos dados e cartas
Outro dia escrevemos sobre o fator sorte nos jogos. Algumas pessoas gostam, outras não. Parece uma questão de simples gosto, né?
O fator sorte é presente em maior ou menor grau nas rolagens de dados e também nos baralhos de eventos aleatórios, ainda que mitigados, como no Pandemic, onde depois de um tempo você meio que sabe o que vai vir, mas não em que ordem.
Ultimamente estava pensando sobre o design de jogos, e hoje surgiu uma epifania. Tenho a impressão de que o fato de algumas pessoas gostarem justamente dessa dependência da sorte é, na verdade, uma forma de se satisfazer de uma forma mais simples.
Um dia estava jogando Lisboa, que achei muito legal, mas não quis jogar de novo. Tinha tantas coisas para fazer, e cada pensamento ia longe: tinha o clero, os decretos, o engenheiro, o barco, as cartas, a influência, o dinheiro, os barcos, a mudança de época, a influência, as linhas e colunas nas ruas, os prédios públicos… Era um quebra cabeças gigante. Só que para mim, foi gigante demais. Tinha horas que eu parava e me pegava num vácuo… meio que cansado de pensar, eu ficava desperdiçando tempo sem realmente fazer estratégias. Depois troquei o Lisboa pelo CO2, do mesmo autor e no mesmo estilo, só que um pouco mais leve, com o tema um pouco mais nítido nas mecânicas. Adorei, e ainda adoro. Ele é um quebra-cabeças uns 20% mais leve, e caiu no meu gosto perfeitamente.
Aí tem jogos como o Pandemic, Oh My Goods, Black Orchestra e outros, com cartas de evento ou dados. Eles ainda têm profundidade estratégica. Mas o que eles fazem, que os tornam mais leves, rápidos e, sim, emocionantes, é que você só pode decidir até certo ponto. O resto fica na responsabilidade da sorte / dados / baralho. E isso nos dá satisfação por remover a alta complexidade e proporcionar uma solução mais simples, no estilo zen.
Lembrei da cena do salto de fé, que costumo inclusive comentar nos cursos de meditação, do filme Indiana Jones (cena de 45 segundos):
O que gostamos é da simplicidade e fé
Sinto que o que queremos fazer é pensar um tanto, fazer o possível, mas, antes de ficar uma paralisia incapacitante e complicada, de tanto pensarmos em diferentes possibilidades, o jogo fala para você: chega de pensar! Deixa comigo que eu dou continuidade.
Ou seja, gostamos é da simplicidade que esse fator sorte traz. Libertar-se da ilusão de controle é uma forma de deixar de se sentir completamente responsável por tudo - que é uma estratégia exclusiva da mente - e passar a considerar a realidade mais global, que involve coisas além do que conseguimos enxergar hoje (pense no microscópio: antes, certas coisas eram consideradas invisíveis. Agora, são visíveis. Fazemos progresso inclusive na nossa capacidade de compreensão das coisas). Distanciar-se da noção de responsabilidade completa nos abre um novo mundo.
É como na vida - planejamos, decidimos… mas só até um certo ponto! Só teremos satisfação se entregarmos tanto a ação quanto o resultado final ao Dono e Criador de nós, daquela ação e do resultado também. Como disse a famosa frase:
Deixe que os seus pensamentos fluam além de você, serenamente;
Como sempre um bom texto e reflexão coerente. Vi e acredito ter comentado no seu post anterior, já que o tema me interessa. A sorte em jogos corresponde a aleatoriedade das variáveis incomensuráveis do universo, sendo que nada está sobre controle absoluto e assim é preciso saber lidar com o acaso.
Antes de conhecer os jogos modernos meu jogo preferido era o Gamão (Backgammon) e lembro que, na explicação de sua origem se enfatizava, a sorte é um elemento que integra a vida e se expressa pela falta de controle sobre o mundo, mas a decisão do que fazer diante das possíveis escolhas definirá o seu destino; você pode ser conservador ou audacioso, mas o caminho do meio é saber quando cada uma dessas escolhas é mais coerente, e é preciso estar preparado para trabalhar bem o sucesso em cada lance ou imediatamente pensar na recuperação do fracasso.
Sr Ze::Como sempre um bom texto e reflexão coerente. Vi e acredito ter comentado no seu post anterior, já que o tema me interessa. A sorte em jogos corresponde a aleatoriedade das variáveis incomensuráveis do universo, sendo que nada está sobre controle absoluto e assim é preciso saber lidar com o acaso.
Antes de conhecer os jogos modernos meu jogo preferido era o Gamão (Backgammon) e lembro que, na explicação de sua origem se enfatizava, a sorte é um elemento que integra a vida e se expressa pela falta de controle sobre o mundo, mas a decisão do que fazer diante das possíveis escolhas definirá o seu destino; você pode ser conservador ou audacioso, mas o caminho do meio é saber quando cada uma dessas escolhas é mais coerente, e é preciso estar preparado para trabalhar bem o sucesso em cada lance ou imediatamente pensar na recuperação do fracasso.
Muito legal, Zé! Muito bonito! Mesmo!
Inclusive suponho que o gamão deve ter sido inventado na Índia, para ir devagarzinho caminhando para o oeste.