City of the Big Shoulders é um dos grandes lançamentos do ano, bastante aguardado e com uma recepção excelente pela crítica. O jogo criado pelo designer Raymond Chandler III e lançado pela sua própria editora, a Parallel Games, já tem sido considerado por muitos um dos melhores do ano. Mas o que causa toda essa hype pra um jogo super pesado e que não teve uma campanha de financiamento tão significativa quanto da maioria dos jogos? Bom, vamos lá…
CotBS (nome abreviado que a comunidade já criou) é um euro com um mix de ideias que o faz flertar com um outro gênero de jogos, os
18XX (aqueles jogos de trens bastante pesados, que envolvem
stock market e colocação de
tiles, que criou um hobby completamente distinto dentro dos
board games). Os
18XX tem um enorme apelo pela completa ausência de sorte no jogo, dependendo somente das decisões dos jogadores, sua gestão do dinheiro pessoal e do dinheiro da empresa, do momento certo de fazer cada coisa. Mas os jogos dependem muito da “malícia” dos jogadores experientes, aquele fator conhecido como
mean, ou seja, da possibilidade de fazer uma jogada maldosa pra prejudicar diretamente o outro jogador. Todo esse fator não existe em
Big Shoulders.
Porém, euros que brincam com a ideia de
stock market não são novidade. Onde
CotBS se aproxima dos
18XX é na resolução da fase de operação das empresas. Aqui, ao invés de companhias de trem tentando gerar lucros com as ferrovias, somos gestores de diversas fábricas da Chicago na virada do século XX, à beira da
Grande Depressão. Os jogadores usam seu dinheiro pessoal para comprar ações das empresas. As empresas, por sua vez, gerem os recursos, contratam funcionários, fabricam produtos e, finalmente, vendem para gerar renda. A renda pode ser convertida em lucro ou repartida com os acionistas, o que faz com que o dinheiro volte aos jogadores.
Uma das fases do jogo é uma fase de alocação de trabalhadores em que, na sua vez, o jogador pode escolher um espaço de ação e resolve-la como se fosse a empresa a qual dirige, ganhando os benefícios para aquela empresa. Como o jogador pode ser o diretor de diversas empresas diferentes, cabe a ele escolher por qual delas ele está fazendo a ação. O interessante dessa fase é que os espaços de ação são definidos pelos próprios jogadores na fase anterior, quando colocam no tabuleiro central um tile com uma nova ação a cada rodada. Os
tiles das rodadas anteriores permanecem na mesa, fazendo com que em rodadas futuras existam mais opções. É nessa fase que se contratam os funcionários (peões, gerentes e vendedores) e também quando se pode ganhar apelo comercial para a empresa, entre outras coisas.
Outra fase do jogo exige que os jogadores compram os recursos, conforme estes estejam disponíveis para, então, produzir os produtos. No tabuleiro central também existe uma área de demanda e é ali que o jogador deve entregar os produtos, vendendo por um preço específico para cada fábrica, ganhando um bônus se possível e lucrando para a empresa. No geral, vale mais a pena repartir os lucros com os acionistas pois a ação da empresa irá valorizar, do contrário, manter o dinheiro para a empresa fará a ação cair. Ao longo do jogo, várias situações podem acontecer e as ações irão flutuar bastante. Saber gerir isso é o segredo do jogo.
Ao se aproximar do final do jogo, que é jogado em 5 rodadas representando 5 décadas, o mercado vai ficando mais concorrido, decido à proximidade da
Grande Depressão, que fará os preços caírem e as demandas diminuírem. Com isso, você precisa ficar atento ao que as empresas vão conseguir cumprir na última rodada e quais ainda vão conseguir se valorizar. Ao final, os jogadores então recebem os lucros de suas ações e o jogador com mais dinheiro vence.
Em suma, de forma bem simplista,
City of the Big Shoulders mistura elementos dos
18XX com jogos econômicos pesados, notavelmente com influência do
Arkwright, e dos jogos da
Splotter Spellen como
Indonesia e
Food Chain Magnate, mas também de jogos de alocação de trabalhadores. O mais incrível do jogo, a meu ver, é que ao flertar com esses estilos e gêneros, ele consegue pegar o melhor de cada um, colocar num jogo de certa forma mais simples e mais leve que os originais e ainda assim interessante e diferente o suficiente. Pra quem gosta dos
18XX pode ser que falta alguma coisa, principalmente por não haver a parte de controle das ferrovias e a “sacanagem” de travar o crescimento de outro jogador e o famoso
dumping (se quiser entender mais sobre os
18XX e sobre a estratégia de
dumping, deixe uma pergunta nos comentários). Para os fãs de econômicos, o jogo talvez seja mais pesado e com muito mais ênfase na otimização da produção do que no ganhar muito dinheiro (as companhias normalmente terminam o jogo com muito dinheiro sobrando o que não é nada lucrativo pra nenhum dos jogadores). Mas pra quem procura um jogo no meio termo que seja quase que um passo inicial para qualquer um dos dois gêneros,
CotBS é o caminho.
Pra mim, que sou
eurogamer, o jogo é perfeito por justamente me deixar nesse ponto, que é onde quero ficar. Não tenho interesse por me aprofundar nos
18XX, nem nos
Splotter (gosto dos jogos, mas acho ainda muito punitivos).
City of the Big Shoulders foge de deixar o jogo maldoso ou punitivo só pra se encaixar no gênero e foca em ser um bom euro com boas ideias. Mesmo que essa não tenha sido a ideia inicial do autor, que queria muito um jogo parecido com os
18XX e o vendeu assim. Acredito muito que a distância pros
18XX é justamente o que faz o jogo brilhar.
Big Shoulders chegou e ganhou lugar cativo na coleção. Já foi pra mesa 2 vezes (eu já tinha jogado uma terceira ainda com o
PNP) e certamente virou um dos meus econômicos favoritos, se não o favorito. Um jogo com classe, com boas regras, ótima jogabilidade, gostoso e desafiador que não precisa evocar o seu lado mais maldoso pra te fazer ter a satisfação de uma ótima e lucrativa jogada. Uma aula de design. Um dos melhores jogos de 2019 e sério candidato ao meu top 10 da vida.
*** Este texto foi publicado em 08 de setembro de 2019 no nosso canal no Medium.
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Veja também, aqui no Ludopedia:
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Review: Museum
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Review: Crystal Palace
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Review: Crown of Emara
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Review: The Taverns of Tiefenthal
E ainda a lista com o
TOP 25 do Butilheiro (jan 2020), que já inclui
City of the Big Shoulders e outros lançamentos de 2019.