Quem lê meus textos aqui no canal percebe o quanto eu gosto dos jogos da Stonemaier Games e, mais do que isso, dos modos solo da Automa Factory. Tenho todos, já joguei todos e também me dei ao trabalho de fazer reviews da grande maioria. Posto isso, quando
Tapestry foi anunciado, era nítido e evidente que pegaria uma cópia. Não acho que o hype tenha me contaminado, definitivamente. Eu iria atrás desse jogo de um jeito ou outro, dado meu histórico com os outros jogos da empresa. Encomendei ainda na pré-venda, para aproveitar o preço melhor e fiquei feliz quando o jogo chegou aqui em casa no prazo dado pela Grok.
Neste momento, aperto um pause e, em seguida, o rewind.
O Jamey Stegmaier trabalha muito bem o pré-lançamento de seus jogos através das mídias sociais e do BoardGameGeek. Ele sabe muito bem usar essas ferramentas. O jogo ficou um tempão no topo da lista de hotness do BGG. Nos EUA, já de saída, a primeira tiragem de 25 mil cópias, já estava vendida. Isso só para o mercado americano, sabe-se lá mais quantas em outros idiomas. Ouso dizer que pelo menos umas 50 mil cópias ele deve ter vendido de cara. Isso dá uma idéia da capacidade dele de trabalhar a pré-venda.
Isso tudo apesar do preço. Isso tudo apesar das críticas. Isso tudo apesar do jogo nem ter saído.
Agora voltemos ao tempo presente.
Logo que o jogo chegou aqui em casa, o primeiro contato me mostrou tudo aquilo que eu gostava num jogo da Stonemaier. Produção impecável, componentes de qualidade absurda. Os playmats eram bons, papel mais grosso sem ser cartonado (o que é suficiente), as cartas eram boas (arte agradável e gramatura boa) e as miniaturas e marcadores eram muito bons. Com produção desse nível, os jogos dessa empresa apelam muito para o
toy factor, aquela vontade nossa de mexer com um brinquedinho. O apelo visual e táctil de Tapestry é impressionante.
Setup inicial do jogo solo.
Os manuais, em papel com textura de linho, são super curtinhos e a Grok acertou na tradução, não havia nenhum erro grosseiro. As regras são bastante simples, de modo que uma leitura rápida permite logo começar a partida. Embora tenha alguma dependência de idioma, Tapestry conta muito com sua iconografia, que rapidamente torna-se bastante intuitiva. Para auxiliar nesse processo, o jogo vem com dois player aids muito bons, que explicam com detalhes cada uma das ações. Isso, combinado ao manual, dá uma boa idéia de tudo. Como em todo cenário, as primeiras partidas tenderão a ser mais travadas, mas isso melhora rapidamente.
Agora vamos direto ao que interessa: o modo solo.
Em termos de componentes, o modo solo de Tapestry tem um manual a parte, com tamanho parecido com o do jogo base, além de um punhado de cartas (aquelas que determinam a ação dos bots, suas civilizações, ações durante o turno de renda e as de ajuda) e um playmat para o Automa. Nesse modo de jogo, nossos oponentes são um Automa e contra e o Império das Sombras, uma espécie de pseudo-automa.
Cartas de decisão e progresso do modo solo, observem o esquema de duas cartas.
Playmat do automa. No canto superior esquerdo a carta de civilização dele.
Por ser um jogo com pouca interação, Tapestry é um candidato ideal para a aplicação dos princípios da Automa Approach (sempre falo nela, vale a leitura dos textos que traduzi aqui no portal). Essa interação, inclusive, em geral é positiva, salvo pelo único momento de take that do jogo que é a conquista de territórios dos oponentes, que me lembra muito o que ocorre no Scythe. Basicamente, essa interação se dá nos seguintes pontos: 1) corrida por pontos; 2) disputa pelos monumentos em cada uma das 4 trilhas; 3) disputa pelas cartas de tecnologia; 4) disputa pelas cartas de armadilha em meio às cartas de tapeçaria; 5) disputa por territórios no tabuleiro; 6) disputa por objetivos.
Através de um mecanismo bem engendrado de combinação de duas cartas, de modo semelhante aos modos solo de Projeto Gaia e ao Euphoria, as ações do Automa e do Império das Sombras contemplam todos os pontos de interação acima. O seu adversário de fato será o Automa. Ele executará a maior parte das ações que a proporcionam. O Império das Sombras serve como um suporte a ele, apertando a disputa pelos monumentos e pelo progresso nas trilhas. Seus postos avançados eventualmente são colocados em territórios conquistados pelo Automa, justamente para impedir conquistas pelo jogador.
O jogo tem seis níveis de dificuldade, os quais ainda não tive oportunidade de testar. Joguei somente no modo padrão, a dificuldade normal, que já me pareceu bastante difícil. Todavia, tendo jogado, entendo perfeitamente como serão os demais modos e não tenho dúvida de que funcionarão e de que haverá bom escalonamento da dificuldade. Adicionalmente, o comportamento do Automa variará em função da civilização por ele escolhida no setup – ele pode ser explorador, conquistador, cientista ou engenheiro. Isso interfere com alguns bônus que ele terá durante seu turno de renda.
Mas agora vamos aos fatos: eu amei odiar o modo solo do Tapestry. Vou logo começar pelo que achei ruim.
O primeiro ponto que é
MUITO RUIM (eu gostaria de destacar o negrito, sublinhado e letras em caixa alta) é o manual. Ele arruinou minha impressão inicial do jogo e quase me fez colocá-lo numa fogueira.
Apesar de Tapestry ser um jogo simples, sofri bastante com o modo solo. Ora, eu estou acostumado com os modos solo da Automa Factory. Isso nunca havia sido um problema, até ter sido. Sem pestanejar, cravo que foi mais fácil aprender o do
Projeto Gaia do que o do Tapestry. Num primeiro momento achei que era o meu cansaço recente. Talvez não estivesse entendendo bem as regras. Li e reli o manual, assisti a alguns vídeos e voltei a ele. Continuei sem entender. Fui ao BGG e vi que mais gente teve esses problemas. Para não ter dúvidas, fui direto ao manual em inglês, mas vi que a tradução para o nosso idioma estava adequada.
Creio que o motivo para isso seja a exiguidade de espaço. É muito complicado você escrever um manual de regras solo em apenas 4 páginas. O próprio Morten Monrad Pedersen
reconheceu isso. A meu ver faltaram bons exemplos e explicações mais detalhadas de alguns pontos específicos, entre os quais destaco as ações de conquista por parte do Automa. A explicação é muito sucinta, sem exemplos e deixa uma série de dúvidas. Fui obrigado a recorrer ao BGG para entender melhor esse ponto e notei que as reclamações nesse quesito foram recorrentes.
É como se o manual tivesse várias lacunas a serem preenchidas pela interpretação do jogador solitário. Veja, por exemplo, os manuais de
Scythe e Projeto Gaia. São completamente separados e bem detalhados. Um exemplo muito melhor é
SpaceCorp, que tem manual solo próprio, você sequer precisa consultar o manual de regras multiplayer se quiser aprendê-lo somente para jogar sozinho. Por fim, depois de muito tentar, tomei a medida extrema de reescrever o manual de uma forma que as coisas ficassem claras para mim, aproveitando várias sugestões do fórum. A partir daí, o jogo fez sentido para mim.
Isso me traz ao segundo ponto que eu não gostei: Tapestry é um jogo raso. Você tem que escolher basicamente entre duas ações no jogo, que são realizar um turno de renda e avançar em uma das trilhas. É só isso. Senti falta de mais textura, mais granularidade na evolução do jogo, achei minhas decisões pouco importantes. Há bastante aleatoriedade envolvida no saque das cartas de tapeçaria, tornando-o um jogo muito mais tático do que estratégico, e é difícil você realizar algum planejamento de médio-longo prazo. Também achei as civilizações pouco interessantes e, mesmo com pouco tempo de estrada, o jogo já foi muito criticado e sofreu um rebalanceamento oficial. Aliás, recomendo muito a leitura da
thread que levou a isso. É um trabalho de beleza extrema.
O terceiro ponto que eu não gostei em Tapestry foi o preço. O jogo não precisava das miniaturas. Dava para ter feito a mesma coisa com tiles de cartonado como a maioria dos jogos faz. Embora eu entenda o tipo de público que a Stonemaier está almejando e saiba que as produções deles já são deluxe por definição, acho que nesse aqui eles pesaram demais a mão. Ficou muito além do ponto. E, o que é pior, analisando-se somente a qualidade do jogo, não estou falando da produção ou dos componentes, não há justificativa nenhuma para ele custar o que está custando. Pelo valor que se paga no Tapestry, você compra o Projeto Gaia, o Race for the Galaxy e ainda sobra um troco pro lanche.
Por fim, o último ponto que eu não gostei foi a propaganda de um civ game. Esse jogo não tem nada de civ, é um engine builder com tema de civilização. O que é mais característico dos jogos de civilização mais tradicional é o aspecto de evolução, aquela coisa incremental, e isso não está presente nesse aqui da mesma forma que se esperaria. Você pode até dizer que ele é temático e tal, mas isso requer um grau de abstração que a qualidade geral do gameplay me impediu de ter.
E o que ele tem de bom? Alguma coisa? Sim, claro.
O primeiro ponto que é
MUITO BOM (eu gostaria de destacar o negrito, sublinhado e letras em caixa alta) é o manual. Ele me fez querer jogar o jogo. Na mesma semana em que recebi o Tapestry, chegou aqui em casa o
Gandhi: The Decolonization of British India, 1917 – 1947, último lançamento da série COIN. O primeiro tem uma manual de 4 páginas, o segundo tem 2 manuais bastante densos e com 100 páginas no total. Um manual de 4 páginas é bem mais acessível do que outros dois de 50. Como o jogo é simples, as 4 páginas são suficientes para você colocar ele na mesa e sair jogando. O interessante é pensar na decisão editorial por trás disso: para o mercado de hoje em dia, com essa quantidade de lançamentos, sairá na frente quem tiver atitudes mais player-friendly, como um manual curto com regras simples.
O segundo ponto que achei bom é relativo a algumas decisões bastante acertadas do game design. Tapestry é um jogo muito simples, ou seja, você pega logo como jogar! Embora tenha muita iconografia, ela é bastante intuitiva e logo você pega e não precisa consultar os player-aids mais. O jogo é uma grande salada de pontos e o fato de você ser premiado a praticamente todos os instantes da partida, ganhando pontos aqui é extremamente gratificante e, de certa forma, viciante. A gente vê isso em outros jogos de muito sucesso, como
The Castles of Burgundy e
Terra Mystica. Para mim, o fato de Tapestry ser um quebra-cabeças de otimização, acerta em cheio em todas as minhas preferências. Nisso, em particular, a aleatoriedade trazida pelos rolamentos de dados, pelo saque de cartas e pelo sorteio das peças de território faz com que ele se torne um puzzle extremamente variado e sem uma solução clara. Tem-se, pois, rejogabilidade infinita. Além do mais, isso faz com que você jogue um jogo e, ao término dele fique com aquela vontade de jogar de novo em seguida. Para se ter uma idéia, em uma única tarde preguiçosa, joguei 6 partidas em seguida, variando as civilizações e os tabuleiros de capital.
Depois de ter sofrido bastante para aprender as regras do melhor jeito possível, o modo solo se tornou muito agradável de se jogar. Tenho dúvidas sobre seu balanço, pois achei o modo normal bastante difícil, mas bem provavelmente isso é fruto de minha incompetência em trilhar os caminhos de pontuação. A manutenção do Automa não é muito importante e o único momento em que ele dará um pouco mais de trabalho é em seu turno de renda.
Aspecto final do tabuleiro do jogo em (mais) uma partida que fui derrotado...
Meu playmat e meu tabuleiro de capital ao fim dessa fatídica derrota.
Apenas uma curiosidade a este respeito, uma bobagem, se quiserem pulem esse parágrafo. Nas cartas do modo solo, a codificação de cor do Automa é azul e a do Império das Sombras é cinza. Assim sendo, para representá-los, uso os tokens azuis e brancos, deixando os vermelhos para mim. Para mim isso foi uma merda. Eu sempre jogo de azul e coloco o automa de vermelho! Toda hora eu confundo! Mas isso sou eu, não é falha do jogo!
Por tudo isso, eu amei odiar o modo solo do Tapestry. Vou continuar jogando para poder falar mal com propriedade. Não é um jogo que eu ache que vai ter vida muito longa em minha coleção, mas é um que estou ainda tendo alguma satisfação em jogar, afinal é um jogo divertido. Acho que ele funcionará melhor multiplayer do que solo, mas ainda assim e com todas as ressalvas, o modo solo é funcional e adequado. Se vale ou não o investimento em dinheiro e, pior do que isso, tempo, vai do seu critério. A meu ver, acho que há jogos que oferecem mais e demandam menos do que esse me demandou.
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E lembre-se: TOGETHER, WE GAME ALONE!