Pipeline foi um Kicstarter que passou meio despercebido para mim. Foi na mesma época do Barrage e esse prometia ser o jogo do ano (e talvez ainda seja) e então eu deixei passar. Ah, se arrependimento matasse. Enquanto Barrage ainda pode alcançar o posto agora que finalmente foi enviado e Tapestry chegou de surpresa prometendo, Pipeline já é o melhor jogo do ano e agora resta ver se ele se mantém no posto até 31 de dezembro.
Pipeline, que também podia chamar Sofrimento, The Boardgame, é um jogo econômico extremamente apertado e ao mesmo tempo com inúmeras boas opções para seguir e sem nenhum bloqueio. Parece ambíguo né? Pois é! E é mesmo.
Pipeline, é um worker placement com engine building sem bloqueio de ações. Isso significa que você pode ir na mesma ação que o colega. Parece que vai ser um jogo com uma enorme construção de motor que vai fazer 1 milhão de coisas no final, certo? Bem, é aí que o jogo te dá um tapa de luvas na cara.
Em Pipeline, há apenas 18 turnos distribuidos em 3 rodadas. Em cada turno você faz 1 ação apenas (uma segunda pode ser feito a preço quase proibitivo). E para refinar o óleo, que é o objetivo do jogo, você precisa usar um turno para comprar canos, outro para comprar óleo, um terceiro para pegar contratos, e um quarto para rodar seu sistema e um quinto para vender o óleo refinado. Você provavelmente já gastou todos os seus míseros $40 iniciais nesse momento e conseguiu, gastando mais de 25% do jogo, transformar 1 único óleo que você pagou $7 em um óleo refinado de nível 1 que vale $20. E você olha então para seu tabuleiro desolado pensando: que jogo escroto!
E então você começa a pegar empréstimo para alavancar seu jogo. Só que percebe que o custo dos empréstimos é exponencial. O 1o empréstimo de dá $15 e custará $20 no final do jogo. Mas o 4o empréstimo, lhe dá os mesmos $15 mas já irá lhe custar $60 no final. E aí? Vale a pena? Talvez valha, mas cada ação de empréstimo lhe dá o direito de pegar apenas 1, então você teria de usar 4 turnos para juntar os próximos $60 de dinheiro para fazer sua próxima máquina girar (e isso vai lhe custar um total de $140 no final do jogo) e quando você percebe, você gastou 5 turnos pra refinar 1 cubo de óleo e outros 4 pegando empréstimo. Isso são 9 dos 18 turnos!!! E pensa: por que o LPP gostou do jogo então???? Bem, vamos lá.
A primeira coisa que você pensa ao ver um jogo tão apertado e queima mufa assim é que ele vai demorar horas, com uma horrível Analysis Paralisis e aquele teu amigo demorando 17 minutos e voltando a jogada 3 vezes até passar a vez. Mas Pipeline não é nada disso. Pipeline é um jogo extremamente ágil, quase rápido, com pequenos detalhes e toques de genialidade e que, ao mesmo tempo que exige o máximo planejamento dos jogadores, ele entrega isso de forma tão rápida, que parece que tudo é simples. E aí está parte da beleza do jogo.

Uma partida de Pipeline é fluida. Como cada jogador tem apenas 1 ação no turno, a primeira metade do jogo voa. Todo mundo escolhe 1 ação, faz e é o próximo, próximo, próximo. E como são apenas 18 turnos no jogo todo, você passa o final do jogo em uma tensão tentando calcular se vai dar tempo de fazer o que você precisava. E se você foi perfeito na execução dá. Se desperdiçou ação ou dinheiro, pode ser que não dê. Na minha última partida, por exemplo, eu fiz $840 (ganha o jogo quem fizer mais dinheiro), sendo que $770 desses eu fiz na última rodada. Ou seja, até a penultima ação do jogo, eu tava faturando $70 apenas. E foi um alívio quando deu.
Outra coisa interessante de Pipeline é que, por mais que o jogo seja apertado de grana, ele tem muita opção de coisa boa pra fazer e estratégia para seguir. Você tem a impressão que quer tudo, o que faz o dinheiro parecer ainda mais escasso. Por exemplo. O jogo começa com um mercado de upgrades, que são uma árvore tecnológica de 3 níveis. Os upgrades parecem ser roubados, mas eles custam $20, ou seja, metade de todo seu dinheiro inicial. Se você comprá-los, terá um poder enorme, mas não terá dinheiro para comprar canos e óleo, que é o que lhe dará dinheiro no jogo. Eu já vi jogador abrir o jogo comprando 2 upgrades de cara por $40 e voltando com tudo pro jogo em uma pontuação altíssima. E também já vi quem não investiu em nada em upgrade e venceu, com pontuação tão alta quanto. E é aí que vem meu ponto com Pipeline.
Pipeline é um jogo de execução. Óbvio que você precisa construir uma estratégia sólida, mas o jogo vai premiar aquele jogador que conseguir executar com perfeição. Como ação e dinheiro são recursos muito escassos no jogo, você precisa, o tempo todo, otimizá-los. Nisso, ele me lembra um pouco a sensação do Le Havre. Um ponto de inflexão para jogar bem Le Havre é perceber que ação é seu principal recurso e você deve otimizar ela em detrenimento de todo o resto. Você pode tomar penalidade, empréstimo, o que for. É sempre melhor passar o jogo devendo a alma e no final fazer uma trocar de 50 bois virando carne para vender do que passar o jogo fazendo 50 ações de matar o boi pra alimentar os barcos no jogo.
As ações do jogo são simples. Você compra/vende óleo; compra tanques pra armazenar mais óleos, máquinas que irão refinar óleo, compra upgrades pra sua fábrica e roda ela. Rodar a fábrica significa refinar óleo. Para cada segmento de cano de uma cor com um certo tamanho (digamos, 5 segmentos), você move 1 cubo, em 1 nível.
É para isso que serve os tiles de canos com um certo quebra cabeça. O legal aqui é que o quebra cabeça é tranquilo. Nada que vai ser super punitivo ou gerar um downtime enorme. Aliás, tirando os últimos turnos, onde de fato o downtime aumenta pelos cálculos na cabeça da galera pra fechar os últimos contratos, o jogo roda rápido.
Outra qualidade do jogo está na sua produção e variedade de partidas. O jogo é lindo. Mais uma arte linda do Ian O'Toole (mesmo de Lisboa, Escape Plan, On Mars, Clinic) que vem se tornando meu artista favorito. Quem pegou cubinho de metal no KS então, está esbanjando. E o setup do jogo é infinito. Além da mudança dos canos e contratos disponíveis, a maior variação está nas pontuações de final de jogo. Isso por que há 1 pontuação fixa e 3 variáveis, que você escolhe dentro de um deck de opção que deve ter umas 20. E elas alteram bastante o resultado do jogo. Dessa forma, cada jogo tem estratégias bem diferentes pontuando

Outra coisa brilhante no jogo é a definição da ordem dos jogadores. Existem 4 de 10 ações que permitem você alterar a ordem que você joga na próxima rodada e isso é super estratégico no jogo. Por exemplo, se eu preciso comprar óleo e cano mas sou o último, eu posso optar por comprar Cano primeiro nos Shops, que me permite escolher em qual ordem eu jogo, me colocar para jogar em 1o e reverter a ordem do turno de forma que eu jogue 2x seguidas. E isso muda todo o planejamento de todo mundo. Teve uma rodada que eu deliberadamente escolhi jogar por último, tudo isso por que 2 rodadas depois eu queria jogar primeiro. Então, eu escolhi jogar em último na próxima para poder mexer na ordem dos jogadores por último e garantir que eu seria o 1o na rodada depois daquela. O sistema é simples, mas genial.
E o jogo é cheio dessas pequenas decisões maravilhosas. Pego um contrato simples, que vai me dar dinheiro rápido e agilizar o crescimento da minha máquina mas de pouquinho em pouquinho ou pego um contrato mais dificil, que irá me render muito mais dinheiro que irá comprar muita coisa depois? Faço minha ação ótima agora mas jogo em último na próxima rodada de novo, ou faço uma ação sub-ótima mas inverto a ordem do turno jogando primeiro e garantindo acesso a frente dos demais em um recurso escasso? E você passa então, o jogo inteiro gritando Ahhhhhhhhh pela frustação de querer tudo mas poder muito pouco. Mas ao mesmo tempo rindo e pensando... que jogo foda!
O único problema do jogo(além de não ter vermelho como cor dos jogadores), se é que posso dizer isso, é a crueldade com os novatos. Enquanto nossa pontuação de vitória já passou dos 800, é dificil ver um novato fazendo mais que 300 pontos na primeira partida. Muitas vezes, fazem na casa de 100 e pouco. Chega a ser engraçado. Ver o cara lá fazendo duzentas ações pra no final conseguir subir 1 cubo de óleo em 1 nível. Gastou tipo, 60 de dinheiro pra fazer um óleo que custou 7, valer 20 e só. Chega a dar dó!
Embora seja mecanicamente diferente, jogar Pipeline me lembrou muito a sensação que eu tive em jogar Brass. Brass também é um jogo econômico, bem apertado, extremamente estratégico, as vezes com ações que são contra-intuitivas. Mas com regras bem simples. Pipeline não chega a ter aquela interação simbiótica que brilha no Brass, mas até que tem bastante interação, mas no caso, negativa. Por exemplo, você pode não bloquear o espaço que você vai para outro jogador, mas você compra os canos que ele queria, ou os óleos mais baratos, fazendo com que ele precise, o jogo todo, readaptar sua estratégia.
Pipeline é, então, um jogo que premia o planejamento, premia a estratégia, mas acima de tudo, premia a execução de tudo o que você planejou. E, ao mesmo tempo, faz isso sem exigir que você queime demasiadamente sua mufa por 30 minutos pra fazer uma ação. O jogo pode ser um pouco pesado de estratégia ou um pouco frustrante para alguns. Pode ser que ele pareça trabalho para outros. Mas pra mim, é incrível ver como, um jogo que não tem nada de tão novo, ou inovador, consegue ser tão gostoso, simples e ao mesmo tempo extremamente desafiador de jogar. Nenhuma partida de Pipeline pra mim é trivial. Não parece haver abertura marcada, melhor ação inicial, nada disso. Pode ser que Barrage queime minha lingua. Pode ser que Tapestry seja tudo o que promete e mais um pouco. Mas verdade seja dita, quem quer que venha depois dele, vai ter trabalho para desbancá-lo.
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