Muitos jogos, por melhores que sejam, e porque sua montagem na mesa é muito demorada, nos intimidam. Até que rolemos os dados do clássico Catan (1995), dez minutos já se escoaram. E olha que a montagem de Catan nem é das mais excessivas. As de Stone Age (2008), Dogs (2013), Camel up (2014), Klondike Rush (2017) ou Colt Express (2014) a superam. E há outros, muitos outros, bem mais complexos e, consequentemente, nesse aspecto, tediosos. Quanto mais componentes e mais jogadores, de 15 a 20 minutos se gastam. Cartas para arrumar, recursos para ajeitar no tabuleiro ou à margem dele, tiles aos montes, meeples, tabuleiros individuais, moedas, cédulas, miniaturas… Haja coisa! Village (2011) já assusta na relação de componentes! Você olha, lê com assombro aquilo tudo, pensa nos minutos de pré e pós-jogo, larga o espécime na prateleira da loja e vai embora. Volta a Carcassonne (2000), Gardens (2014), Kingdomino (2016) ou Deep Sea Adventures (2014), jogos simples e realmente elegantes, ou a um bom abstrato para dois jogadores, em que a preparação é partilhada, com peças arrumadas de um lado e outro, simultaneamente.

Na verdade, se o desejo de jogar é maior que a apatia que o excesso de componentes desperta, a melhor coisa a fazer, às vezes, é pegar um card game e mandar à mesa. Nessas ocasiões – e se a decisão cabe a mim –, Exploradores (Lost Cities, 1999), do Reiner Knizia, quase não tem concorrentes. É um jogo dinâmico e sedutor, embora demasiadamente irritante.
“– Como assim sedutor e irritante? Parece contraditório…”
Bem, é um jogo exclusivo para dois jogadores, mas muito frequentemente jogamos contra a sorte ou o azar, ou então contra o próprio jogo. É, de todos os jogos de cartas que já ousei jogar, aquele em que o planejamento inicial vai embora mais subitamente, num piscar de olhos. Isso porque o ato de baixar uma carta ou descartá-la, mesmo podendo em alguns casos recuperá-la depois, e comprar uma nova, desmonta qualquer estratégia. Seu caráter punitivo faz Schotten Totten (1999), do mesmo autor, parecer um jogo aprazível e angelical, como uma xícara de chá no inverno, ou um operoso exercício de asilo para nervos em frangalhos. Mas há um grande mérito em Exploradores: é um jogo que nos ensina a primar pela contenção, a frear a euforia, sem falar que nos incita a refletir mais, impondo-nos uma extrema concentração, de modo que possamos fazer escolhas das quais não venhamos a nos arrepender, em breve.
Por outro lado, ao passo que devemos nos concentrar, corremos o risco de nos deixar atrair pelo ritmo esfuziante e veloz que o jogo sugere. Quem nunca o jogou tende, nas primeiras partidas, a se deixar conduzir pela dança das cartas, numa rapidez crescente que mal permite fixar a atenção, quanto mais refletir. Neste sentido, é um jogo que propõe um paradoxo: sugere profunda imersão a par de uma intensa velocidade. Ou seja, impõe aos jogadores uma evolução difícil de alcançar, mas ainda assim possível: “Jogue bem Exploradores, mas jogue rápido! Cada vez mais rápido!” E sendo um jogo para dois jogadores, um ou outro corre o risco de mais cedo ou mais tarde ficar sem adversário, se evoluir muito. Lembro-me de minha adolescência, em que fiquei sem oponente para as Damas. Eu ganhava de todo mundo, e cada vez mais rápido. Depois, veio a vida, a faculdade, o trabalho, carreira, família, e lá se vão mais de trinta anos desde que joguei Damas pela última vez.
Se é inquestionável que em Exploradores a estratégia não é tudo, pois há a sorte, ou o azar, como em qualquer jogo de cartas, é reconfortante saber que, a par disso, pode-se criar uma estratégia de defesa contra o infortúnio do acaso, estabelecendo um plano B, que, se não chega a compensar o insucesso repentino, conseguirá, em boa escala, abrandar seus prejuízos. Não são muitos os jogos que oferecem esta chance de uma estratégia dentro da estratégia. Mesmo assim não terão sido poucas as vezes, com Exploradores, em que os dois jogadores esmurraram a mesa, de raiva!

Só tenho uma ressalva quanto a este card game, e não é a propósito da irritação que ele com alguma frequência me desperta, nem quanto à diluição do tema – que durante as partidas nem me recordo qual seja… As rodadas terminam quando a última carta é comprada. Ora, a pilha chegou a duas cartas, um dos jogadores joga e compra a penúltima e não joga mais, pois o adversário vai jogar e pegar a última. Fim! Todavia, os oponentes compraram cartas que não vão mais jogar. Ou seja, nem deveriam tê-las comprado. Sinceramente, já joguei dezenas de jogos de cartas e não me lembro de nenhum assim, nem entre os clássicos nem entre os modernos. A não ser que seja um desfecho irônico, não vejo nenhuma explicação lógica para este último ato e, se pudesse, sugeriria ao autor revê-lo. Mas quem sou eu? O máximo que me permito é sugerir uma regra interna ao meu adversário da vez: que cada um jogue sua última carta, para justificar aquela compra que soava incompreensível e inútil.
Charles Baudelaire dizia que os gênios são geniais até mesmo quando erram. Gosto de pensar que o Reiner Knizia cometeu este supremo equívoco baudelaireano, e não uma falha, ao conceber este estranho e curioso jogo, capaz de despertar sentimentos os mais contraditórios, como raiva e devoção, incompreensão e prazer. Jamais hesito diante de um convite para uma partida de Exploradores.
Mayrant Gallo é professor, escritor e boardgamer. Já publicou mais de 15 livros. Entusiasta por jogos de tabuleiro, tem predileção por jogos para 2 pessoas e solo. Tematicamente, aprecia jogos de construção de cidades e sobre a Guerra Fria. Entre as mecânicas de que mais gosta estão: colocação de peças, construção a partir de um modelo, seleção de cartas e gestão de mão.
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