A princípio, Takenoko (2011), de Antoine Bauza, não é um jogo para homens. Isso se o avaliarmos à luz de alguns estereótipos masculinos presentes no hobby: não há miniaturas de guerreiros fortões, nem armas, nem batalhas, nem longas jornadas em busca de um tesouro lendário etc. Pelo contrário, Takenoko é de um colorido delicado, traz componentes bonitos, associados à natureza (como bambus, jardins, flores, fontes), o insert é cor de rosa e há o indefectível Pandinha fofo, em torno do qual giram todas as ações do jogo. Aliás, ele, em sua disputa pessoal com o jardineiro, é a força motriz do jogo. As mulheres (irmãs, amigas, namoradas, noivas, esposas...) amam o pandinha e consequentemente o jogo, bem como as crianças, que o amam ainda mais e querem surrupiá-lo da caixa; já os homens, com alguma frequência, torcem a cara: “Não, não vou jogar esse jogo nunca!”

Apesar de padecer de tal estigma, Takenoko está na lista dos 100+ aqui da Ludopedia e não parece restrito àquele primeiro público, formado por crianças, mulheres e alguns homens que se deixam sequestrar pelo seu visual atraente. Então, qual será o motivo de fascínio deste jogo, excluído, obviamente, o pandinha fofo?
A natureza, da qual fazemos parte como seres humanos, é uma constante competição. Se há muitos mosquitos em algum lugar é porque os sapos sumiram, e restou o desequilíbrio. A competição na natureza é por equilíbrio, harmonia, evolução. Se os dinossauros desapareceram da face da Terra foi porque algo inesperado aconteceu, e a evolução tomou outro rumo. Neste sentido, como antagonistas, o pandinha e o jardineiro se completam. O panda possibilita que o jardim não se exceda como jardim, enquanto o jardineiro lhe fornece a cota exata de bambu que o mantém vivo e saudável. Assim, todos ganham: o jardineiro porque não lhe falta trabalho, o panda porque não lhe falta comida e o imperador porque tem o jardim e o panda para admirar e se regozijar. Mundo em equilíbrio.
Outro aspecto que comparece com um misto de funcionalidade e beleza a Takenoko é o mito do eterno retorno. No alinhamento de forças contrárias, ainda que em tensão, está o vaivém da vida. Se, digamos, o indivíduo não volta de sua morte inevitável, a espécie, por sua vez, o faz, pois, ao passo que uma pessoa se vai, outra chega, como numa estação de trem. O bambu que morre e vai para o estômago do panda precisa renascer, e disso se encarrega o jardineiro. A natureza é sábia, e o é também em Takenoko, neste seu mecanismo de suprimir e repor, perder e recuperar.

Se tais aspectos afastam completamente Takenoko do confinamento a um grupo restrito de jogadores, que apenas se deixam atrair pela beleza e fofura de seus componentes, não seria nenhum exagero dizer que as crianças saltam à frente dos adultos no aprendizado de jogá-lo. Conheço uma garota de apenas nove anos que jogou Takenoko depois de assistir a uma única partida entre quatro pessoas adultas. Quando ela enfim jogou, na partida seguinte, derramou lágrimas silenciosas, porque não teve o desempenho que sabia que podia ter. Ela jogou muito bem, mas não venceu: isso a frustrou. Não porque se superestimasse, mas porque se sabia mais capaz do que resultou o seu desempenho. A que se deve, por parte das crianças, esta suposta facilidade de “apreender” as regras de Takenoko?
Eu diria que elas levam vantagem porque suas gavetas estão vazias. Sua tábula ainda é rasa, não se deixou acumular pelos excessos que infestam nosso cérebro de adultos, lotado de conhecimento dispensável e informação sem consequência, além de elementos secundários e inúteis. Uma vez que há duas linhas de ações, a primeira (mediante o dado) interferindo diretamente na segunda, e que se realizam no tabuleiro e nos objetivos a cumprir nas cartas – movimentando para cima e para baixo os bambus, para ali e para aqui o panda e o jardineiro, bem como os tiles de terreno, que se somam, e as fichas de melhorias, que acrescentam benefício às ações dos jogadores –, as crianças tendem a assimilar tudo isso com mais rapidez, talvez porque não racionalizem, sigam simplesmente o fluxo das coisas, como nas brincadeiras. Ninguém aprende a andar de bicicleta pensando. É só impulso. E equilíbrio!
Bem, era isso que eu tinha a dizer sobre Takenoko. Se o visual é o gatilho para jogá-lo, é, no entanto, a beleza do seu fundo que o transforma num dos jogos favoritos de muita gente, mulheres, homens e crianças. Nos dias que ininterruptamente se sucedem e nos quais estamos inseridos, o panda e o jardineiro seguem a sua sina de equilíbrio da natureza, num vaivém constante, satisfazendo a todos nós.
Mayrant Gallo é professor, escritor e boardgamer. Já publicou mais de 15 livros. Entusiasta por jogos de tabuleiro, tem predileção por jogos para 2 pessoas e solo. Tematicamente, aprecia jogos de construção de cidades e sobre a Guerra Fria. Entre as mecânicas de que mais gosta estão: colocação de peças, construção a partir de um modelo, seleção de cartas e gestão de mão.
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