TEMPO DE FLORES E MEEPLES

Sábado, 22 de setembro de 2018, às 22h53 - é chegada a primavera no hemisfério sul. O inverno frio e ameaçador encontra seu fim, as flores multicores voltam a desabrochar nos campos, o verde da relva inunda a paisagem, as abelhas voejam serelepes em busca de néctar, os peludos animaizinhos acordam de seu encanto, o calor do sol se derrama tenro sobre os corações... e o equinócio se faz presente, marcando uma das duas únicas datas do ano em que o dia e a noite têm duração igual. Para um boardgamer, essa é a melhor notícia! Afinal, seja você um jogador de mesas ensolaradas ou uma jogadora das trevas silenciosas, não tem dia do ano com mais tempo (de claro ou escuro) para aproveitar um bom tabuleiro!

Tá, eu sei que aqui no Brasil - pelo menos na maior parte do país - esse negócio de estações do ano, equinócio e solstício, animais de contos de fadas, etc., não bate muito com a realidade. Mas não é a primeira vez  - e não será a última - que eu super forço a barra pra justificar um tema de lista pro blog (é só conferir nas outras listas que já estão publicadas lá xD). Melhor só relevar e fingir que estamos num RPG, que tal?

O fato é que o Brasil - novamente, em sua maior parte - só tem duas estações bem definidas: a seca e a chuvosa. Então, pra nós, a primavera quase que coincide com o retorno das chuvas - aqui em Brasília elas chegaram um pouco antes, ufa! - e, consequentemente, dá pra dizer sim que várias flores desabrocham, que muitos animais reaparecem por aí e que os dias passam a ficar mais agradáveis. Temos primavera SIM, só que com as lindas matas do Cerrado, as cores da Mata Atlântica, os prados do Pampa... quem precisa daquele clichê de floresta encantada?!



Mas vamos ao ponto da lista de hoje: primavera brasileira significa chuva, e chuva significa que o rolê na rua mixou, e o rolê na rua mixar significa chamar os amigos para jogar um boardgame maroto debaixo de um teto seco! Sem mais delongas, vamos aos 11 jogos selecionados para celebrar a virada da estação com um buquê de bons amigos (eu avisei que não seria a última forçação de barra^^'').

1. Seasons



Começar uma lista de estação do ano com Seasons ('Estações' em português) é meio que trapaça, já que eu vou poder usar esse mesmo jogo nas listas do verão, do outono e do inverno. Mas eu conto com você pra, até lá, já ter esquecido Neste belíssimo jogo para 2 a 4 pessoas, os jogadores assumem o papel de magos que competem em um torneio de três anos pelo título de arquimago(a) do reino de Xidit (sim, é um anagrama de Dixit, já que os dois são da mesma editora). É como se o Torneio Tribruxo durasse até O Enigma do Príncipe xD A cada estação do ano, os magos escolhem e rolam dados de habilidades especiais, coletam a energia dos elementos, transmutam a energia e baixam cartas de itens e animais mágicos, tudo para acumular "cristais", que são os pontos de vitória do jogo. Seasons tem um sistema de seleção e gestão de deck muito interessante, cria momentos de interação entre os jogadores que causa reviravoltas e possui grande rejogabilidade. Não tem muitas flores, mas em compensação você vai passar por três primaveras 

2. Gardens



'Jardins' é um jogo sobre construir um elegante jardim e plantar canteiros de belas flores. Tem algo mais clichê-primavera do que isso?! Na realidade, Gardens (que foi lançado no Brasil pela Devir) é uma homenagem floral a Carcassonne, então quem curte o clássico pode muito bem gostar bastante do tributo. Basicamente, os 2 a 4 jogadores são jardineiros com preferência por uma cor específica de flor, e devem puxar tiles para adicionar novas partes ao jardim, buscando plantar mais canteiros com flores do seu tipo preferido. Só que o detalhe é que só dá pra adicionar o tile se o jardineiro conseguir chegar aonde quer andando pelas calçadas do jardim, por isso, bloquear os outros jardineiros é sempre uma estratégia interessante. No final, ganha quem tiver mais canteiros completos do seu tipo de flor. Simples, objetivo, familiar e altamente rejogável, Gardens é como uma margarida em um campo de ervas daninhas, ou qualquer outra metáfora primaveril melhor que você conseguir pensar xD

3. Fungi



Pensa em algo bucólico pra se fazer numa primavera encantada. Colher cogumelos comestíveis no bosque parece cândido o suficiente pra você? Em Fungi, jogo para 2 lançado no Brasil pela PaperGames, os jogadores são coletores de fungos comestíveis que buscam fazer as melhores receitas regadas a manteiga e sidra. A cada rodada, os jogadores coletam cartas de cogumelos, ingredientes extras, cestas ou panelas para melhorar suas preparações, e baixam seus conjuntos de basidiomicetos (eu sou biólogo, lembra?) para fazer pontos, sendo que cartas noturnas dão ainda mais pontos. "Mas cogumelo dá o ano inteiro", pensa você, "por que colocar esse jogo numa lista de primavera?" Acontece que em inglês, esse jogo se chama Morels, que é o nome popular do esquisitíssimo e delicioso (dizem, né... eu lá tenho classe social pra já ter provado?!)  fungo Morchella esculenta, um cogumelo europeu que dá as caras justamente na primavera! Tudo bem que não é na NOSSA primavera, mas aí já é cricrizagem demais!


4. Fila Filo - Formigas na Teia



Pense num jogo pra encher os olhos de uma criança (e de um biólogo^^'')! Fila Filo é um jogo infantil para 2 a 4 jogadores, trazido ao Brasil pela Devir, e que conta com um recurso super inovador e imersivo de imãs e cordas para simular uma aranha pendurada na teia tentando capturar formigas. Neste jogo, que conta com um tabuleiro tridimensional (com o nível do solo, o nível da aranha pendurada e o nível da folhagem), cada jogador busca levar suas formigas por uma trilha até um punhado de frutinhas e fazê-las trazer de volta a comida até o formigueiro. O problema é que as aranhas Peter, Parker (gargalhando aqui xD ) e Filomena estão à espreita para tentar capturar as formiguinhas - mas calma, crianças!, elas só são levadas de volta pro começo da trilha. Considerando que insetos e aracnídeos tornam-se mais ativos depois que acaba o inverno, Fila Filo tem tudo a ver com a primavera. Ainda mais porque depois de conhecer a aranha Filomena, você vai concordar comigo que ela é uma flor!

5. The Hare & the Tortoise



Pra começo de conversa, vamos traduzir o nome do jogo: 'A Lebre e a Tartaruga' (que na verdade é um jabuti!) é um jogo baseado na clássica fábula do autor grego Esopo. Aqui, 2 a 5 jogadores fazem o papel de espectadores de uma corrida na floresta, que conta também com a ovelha, o lobo e a raposa, além dos dois protagonistas da história. Os animais se movimentam de maneiras diferentes, e os jogadores devem apostar em quem querem que ganhe a corrida, ao mesmo tempo em que baixam cartas para fazer os bichos se deslocarem - ou pararem no meio do caminho pra dormir, por exemplo. Momento fluxo de conexões: lebres não são animais nativos do Brasil, embora tenham sido introduzidos na Região Sul do país e causem um certo estrago por lá já que são exóticas. Naturalmente, elas ocorrem na Europa, onde a primavera começa no fim de março. Esse é o mês em que as lebres ficam mais ativas, pois saem do inverno diretamente para seu período reprodutivo, e ficam pulando enlouquecidas buscando parceiros para "fazer lebrinhas". Desse comportamento, surgiu a expressão 'louco como uma lebre de março', e foi por isso que Lewis Carroll nomeou a lebre maluca da cena do chá em Alice no País das Maravilhas de Lebre de Março! Agora sim tá tudo explicado: com a lebre parando pra tomar chá, é claro que a tartaruga-que-na-verdade-é-jabuti vai ganhar a corrida!

6. Frogriders



A estação chuvosa é uma festa para sapos e rãs. E não fosse essa óbvia relação, a ambientação de Frogriders ('Montadores de Rãs', em tradução livre) já faria todo o trabalho, pois o jogo se passa em um reino mágico de uma tribo de elfos que disputa um torneio militar toda primavera! Neste jogo que a RedBox trouxe para o Brasil, 2 a 4 esquadrões de elfos montados em rãs se enfrentam em uma variante inovadora do tradicional Resta Um. Na sua vez, você deve escolher uma das rãzinhas do tabuleiro e fazê-la pular por sobre outra, coletando em seguida a rã pulada. Dependendo da cor, cada rã ativa um efeito diferente, e ao combinar estrategicamente os efeitos de cada rã com seus movimentos, os jogadores vão acumulando pontos, até que não sobrem movimentos possíveis. Divertido, encantado e bem sacado, Frogriders é pra se colocar uma galocha, armar uma tenda dentro de um banhado e jogar com trilha sonora anfíbia natural!


VAI LÁ FORA ABRAÇAR UMA ÁRVORE!

Além de ser o início da primavera, esta semana também teve uma outra data comemorativa super importante, que a gente costuma dar mais valor durante os anos de Jardim de Infância e depois meio que esquece - mas não deveria: 21 de setembro, Dia da Árvore! O Brasil é simplesmente o país com a maior diversidade de árvores DO PLANETA. São mais de oito mil (é zoeira mas é sério!) espécies arbóreas espalhadas pelos nossos biomas, 14% de todas as 60 mil espécies catalogadas do mundo inteiro. Isso é incrível e merece nosso reconhecimento e proteção. Hora do lado biólogo falar mais alto: vamos aproveitar a data pra pensar também em preservação? Segue um exemplo de como inclusive os jogos de tabuleiro podem ensinar e nos ajudar a valorizar a biodiversidade:

7. Fotossíntese



Este título já foi mencionado na primeira lista do blog, mas eu jamais vou perder a oportunidade de fazer um jabá pra ele - e pode esperar que a vaga dele pra lista do verão já tá garantida. Fotossíntese é um jogo abstrato para 2 a 4 jogadores que a Mandala trouxe ao Brasil para alegria de ecólogos, engenheiros florestais e amantes da natureza em geral. Cada jogador representa uma espécie diferente de árvore que busca aumentar sua população em um ecossistema repleto de competidoras. A dinâmica do jogo envolve o movimento do sol ao longo do ano - em algum momento vai ser primavera! - e como isso influencia no sombreamento das árvores dispersas pelo tabuleiro. Árvores que conseguem pegar sol fazem fotossíntese e ganham pontos de luz. Árvores bloqueadas por outras praticamente não recebem luz, e por isso não pontuam. É lindo ver as miniaturas ocupando o tabuleiro vazio, desde sementes a plântulas a árvores adultas, até que o ambiente se transforme numa floresta dinâmica, cheia e verdejante. Esse é um jogo abstrato que faz tantas analogias com o mundo real que você chega a acreditar que é temático.

 
O SEU LOBATO TINHA UM SÍTIO, IA IA Ô!

...ou o fazendeiro McDonald, dependendo da versão da música que você ouvia quando criança. 21 de setembro, além de Dia da Árvore e véspera de primavera, também celebrou no Brasil o Dia do Fazendeiro. Pois fica aí a nossa homenagem também à essa profissão que está no cerne da alimentação do brasileiro. Graças aos nossos solos férteis e clima super favorável, o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas e pecuários do mundo... e infelizmente um dos maiores desmatadores e poluidores também. Mas calma, contenha a treta! A questão da agropecuária não é leviana, preto no branco. Ela merece atenção especial nos nossos círculos de debates, porque traz muitos prós e muitos contras que devem ser levados em conta antes de se tomar uma posição. Mas um argumento pró que certamente não encontrará opositores por aqui é que a agropecuária favoreceu o surgimento de excelentes jogos com seu tema! Pois vamos a alguns deles:

8. Agricola



Este jogo, clássico consagrado do universo lúdico, já apareceu no blog em Raio X próprio. Mas falar de fazendeiro e não falar de Agricola seria uma afronta, e eu sou deboísta. Para 1 a 5 jogadores, com quase 400 cartas e diversas ações possíveis, este eurogame foi um sucesso tremendo. Mas depois da primeira edição, de 2007, o grande designer Uwe Rosenberg resolveu relançar seu jogo com alguns ajustes, em 2016. Na Edição Revisada, Agricola passa a ser para até 4 jogadores, muda algumas das ações e diminui substancialmente o número de cartas (que se tornam pouco mais de 100). Mas independentemente de qual versão você jogue, em suma você assumirá o papel de um casal de fazendeiros que busca sobreviver e expandir seu lar. Através de ações como coletar madeira e pedra para construção, fazer cercas, plantar grãos e verduras, criar animais e até mesmo ter filhos (para aumentar o número de trabalhadores), os jogadores tentarão se manter alimentados e garantir o desenvolvimento da fazenda. Agricultura familiar in a nutshell.

9. 1,2,3!



Mais um jogo para se divertir com crianças pequenas, 1, 2, 3 é um abstrato divertido e surpreendentemente desafiador para até 2 a 8 desmemoriados, do mesmo autor de Gardens (o segundo desta lista) e lançado no Brasil pela Devir. É basicamente um jogo de memória fantasiado de fazendinha, com fofos meeples em madeira de ovelhíneas, vaquíneas, porquíneos e cavalíneos. Faltou só catioro. A cada rodada, um jogador larga na mesa um punhado de bichinhos, que os oponentes devem olhar por alguns segundos, antes de fecharem os olhos. O jogador da vez puxa uma carta e faz o que ela indica - adicionar, remover, mudar de lugar ou substituir um dos bichos na mesa. Assim, os oponentes são desafiados a adivinhar o que foi que aconteceu enquanto estavam sem ver. Uma vez joguei esse jogo com meu irmão de cinco anos, disposto a errar de propósito e deixá-lo ganhar. Não foi preciso: o guri acertou TODAS as mudanças, enquanto eu só fui me sentindo mais senil a cada rodada. Essa nova geração já deve vir com alguns terabytes de memória de fábrica...

10. Bohnanza



Carinhosamente conhecido por todo mundo como "aquele dos feijões", Bohnanza já tem mais de 20 anos de idade, duas editoras brasileiras e dezenas de prêmios nas costas. Ah, e é do mesmo designer de Agricola! Neste jogo para 3 a 5 plantadores de feijão, cada jogador deve baixar cartas de tipos diferentes de feijão em seus dois a três campos de cultivo. O detalhe inovador é que não se pode mexer na ordem das cartas da sua mão - os feijões têm que ser plantados na ordem em que aparecem. Por isso é crucial negociar com os outros jogadores e trocar feijões indesejados por outros, sem, claro, facilitar demais para os oponentes. Tentei buscar alguma relação significativa de feijões com a primavera pelo bem do simbolismo da lista, mas a verdade é que dá pra plantar feijão em qualquer época. O jeito é forçar a barra de novo: aquele tal de João e o Pé de Feijão... não acontecia na primavera não?

11. Fields of Green



Para fechar nossa lista, temos um jogo de fazenda cuja premissa lembra o Agricola e mecanicamente tem elementos do 7 Wonders. Field of Green ('Campos Verdejantes', em tradução livre) é um jogo de card drafting (seleção simultânea de cartas) para 2 a 4 pessoas, lançado nacionalmente pela Flick Game Studio, onde os jogadores deverão alocar cartas de plantações, criações de animais, edifícios e estruturas para conseguir recursos, melhorias e expandir sua fazenda. Ao longo de quatro anos, quatro colheitas se seguirão, e o(a) jogador(a) que tiver conseguido criar o mais eficiente 'combo de pontos' vence. Esse eurogame te faz planejar a médio prazo e tem muitos elementos estratégicos superinteressantes ao longo de sua jogabilidade. Pensando melhor, enquanto o Agricola tem uma vibe de pequena propriedade, em Fields of Green o lance é desenvolver um mega latifúndio... bem que cada jogo podia expor seus argumentos pra gente ver esse debate sobre a agropecuária fluindo, né? Pena que pecinha de madeira não fala.

 
CONCLUINDO...

Essa lista está longe de estar completa. Mas como são necessários critérios para que um texto não fique imensamente imenso, preferi dar enfoque a jogos que, no momento da publicação, a Ludoteca possuía no acervo ou na prateleira de vendas. Não adianta muita coisa ficar falando apenas de jogos obscuros que pouca gente vai encontrar ou dando preferência a jogos que não chegaram ao Brasil. Mesmo assim, gostaria de fazer algumas menções primaveris honrosas, na esperança de que, uma vez citando tais jogos, eu os conjure para o mercado brasileiro (ou pelo menos para as fileiras da Ludoteca) xD

São eles: Arboretum, um jogo de coleção de cartas de árvores coloridas; Herbaceous, também de coleção de cartas, só que agora de ervas aromáticas; Kodama: The Tree Spirits, onde os jogadores fazem crescer e se ramificar uma árvore protegida por espíritos da floresta; Cottage Garden, um puzzle belíssimo de jardinagem com peças super coloridas no estilo Tetris; Spring Meadow, recente continuação do jogo anterior, onde os jogadores devem montar um prado por entre as tocas de marmotas; Myrmes, um jogo imersivo sobre colônias de formigas tentando desenvolver seus formigueiros antes da chegada do inverno; Veggie Garden, onde os jogadores buscam controlar um canteiro de plantio de vegetais; e Everdell, recente sucesso de financiamento coletivo que narra a história de um reino mágico onde animais da floresta buscam prosperar como grandes civilizações ao longo das estações do ano.



Eu, o biólogo entusiasta de jogos de tabuleiro, estou bem empolgado para conhecer todos! E você?

Feliz Primavera se você curte a natureza, feliz Dia do Fazendeiro se você é fazendeiro(a) e feliz Dia da Árvore se você é uma árvore! Quanto mais diverso nosso público, melhor^^

[Lista temática originalmente publicada em 22 de setembro de 2018, no Blog da Ludoteca - blog.ludoteca.com.br]