Escrita por: Rodrigo Neves.
Introdução:
Gentes é um jogo euro médio-leve lançado pela Spielworxx agora em 2017. Depois de um hype curto, mas intenso, já se encontra esgotado, apesar do preço nada atraente de €65. Em termos de vendas da tiragem, o título já é um sucesso. O jogo é de autoria de Stefan Risthaus, que já lançou o Arkwright pela mesma editora. Gentes pode ser descrito no sentido mais amplo como um jogo de desenvolvimento. Cada jogador gerencia sua própria civilização, que vão avançando ao longo de várias rodadas. Para isso, é necessário baixar cartas de civilização sobre a mesa. As cartas, além de nos garantir bônus como renda adicional, recursos, ações extra, acima de tudo, são o cerne para se conseguir pontos de vitória.
Mecânicas:
- Linha de Tempo,
- Coleção de Componentes,
- Seleção de Ações,
- Sistema de Pontos de Ação.
Visão Geral:
O jogo decorre ao longo de seis rodadas, e durante cada uma delas você deve realizar ações até que tenha usado o seu tempo disponível. Esse tempo pode ser gasto construindo cidades, obtendo e construindo tecnologias, taxando a população ou treinando seus trabalhadores em seis profissões. Para executar tais ações, é necessário retirar o respectivo tile do tabuleiro principal e pagar seus custos. As ações de mesmo tipo tem custo bem variado, criando uma atmosfera de forte disputa ao início de cada rodada por aqueles mais baratos, existindo, portanto, benefício para quem escolher primeiro ou preferir evitar as ações mais disputadas pelos demais jogadores.
As principais moedas em Gentes são dinheiro, tempo e trabalhadores. O dinheiro e o tempo caminham juntos: para executar uma ação, é necessário pagar primeiro o custo em dinheiro dela. Logo em seguida a ação consome tempo... por isto o tile vem para a minha escala de tempo particular. Sem dinheiro suficiente ou nenhum espaço livre na escala de tempo, não se pode realizar a ação. Se a ação consome duas unidades de tempo, temos a opção de alocá-los na trilha de tempo como duas peças de tempo unitárias ou como uma peça dupla. No final da rodada, todas as peças de tempo unitárias serão descartadas, mas as peças duplas se transformarão em peças unitárias e persistirão até a próxima rodada, deixando menos espaço na sua faixa de tempo para a rodada seguinte. Isto forma um mecanismo interessante de "pegar tempo emprestado" da rodada futura. Quando a sua linha do tempo está cheia, você não pode fazer mais nada e deve passar.

Para trazer as cobiçadas cartas de civilização à mesa, os trabalhadores são necessários. Existem seis tipos diferentes de trabalhadores, como soldados, artesãos, nobres, mercadores, sábios e sacerdotes, cujas quantidades cada jogador mantém através de marcadores em seu tabuleiro individual. Existe uma restrição bastante curiosa e inteligente sobre o total de trabalhadores que conseguimos armazenar... os marcadores para nobres/soldados/sacerdotes caminham da esquerda para a direita e o de artesãos/mercadores/sábios da direita para a esquerda, sobre três trilhas comuns. Porém, os marcadores nunca devem se ultrapassar. O impacto disto, é que somente é possível manter simultaneamente 6 pessoas de cada dupla. Por exemplo, se atualmente um jogador possui 4 nobres e 2 artesãos, para incrementar um artesão ele precisará abrir mão de um nobre.



As cartas de civilização podem ser adquiridas pela ação de escriba e somente podem ser jogadas na mesa pela ação do cronista. Cada carta lista quantos trabalhadores de cada tipo são necessários. No começo do jogo, as cartas da era I possuem condições fáceis de se alcançar, mas à medida que o jogo avança, as cartas das eras II e III se tornam cada vez mais caras e os valores altos exigidos começam a conflitar com a restrição de armazenamento dos trabalhadores. Ao ser jogada, a carta de civilização revela seu efeito imediatamente: algumas trazem novos trabalhadores, outras geram dinheiro ou desbloqueiam mais slots na escala de tempo. Todos trazem pontos de vitória e isso é o mais importante.





Além disso, existe a possibilidade de construir cidades no tabuleiro principal do jogo. As cidades também geram dinheiro ou pontos de vitória, ou nos permitem expandir nossa força de trabalho de forma mais flexível, acionando cubos no templo ou oráculos. Estes cubos podem ser gastos para servir de trabalhadores coringas em determinadas situações. Uma parte interessante dos assentamentos é que na construção, se ativam o bônus do local escolhido + os bônus de todas as suas outras construções da mesma região, criando combos legais. Por outro lado, construir assentamentos seja talvez o aspecto mais mundano do jogo, com 4p, há muito poucos espaços para ocupar no mapa e algumas peças de ação são definitivamente melhores do que outras. Vale comentar que algumas cartas de civilização também exigem a construção de assentamentos em certos tipos de cidades.
Avaliação:
O dinheiro e o tempo são apertados neste jogo. Os elementos de Gentes estão intimamente interligados e para se jogar de forma eficiente, requer jogadores concentrados durante a partida. É um estilo de jogo que irá favorecer aquele jogador que pensa bastante, planeja antecipadamente e planeja sempre um plano B. Mas não chega a ser um jogo hardcore ou heavygame.
Gostei do mecanismo gestão de recursos, já que muitas vezes você se vê obrigado a pesar o dinheiro e tempo como despesas, bem como decidir quanto tempo do "futuro" da próxima rodada você vai "se emprestar". Embora o conceito de tempo como custo não seja novo, pois outros jogos como Olympos ou Village já trabalham com ele, Gentes usa de uma maneira suficientemente original.
As cartas são cruciais... entenda, não há chance de ganhar ao tentar outra abordagem. Então, é uma disputa para se descobrir os melhores combos de cartas e conseguir colocá-los na mesa otimizando os recursos. Passar seu tempo treinando pessoas é um mal necessário, e vem com uma complicação: você só pode ter 18 "pessoas" treinadas em toda a sua civilização. Existem três pares de profissões, e assim um máximo de 6 pessoas em cada par que compartilham a mesma faixa. Existem maneiras de mitigar os pré-requisitos da carta, mas a constituição de sua população é uma consideração importante demais neste jogo. Um dos maiores quebra-cabeças é tentar equilibrar a obtenção de cartas na mão, com pontuação legal e benefícios dignos, mas que não exijam que você manipule demais sua população para alcançar suas condições. Existe um conceito muito forte de sinergia em Gentes.
Outro ponto que gostei bastante foi o fato de todo jogador ser capaz de pegar qualquer carta de civilização da pilha de descarte das eras anteriores. As regras são muito claras no sentido que este não é um "jogo de memória". Muitos dos VPs do jogo estão nestas cartas e nos bônus para os ícones similares que constam nelas. Por outro lado, mais para o fim do jogo, rola uma AP considerável nestas ações de compra de cartas, pois existem algumas dezenas de cartas disposição para se escolher. Outro ponto relevante, é que não há meios para descartar uma carta da mão. Então, se você escolher errado, você está preso a ela e as cartas que você segura no final do jogo, cujos pré-requisitos você não consegue preencher, descontam metade de seus VPs contra você... então o planejamento é muito importante.
Apesar de ser um jogo que parece "vender" uma proposta de civilização, Gentes é um típico euro de baixa interação e pouca sorte. Basicamente é administração de recursos e boa escolhas de cartas. Há um mapa e edifícios da cidade, mas não existe expansão territorial. Também não existe nenhum dos aspectos militaristas de seu jogo de civis típico, não há confronto, comércio, leilão, negociação ou qualquer tipo de ação "Take that". Em particular, considerei a dinâmica do jogo muito baixa, porque ao longo das 6 rodadas de jogo, o jogo acelera moderadamente e dificilmente oferece situações nas quais alguém se exalta ou fica ansioso. É um jogo emotivamente frio. No fim, todos acabam fazendo um pouco de tudo que se tem a disposição para marcar pontos. Então, nunca há uma sensação de nações diferentes, todos jogam o jogo simétrico e recebem poderes especiais pouco significativos das cartas baixadas.
O tema em Gentes é bem abstrato, apesar das configurações atraentes. As funções das cartas, apesar dos seus títulos pomposos como: muralha, fonte ou vinícola, são completamente abstratas. Muitos bônus obtidos por elas não parecem ter relações com tais títulos. O mesmo se aplica às cidades, que são basicamente geradores de recursos e ações. Os trabalhadores também não se agregam ao tema: poderiam ser padeiros, bombeiros, politícos... Em outras palavras, as mecânicas são sólidas e polidas, mas o tema vem colado a cuspe. Não espere algo imersivo e nenhuma sensação temática aqui.
Em resumo, Gentes é um ótimo jogo de planejamento médio, que se disfarça como um exercício de construção de civilizações, possuindo mecanismos de gestão de tempo e treinamentos de trabalhadores bem interessantes. É um bastante abstrato, mas muito bem feito. Surpreendentemente, este é bastante leve para um Spielworxx. Eu gostei do jogo e vou manter na coleção, mas não chega a ser um título imperdível ou de ludoteca básica.