A algum tempo atrás eu me vi em uma situação comum a todos nós, amantes de jogos de tabuleiro: me encontrava com o orçamento mensal para board games no final, mas queria colocar mais alguma criança para dentro da coleção.
Assim sendo, como toda pessoa sensata, abri uma dezena de sites de lojistas em suas abas de "promoção" ou "saldão" e saí em busca de algo que me apetecesse.
Dentre os tantos jogos ali expostos, como numa Red Light lúdica, eu me deparei com Manila. Segundo a loja aquele joguete estava de polpudos duzentos e oitenta Reais por pouco mais da metade desta quantia, ele era, literalmente, o jogo mais caro e com o maior desconto de toda a loja.
Animado fui atrás de informações, afinal, faltava muito pouco para ele se tornar o novo jogo de minha coleção, mas, para minha surpresa e decepção, não encontrei praticamente NADA sobre o jogo. Um silêncio deprimente e indicativo de um jogo que só poderia ser uma grande bomba.
Assim sendo deixei pra lá e comprei alguma outra coisa (possivelmente uma combinação de Mafia de Cuba com Red7... Não me lembro ao certo), algo que, hoje em dia, vejo como uma grande besteira, afinal Manila é um jogo fantástico e deveria fazer parte de muito mais coleções do que faz.
Manila é um jogo que detesta se vender, começando pelo seu título, o qual te obriga a digitar sempre um "jogo de tabuleiro" ou "board game" o acompanhando,visto que são pelo menos três páginas do Google até você chegar em um resultado que não seja a capital das Filipinas (e não adianta vir me comprar com Carcassonne, porque, 1) Carcassonne não é a capital de lugar nenhum, 2) Estamos falando de um jogo fora da curva, vencedor de Spiel des Jahres e que já vendeu algumas bilhões de cópias), passando pela sua capa, que no MÁXIMO pode ser chamada de "Méh", e, finalmente, pelo tema e mote do jogo: Seja o melhor dos contrabandistas do porto de Manila neste jogo de corrida com dados.
Se este mote não lhe animou nem um pouco, não fique preocupado, isto é sinal de que você é um ser humano normal e pode dispensar o psicólogo por mais uma semana.
Brincadeiras à parte, Manila parece querer juntar duas das coisas que mais se reclamam dos principais "gêneros" de jogos de tabuleiro: O tema colado dos jogos Europeus e a presença excessiva de sorte dos jogos temáticos Americanos.
Tudo isso porém, esconde o que é, na verdade, um jogo maravilhoso. Manila é na verdade um push your luck que pouco tem a ver com uma corrida e muito mais se relaciona com uma gerência divertidíssima de riscos.
O que ocorre é: ao longo das rodadas, um por vez, os jogadores vão alocando seus pequenos Barqueireeples* em diferentes locais do porto de Manila, tentando auferir a maior quantidade de lucro possível com o contrabando que está em andamento. Entre uma rodada de colocação de peças e outra um dos jogadores vai rolar os dados correspondentes às mercadorias transportadas e, então, os jogadores vão ter de se adaptar à nova realidade do tabuleiro para, tentar maiores lucros ou, compensar perdas iminentes.
Assim sendo, Manila torna-se um jogo em que todos terminam igualmente investidos nos dados, cada um por seus próprios motivos e, a cada movimento dos barcos o jogo pode se modificar completamente.
Talvez você tenha investido um Barqueireeple na jangada de Jade e ela tenha ficado para trás, hora de gastar mais cinco dinheiros e tentar empurrar ela mais pra frente... Mas ainda estamos na segunda rodada! Pode ser que a próxima rolada de dados seja boa, então porque se preocupar com isso agora? Melhor colocar seu bonequinho no porto e lucrara ainda mais com a chegada iminente das jangadinhas...
Tudo isso são possibilidades que te punem ou te recompensam a cada rolada de dados, a cada pequena decisão, de forma divertida e empolgante para toda a mesa.
*Barqueireeple é uma marca registrada A Casa do Panda
Neste sentido, Manila é basicamente isso: um jogo de administração de riscos extremamente divertido, que força cada um dos jogadores a repensar as suas estratégias a cada novo movimento dos barcos.
E é neste ponto que eu gostaria de focar: Manila é um jogo DIVERTIDO. As pessoas estarão rindo, soprando dados, sacaneando umas as outras pelas decisões erradas que tomaram e prejuízos acumulados. Apesar de SIM haver uma boa dose de estratégia nas ações escolhidas pelos jogadores, o jogo permite-se ser leve e imprevisível para TODOS, mas de uma forma que ninguém se sente prejudicado em detrimento dos outros, afinal, se o seu barquinho afundou, foi com mais outros dois amigos e o sujeito que foi pra casinha dos seguros ainda teve de pagar seis moedas ao jogador amarelo.
É esse prejuízo compartilhado e necessidade de compartilhar as intempéries do acaso para tentar ganhar ALGUM dinheiro que tornam o jogo tão divertido.
Dito isto, não podemos falar que o jogo existe sem falhas.
Se algum dos jogadores fica muito para trás após algumas rodadas, por exemplo, vai ser bem difícil que ele consiga dar a volta por cima e vença o jogo, isto porque Manila não possui algum tipo de mecanismo inato de "rubberbanding" - que são aqueles mecanismos que dão pequenas e progressivas vantagens para os jogadores que estão mais atrás na pontuação, ou desvantagens para os que estão liderando, a fim de tentar possibilitar que todos os jogadores tenham a chance de vencer a partida - assim sendo, se você resolveu gastar muito dinheiro para tornar-se o "capitão" em uma ou outra rodada e acabou não conseguindo angariar seus fundos novamente é bem provável que você termine bem para trás no jogo.
Além disso eu acredito que os jogos sejam um pouco longos demais para o que se propõem, para isso porém existe uma simples e excelente solução que aqui em casa nós temos adotado: todas as mercadorias começam valendo 5, ao invés de 0, algo que reduz significativamente o tempo de jogo sem alterar em NADA a fluidez ou regras da partida.
Assim sendo, no frigir dos ovos, Manila é um jogo excelente, destes que eu recomendo sem pestanejar. Divertido, cheio de engajamento e ainda assim, com uma boa camada de pensamento lógico e estratégia. É uma pena que a versão brasileira tenha vindo por um valor tão salgado o que, provavelmente, afastou muitos potenciais compradores, mas ele volta e meia dá as caras nos leilões da Ludopedia e a importação é sempre uma possibilidade.
Falando em valor e custo/benefício, vale a pena destacar um pouco os componentes do jogo. apesar de simples (e não tão numerosos) a produção é uma belezura à parte, valendo destacar os barquinhos, cartas, dados e os próprios meeples temáticos (os já consagrados Barqueireeples):
Exceto as moedas, as moedas são bem feias.
Desta forma, eu posso dizer que, se você encontrar este jogo na versão da Devir em alguma promoção por aí, não faça como eu, coloque na sua coleção o mais rápido possível! Manila é com certeza um dos jogos de mecânicas mais únicas dentro da minha coleção, sendo um ponto fora da curva bastante divertido e engajante que sempre acaba cabendo dentro de uma noite de jogos.
Aliás, foi com muito gosto que eu comecei a escrever esse texto sobre o jogo, afinal, dentre vários outros jogos da minha coleção que eu poderia resenhar, eu acredito que Manila seja um dos mais sedentos por QUALQUER reconhecimento. Em buscas pela internet você provavelmente vai achar um ou outro review sobre o jogo (quase sempre positivos) mas por aqui ele foi praticamente ignorado, mais ainda que lá por fora, motivo pelo qual eu achei que, face os muitos momentos de diversão que o jogo proporciona para mim e meus grupos, precisava escrever alguma coisa sobre ele.
Afinal de contas são fartas as resenhas que apontam como Cyclades é um jogo fantástico, ou relatam a elegância e primazia de 7 Wonders, mas raramente eu li alguma coisa que apontasse a simplicidade e diversão proporcionadas por este jogo de Franz-Benno Delonge.
Resumo do jogo:
PROPOSTA: Filler com certo grau de estratégia e bastante interação.
PONTO ALTO: Bastante divertido e envolvente. Tudo nele deixa os jogadores "na ponta das cadeiras".
PONTO BAIXO: As partidas podem estenderem-se DEMAIS.
VALE DESTACAR: A produção é bastante caprichada, principalmente levando em consideração a proposta do jogo.
SALDO FINAL: Recomendado
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