por Lucas Andrade -

O que é um galerista? Uma pessoa que assume as funções administrativas de uma galeria, além de ser um caça talentos de novos artistas, descobrindo-os quando ainda não estão sob os holofotes, além de promoteur e relações públicas. Um factotum do mundo empresarial das artes, profissão que exige organização, percepção, adaptação e planejamento no curto, médio e longo prazos.
Em seu quarto jogo, Vital Lacerda (Vinhos, CO2, Kanban) oferece uma incursão neste mundo, onde gerenciar todos estes aspectos é essencial para se destacar dentre os outros galeristas. O designerportuguês é conhecido por seus jogos euro consideravelmente pesados e extremamente temáticos, uma tendência atual nos jogos deste estilo. The Gallerist está sendo lançado mundialmente no próximo mês e simultaneamente no Brasil pela Fire on Board Jogos.
Mecânica
– Alocação de trabalhadores
– Coleção de componentes
– Especulação de mercadoria
O objetivo em The Gallerist é ganhar dinheiro. Simples assim! O jeito mais tradicional de se fazer isto, neste mercado, é descobrir algum artista obscuro, promovê-lo e comprar suas obras e, com isso, sua fama aumentará, suas obras valorizarão e você ganhará o almejado dinheiro, seja vendendo ou expondo os trabalhos. Claro que para que isso aconteça e estamos falando de Vital Lacerda, o homem que deve ter engrenagens na cabeça, o relojoeiro suíço dos jogos de tabuleiro, muita coisa acontece. MUITA!

Cada jogador tem apenas um trabalhador, seu galerista, representado por um belíssimo marcador. Em seu turno, sua missão é fácil: mover seu galerista para um novo local no tabuleiro. Existem quatro locais de ação, cada um deles com duas opções possíveis. Vejamos, primeiramente, quais são estes locais.
Os exuberantes galeristas!
A Colônia de Artistas fica na parte direita do tabuleiro. Nela temos as ações descobrir um artista e comprar uma obra de arte. Descobrir um artista é simplesmente virar um tile de artista. Em cada partida há um artista azul e um vermelho para cada uma das modalidades de arte: digital, pintura, escultura e fotografia. No início, aleatoriamente, o primeiro artista azul fica com a face para cima, ou seja, já revelado. Escolha, pois, um dos outros para revelar. A informação mais importante de cada artista é sua fama e, ao ser revelado, passamos a medir seu nível de popularidade. Os artistas vermelhos já começam mais badalados, com nível de fama maior, consequentemente, suas obras têm valor inicial mais alto (o valor de uma obra é sempre o valor atual da fama do artista que a produziu) e você precisará de mais influência para deixá-los mais famosos. Ao descobrir um artista, ele será seu comissionado, com isso, não interessa o quão famoso ele seja, você terá desconto na aquisição da primeira obra dele pagando o valor de sua fama inicial. A segunda ação possível é comprar uma obra de arte. Escolha um tipo (pintura, fotografia etc.) e um artista já revelado que trabalhe com este meio. Pague o valor da obra (igual à fama do artista) e leve a obra para sua galeria. A cada peça comprada, mais visitantes passam a se interessar e frequentar a praça central do tabuleiro (mais sobre isso depois), você gera mais ingressos e, mais importante, a fama do artista aumenta. Quero aproveitar e deixar claro que é inviável descrever cada processo e minúcia e tenderei a usar sempre descrições temáticas de cada etapa.

Se você pretende vender algo, precisará visitar a parte superior do tabuleiro, o Escritório de Vendas. As duas ações disponíveis lá são assinar um contrato e vender uma obra de arte. Quatro cartas representando contratos ficam disponíveis, elas representam o interesse dos futuros compradores em um específico tipo de arte. Escolha uma delas e coloque em seu tabuleiro pessoal. A outra ação é, efetivamente, vender uma obra. Receba o dinheiro e retire sua obra de exposição, deixando-a ao lado de seu player board. Como já falei, existem mais detalhes que não serão comentados agora.

Na parte inferior, temos a Central de Mídia. Lá poderemos promover um artista ou contratar mais assistentes. Já falei de comprar e vender e se não valorizarmos nossas aquisições, onde ficará o lucro? Promover uma artista é uma opção excelente para impulsionar o valor de nossas obras. Usamos de influência para tal e quanto mais colecionadores estiverem em nossa galeria, mais fama o artista obtém. Já que falei de colecionadores, creio ser um bom momento para explicar que existem três tipos de visitantes, investidores (meeples marrons), VIPs (meeples rosas) e colecionadores (meeples brancos). Ao frequentar sua galeria, eles trarão, respectivamente, dinheiro, reputação (para você enquanto galerista) e fama (para algum artista). Atrair o público certo no momento certo é uma das condições para o sucesso nesta empreitada. A outra ação disponível na Central de Mídia, contratar assistentes, permite que você traga novos funcionários (os meeplesde sua cor) para seu escritório, que fica em seu tabuleiro pessoal. Ter assistentes é importante, pois eles poderão ser alocados para trabalhar nos contratos já assinados, além de outras funções que comentarei a seguir.

Na parte esquerda, temos o quarto e último local, o Mercado Internacional. Lá você poderá aumentar sua reputação e participar do leilão de obras ao final da partida. Para trabalhar na reputação, despache um assistente para isso. Conforme o tipo de obra que você tenha experiência e o público que está no lobby de sua galeria, você vai ganhando reputação. Isso tem outras exigências e ainda permite ganhar outros bônus, mas aí entraremos no campo das minúcias novamente. O leilão funciona de maneira muito similar e é resolvido após o término da partida. Nele disputamos as obras que ficam nos charmosos mini cavaletes que você já deve ter visto em fotos e vídeos.

Já temos um apanhado geral dos locais do tabuleiro. E com quatro locais apenas, as coisas ficarão apertadas. No entanto, a alocação de trabalhadores em algum espaço não bloqueia a escolha futura de outros jogadores. Se eu quiser colocar meu galerista no local ocupado por outro, sem problemas. Movo meu oponente para o espaço adjacente, um círculo negro, onde ele poderá, após eu resolver meu turno, realizar uma ação de expulsão. Esta pode ser uma ação executiva ou uma ação comum daquele espaço no qual você estava. Vamos com calma aqui. A ação executiva pode ser feita quando você é expulso ou, até mesmo, em seu turno, antes ou depois da ação usual do local.
Por exemplo, se você for para a Colônia de Artistas, descobrir alguém ou comprar algum trabalho, você poderá antes ou depois de sua ação, realizar uma ação executiva. São duas as ações executivas possíveis: usar ingressos para mover os visitantes em direção a sua galeria (mova o visitante um espaço conforme a cor do ingresso usado, marrom, rosa ou branco) ou colocar um assistente (um de seus meeples) trabalhando em um dos contratos que você adquiriu no Escritório de Vendas. Então, voltando ao tópico deste parágrafo, o jogador expulso poderá, após o jogador da vez, repito, realizar uma destas ações ou ainda, gastando sua influência realizar uma das ações permitidas do local. Ou seja, tenha muito cuidado em onde ir na próxima rodada, não basta pensar em seu jogo, tenha sempre em mente os benefícios que você fará aos oponentes, principalmente, se você for para um local ocupado pelo próximo jogador, pois ele jogará duas vezes seguidas, a primeira ao realizar a ação de expulsão que você permitiu e a segunda em seu novo local!
Há muito ainda a se falar, cartas de curador e negociante com bônus ao final da partida, artistas virando celebridades, o mecanismo de pontuação nas colunas do Mercado Internacional, a trilha de influência que permite você aumentar a fama de um artista, realizar a ação de expulsão de modo completo ou ainda ganhar dinheiro, os assistentes que podem ficar nas locais de ação, a pontuação final que considera sete critérios diferentes… Deixemos isso tudo para os vídeos de explicação!
Considerações Finais
Creio ser de valia avisar que amo jogos pesados e por pesado entendo jogos complexos ou densos. Complexidade eu associo com muitas e muitas regras, exceções, tabelas e condições variáveis. The Gallerist não é complexo neste sentido. Isto se enquadraria mais com os wargames tradicionais ou até mesmo umTwilight Imperium. O pesado aqui, no sentido de denso, refere-se às inúmeras possibilidades de estratégias, combinações e formações de cadeias de pontos. O volume de regras nem é tão grande, o que assusta um pouco é tomar as decisões que parecem ser tantas. O que fazer e em que hora fazer. E é justamente isso que admiro neste estilo de jogo. E se você se considera um board gamer de carteirinha, este tipo de coisa deve fazer você salivar ou, pelo menos, atiçar sua curiosidade!
Vital Lacerda construiu, mais uma vez, um sistema mecânico que funciona muito bem. Com esta quarta obra, já consolidou sua posição como um de meus cinco designers favoritos. O sistema que, aparentemente, é intricado e assusta à primeira vista, vai fazendo sentido, aliado à lógica forte do tema e, a cada rodada vai ficando simples e funcional. É incrível como ele consegue fazer isso jogo após jogo e de maneira cada vez mais agradável. Aqui você simplesmente pega seu galerista, coloca-o em um novo local e escolhe uma ação. Desta premissa até simplória, ele cria um universo de possibilidades que dependerá, exclusivamente, de seu planejamento.

Especificamente, em The Gallerist, a possibilidade de você utilizar os espaços já ocupados, não impedindo seu planejamento, mas dando chances aos adversários, acrescenta uma dose considerável de interação. Esta ainda acontece quando você promove um artista do qual você e algum outro jogador tenha obras compradas. Ambos saem ganhando!
A trilha inferior no tabuleiro é outra solução genial e Vital Lacerda não quer deixar ninguém sem opção. Faltou apenas uma moeda para comprar aquela obra? Faltou um nível para seu artista virar celebridade? Utilize sua influência. E aqui vai uma dica para seus jogos em geral: adapte-se, não fique obcecado com apenas um plano, o tabuleiro fornece inúmeras alternativas interessantes de ação. Talvez você esteja focando apenas no curto prazo. Em The Gallerist dificilmente você ficará sem ação. São tantos bônus e possibilidades, fora os espaços que não ficam bloqueados e a trilha de influência que pode ser usada para fornecer dinheiro, fama ou pagar por ações.
Partida em andamento (Foto On Board)
Quero encerrar parafraseando Richard Ham, o Rahdo, em sua análise do jogo. Vital Lacerda conseguiu novamente! Construiu mais um universo mecânico inundado no tema, com ainda mais interação e com a dose esperada de soluções novas. A prova de que seu estilo vem se auto aprimorando é que joguei The Gallerist com pessoas não acostumadas a jogos pesados e o resultado foi melhor do que o esperado. Ele é mais leve que Vinhos, certamente, e acho um pouco mais leve que Kanban, talvez o tema e o visual ao ar livre ajude contra a pressão claustrofóbica da montadora de automóveis. Para mim, particularmente, foi uma gratíssima surpresa, pois era um dos títulos que mais esperava este ano.
Foto On Board
Some ainda as reproduções das artes plásticas que realmente existem, com listagem dos autores, país, ano e motivações, um tema que me atrai demais e a produção de qualidade excepcional, só pegando os tiles na mão para entender o que estou falando, e tenho em The Gallerist, talvez, o melhor jogo de Vital Lacerda. Mas já virei fã demais do nosso amigo português para emitir um juízo objetivo neste último tópico.
Pontos positivos
– Um euro encharcado de tema
– Muitas opções e possibilidades estratégicas
– Lindo demais
– Obras de arte de verdade
– Valorização de quase tudo que você faz na partida
– Mini cavaletes!!!!
– Manual muito bem escrito, com exemplos e simulação de partida
Pontos negativos
– Assusta à primeira vista
– Pode travar alguns jogadores
– Se o tema não agradar…
Ficha Técnica:
Jogadores: 1 a 4
Idade: a partir de 13 anos
Duração: 120 minutos
Tipo: caixa básica
Fabricante/Desenvolvedora: Eagle-Gryphon/Fire on Board (no Brasil)
Idioma: Português
Preço Médio: R$ 249,00