PUBLICADO EM http://onboardbgg.com/2015/09/17/analysis-paralysis-tamanho-impressiona/
Hoje resolvi falar de um assunto polêmico, meio indelicado e que gera desconforto, inveja, raiva, vergonha, orgulho… Este tópico fica escondido por uns tempos, mas sempre retorna com novos debatedores. As opiniões, contudo, são sempre de dois tipos. De um lado, temos os que defendem que não interessa o tamanho, mas o prazer proporcionado. Outros mostram orgulhosos o tamanho que possuem e postam fotos despudoradas pelas redes sociais! Vamos falar de tamanho? Sem pudor e sem vergonha? De uma vez por todas?
O volume de sua coleção de jogos (ou você estava achando que eu falava de quê?), antes de mais nada, diz respeito a você. Obviamente, se você a adquiriu com seu dinheiro, seu trabalho e de forma lícita. Poderia encerrar esta coluna por aqui, com a devida reflexão, este parágrafo, por si só, já possui muitas implicações. Não obstante, gosto de explorar mais as ideias e exteriorizá-las, além de deixar registrada minha posição para debates similares no futuro.

Ela, a estante, criatura polêmica, nua para vocês
Quando alguém posta uma foto de uma coleção de centenas e centenas de jogos, sempre surgem comentários do tipo “quantos não veem mesa?” ou “duvido que jogue todos”. É ÓBVIO que nem todos são jogados!!! A intensidade de inveja e de preocupação com a vida alheia nestes comentários atinge níveis nada saudáveis. Se você tende a comentar isso, raciocine comigo e veja alguns pontos. E, se discordar, continuemos o debate de forma saudável nos comentários.
Quantas vezes por semana você joga? Em um episódio passado do Meeple Maniacs, o podcast mais ouvido do Brasil sobre jogos de tabuleiro e que tenho o orgulho de co-apresentar, espantei-me com a quantidade de ouvintes que responderam uma ou duas vezes por mês! Por mês! Esperava ouvir estes números, mas com frequência semanal. Claro, muitos jogam toda semana, várias vezes até, mas acredito que todos jogam menos do que gostariam. Pois bem, se você joga toda semana, cinquenta jogos parece ser uma coleção de excelente tamanho, não? Praticamente um jogo diferente por semana durante um ano! Mas aí você teria de jogar o mesmo jogo apenas a cada 365 dias para mantermos esta linha de pensamento. Está pensando em jogar o mesmo jogo duas ou três semanas seguidas? Quer aproveitar as regras fresquinhas na cabeça e ohype nas comunidades? Explorar tantas cartas e tiles que ficaram de fora nas primeiras partidas? Aquela lançamento quentinho? Bom, que tal então trinta jogos? Passou disso, compre um, venda outro. Meu ponto é que se sua coleção passou de trinta ou cinquenta jogos, não faz muita diferença ter cem, trezentos ou quinhentos. Eles não serão jogados com a frequência merecida ou com a que você gostaria. Ter mais jogos, entretanto, fornece mais opções.

Coleção de Denis Oliveira
Mas aí temos outra questão. As coleções não são grandes apenas pelas opções. A intenção, geralmente, não é simplesmente montar um cardápio para as visitas. As coleções ganham tamanho porque não queremos vender os jogos anteriores e, amigo leitor, este é verdadeiro ponto deste artigo: ter uma coleção!
Não sei vocês, mas tenho milhares de CDs comprados, físicos e digitais, centenas de filmes, livros e jogos eletrônicos. Porque quase ninguém critica uma coleção de filmes? Com que você frequência você assiste ao mesmo filme? Uma vez a cada três, quatro anos? E mesmo que faça isso seria com uma parcela ínfima de sua videoteca. Uma coleção de livros ninguém tem coragem de criticar sob a pena de ser taxado de “sem cultura”. Com que frequência você lê o mesmo livro? Com exceção de 2001, uma Odisseia no Espaço de Arthur Clarke eu nunca li outro livro uma segunda vez. Até faço esta promessa a mim mesmo o tempo todo, de reler algumas obras fundamentais novamente, mas as novas leituras consomem o tempo para tal. Minha taxa então é uma vez a cada quarenta anos. E que tal quantos jogos de Xbox, Playstation ou em sua conta da Steam você tem? A menos que você cultive o hábito de ouvir, assistir ler, jogar e vender em seguida, suas coleções tenderão a crescer. Por que os jogos de tabuleiro são quase que o único alvo por estarem parados?
“Porque eles são eventos sociais”, já ouço mentalmente a resposta mais comum. E os jogos e modos solo? E os filmes e discos não podem ser eventos sociais também? “Eles foram feitos para serem jogados!”, minha favorita, pois os livros foram feitos para serem lidos, os discos para serem ouvidos… Só de Richard Wagner, compositor alemão, tenho mais de duzentos CDs. Adivinhe se escuto todos? Não atribua a importância e o valor de algo pela quantidade de vezes que podemos usufruí-lo. Tenho obras pelas quais possuo extremo carinho e jamais iria me desfazer delas mesmo que passe anos sem tocá-las!
Coleção de Jaime Coelho
Cada caixa, mesmo que parada por um tempo, pode ser fonte de mil lembranças distintas para seu dono. Ou foi um achado em algum lugar, uma pesquisa minuciosa sobre ele, um leilão disputado até o último minuto, uma sessão inesquecível, uma trilha sonora de fundo, uma partida com virada história, mais um jogo daqueledesigner que você aprendeu a admirar… Estas centenas de caixas em algumas coleções serão jogadas, estudadas ou, quem sabe, apenas admiradas. Cada coisa no momento certo e quando seu dono quiser. Quando vierem à mesa esporadicamente terão um destaque próprio, agregando ainda mais lembranças. Se vierem à mesa com mais frequência em determinadas épocas refletirão um anseio seu ou de seu grupo, quem sabe até uma mudança de vida ou de perspectivas.
Se você não percebeu que pode estar fazendo a mesma coisa com outras coleções suas ou apenas não concorda, e é seu direito, vai um conselho: cuide menos do tamanho dos outros e cuide mais dessa sua mixaria!