(Postado originalmente no blog Play, You Fools! Traduzido e adaptado da série Game Elements, de Teale Fristoe, publicada entre 2015 e 2016 no site League of Game Makers.)
Depois de falar sobre
Objetivos e
Pontuação, daremos continuidade à explanação dos elementos principais dos jogos abordando Ações. Acesse a
página do canal para ver todos os artigos da série "Elementos dos Jogos" postados até agora.
Ações Inofensivas
Uma coisa a se observar é que ações não são necessariamente decisões. Coisas como embaralhar cartas, rolar dados e seguir regras de IA são ações, e um jogo pode estar cheio delas e ainda assim não ter nenhuma decisão. Alguns games, como
Betrayal at House on the Hill, tem ações que até parecem decisões (explorar a casa), mas são na verdade um mero "lançar sorte". Nós não vamos focar aqui neste tipo de ação inócua, mas vale a pena tê-las em mente, porque elas podem influenciar positiva ou negativamente na diversão dos jogadores.
Ações Discretas x Ações Contínuas
Algumas ações são definidas pelo que os jogadores podem fazer. Por exemplo, em
Birds of a Feather, os jogadores jogam uma única carta de sua mão a cada turno. Isso é tudo que você pode fazer…a ação é precisamente específica. Estas são ações discretas.
Em outros jogos, as ações são definidas pelo que os jogadores não podem fazer.
Pictionary é um grande exemplo disso. Na sua vez de desenhar, você não pode falar ou usar símbolos, mas pode fazer qualquer outra coisa que quiser com seu lápis e papel. Essas ações contínuas não são tão comuns em board games, mas são ótimas para party games, e podem funcionar bem em jogos de destreza e jogos que envolvam negociação e barganha.
Note que esta não é uma distinção totalmente binária. Por exemplo, em Tessen, os jogadores jogam cartas de formas e em locais específicos, mas podem jogá-las a qualquer momento. Ou seja, todas as ações estão situadas entre o discreto e o contínuo, sem se enquadrarem exclusivamente como de um tipo ou de outro.
Birds of a Feather, um exemplo de jogo com ações discretas. Imagem do Board Game Geek.
Ações Simultâneas
Em alguns games, os jogadores se revezam na execução das ações. Em outros, múltiplos jogadores (geralmente todos) agem ao mesmo tempo. Tanto ações discretas quanto contínuas podem ser realizadas em turnos ou simultaneamente. Em geral, ações simultâneas contínuas envolvem todos os jogadores agindo de uma só vez. Em ações simultâneas discretas, os jogadores geralmente escolhem suas ações em segredo, e então revelam e resolvem suas ações ao mesmo tempo.
Por um bom tempo eu estive bastante empolgado com o uso de ações simultâneas em jogos porque elas tendem a reduzir o downtime, mantendo os jogadores engajados o tempo todo. Mas há algumas desvantagens a se considerar nesse mecanismo. Por um lado, os tipos de ações que você pode executar são limitados, e você precisa achar maneiras de lidar com conflitos. Por outro lado, jogos com ações simultâneas tendem a ser mais caóticos. Mesmo com ações discretas, os jogadores precisam tomar decisões sem o conhecimento total do status da partida, o que pode fazer o jogo parecer randômico demais.
Mas jogos baseados em turnos podem se mostrar lentos e envolver muito tempo de espera, especialmente quando os jogadores têm muitas opções ou podem fazer muitas coisas em um mesmo turno. Dá pra mitigar isso limitando as opções de escolha, impedindo os jogadores de encadear muitas ações em um único turno, e mantendo todos os jogadores envolvidos durante o turno de outro jogador.
Permitir a um jogador fazer apenas uma ação em seu turno é uma de minhas formas favoritas de mitigar o downtime, mas isto traz suas próprias desvantagens (claro). Por exemplo, os jogadores podem sentir que tem pouco controle, ou que os demais jogadores sempre vão impedi-lo de finalizar os combos iniciados por ele. É importante pensar em quantas ações o jogador estará apto a fazer de uma só vez em seu jogo. O número ideal pode ser uma, duas ou três, mas pode também não haver limite.
A seleção de ações simultânea é uma das mecânicas-chave de 7 Wonders. Imagem do Board Game Geek.
Ordem do Turno
Nos jogos baseados em turnos, os jogadores devem agir em uma certa ordem. Em muitos deles, convencionou-se seguir o sentido horário ao redor da mesa. Mas modificar a ordem de jogada é uma ótima maneira de sacudir um pouco o jogo. Claro que a mudança de ordem pode confundir os jogadores, especialmente quando ela não se baseia na posição das pessoas em torno do tabuleiro. Mas se você está trabalhando em um jogo de média ou alta complexidade, eu o encorajo a considerar esta opção. Ela fornece bastante flexibilidade, criando situações diferentes e interessantes, sem adicionar nenhum novo sistema ao jogo.
Outra coisa a ser considerada é se há quaisquer vantagens ou desvantagens na ordem de turno no seu jogo. Enquanto em alguns jogos o jogador inicial tem a vantagem, em outros o benefício é de quem fica por último (que pode reagir aos outros players com mais conhecimento); e raramente é alguém no meio. Mudar a ordem dos jogadores pode ajudar a evitar quaisquer vantagens que a ordem de turno possa proporcionar, mas há outras opções de saída, como dar a certos jogadores mais recursos ou ações.
A expansão Fire & Ice do Terra Mystica vem com um tabuleiro auxiliar que visa resolver o "problema" da ordem de turno. Imagem do BGG.
Jogando com Ações
As ações são tão fundamentais aos board games que muitos gêneros são definidos pela forma como lidam com elas. Jogos de Alocação de Trabalhadores (Worker Placement) são provavelmente o melhor exemplo disso. Neles, os jogadores se revezam selecionando ações: quando alguém escolhe uma ação pra realizar, ao mesmo tempo bloqueia o acesso dos outros jogadores à ela. O rondel é outro mecanismo de seleção de ações que está próximo de um gênero.
Praticamente oposto à ideia de Worker Placement estão os jogos em que a escolha de uma ação por si só habilita os outros a realizarem aquela ação, como em
Race for the Galaxy.
Destravando Ações
Ativar ações extras ou especiais costuma ser algo empolgante para os jogadores, então liberar novas ações pode ser uma excelente recompensa. Novas ações podem ser desbloqueadas durante o curso de uma partida (sendo reveladas ou tornando-se disponíveis à medida que os jogadores possam pagar por elas) pra ajudar a manter a curva de entusiasmo do jogo.
Ações com diferentes níveis de poder podem ser balanceadas através de algum custo que deve ser pago em recursos ou limitando o número de vezes que elas podem ser ativadas.
Reações
Em alguns jogos baseados em turnos, os jogadores estão aptos a reagir às ações dos outros jogadores. O exemplo mais famoso desse tipo de "contra-ataque" é
Magic, mas vários jogos estilo Take That como
Munchkin fazem uso desse mecanismo.
Muitos designers novos incluem reações (ou interrupções) nos seus jogos porque estão familiarizados com elas, mas eu costumo passar longe disso. Por que? Porque elas complicam muito a sequência de turno de um jogo e tem grande potencial de criar situações embaraçosas. Um jogador declara sua ação e começa a executá-la, mas um outro jogador quer interromper, então o primeiro jogador resolve voltar atrás. Ou o jogador ainda não tinha começado a realizar a ação escolhida, e decide mudar de ação ao perceber que um outro jogador quer interferir na sua jogada. E é sempre frustrante esquecer completamente que você tem uma carta de reação na mão até que seja tarde demais pra usá-la. Esses problemas são exacerbados quando as cartas de reação são raras e os jogadores mal podem esperar por uma chance de jogá-las.
Reações podem parecer contínuas, mas na verdade elas são discretas, apenas embaraçosamente discretas. Elas quebram o “turno” do jogador em vários turnos, onde todos os jogadores tem a oportunidade de reagir em sequência. Minha recomendação é evitar reações sempre que possível, a menos que seu jogo seja todo baseado nisso.
Passar
Há jogos que permitem ao jogador não fazer nenhuma ação em seu turno. Alguns deles até forçam os jogadores a não fazer nada. (Por exemplo, em um jogo onde as ações exigem recursos, o jogador que ficar sem recursos não vai ter o que fazer.)
Em A Study in Emerald, as ações dependem das cartas disponíveis. Quando não é possível usá-las, o jogador é forçado a passar.
Na minha opinião, você deve evitar a todo custo forçar os jogadores a passar a vez. A maioria das pessoas gosta de fazer coisas ativamente quando está jogando (se não fosse assim, eles prefeririam assistir um filme ou ler um livro), e pular uma jogada faz com que eles sintam que estão perdendo tempo. Se as ações são condicionais ou exigem recursos, dê aos jogadores alguma ação padrão pra fazer a cada turno, mesmo que ela seja fraca, como jogar uma carta fora pra pegar ouro em
7 Wonders.
Mas o que é uma Ação mesmo?
Eu abordei todo o assunto até aqui sem nem ao menos definir o que de fato é uma ação!
Tentei meditar sobre essa questão antes, olhando as ações humanas básicas e como elas se encaixariam nos jogos de tabuleiro. É um experimento interessante a se fazer, mesmo que não tenha sido muito bem sucedido no meu caso.
Mas no final das contas, praticamente qualquer coisa pode ser uma ação no jogo. Eu não vou listar as ações mais comuns porque seria algo desgastante e tedioso, dada a grande variedade de ações possíveis. Além de que, muitos board games são reconhecidos justamente porque destacam uma ação que não é comumente usada. Quando estiver trabalhando em um novo jogo, pense sobre as ações de outros jogos, mas também em ações que não têm sido amplamente usadas.
Luz, Câmera, Ação!
Ações são parte fundamental de qualquer jogo, então vale a pena considerá-las em todos os estágios de desenvolvimento. Tenha certeza de que está provendo aos jogadores ações interessantes pra realizar durante o gameplay, e se estiver limitando essas ações de algum modo, realmente se questione se isso vai melhorar o seu jogo ou não.
Espero que você tenha achado o artigo útil. Se tiver algum pensamento sobre o assunto que queira compartilhar, ou se sente que faltou alguma coisa, por favor continue a discussão nos comentários abaixo!