Pensando no propósito deste fórum e na discussão sobre competitividade, acabei comparando dois mundos onde ela aparece com força: na biologia — o “jogo” da vida, da sobrevivência e da perpetuação da espécie —versus o mundo dos jogos de tabuleiro, que é o interesse comum aqui.
Nos dois casos, existe disputa por um objetivo claro e final: vencer. Só um ganha (vamos deixar os cooperativos fora dessa conversa). A vitória faz parte das regras e é o que dá brilho ao jogo quando a disputa acontece de forma justa.
Na biologia, a competição é automática, cega e sem memória. O gameta masculino não se dá conta de que está competindo, nem tenta passar a perna (ou a cauda) em ninguém nem quer vencer para provar algo. Ele simplesmente segue seu caminho, responde a sinais químicos e cumpre sua função. Aqui, o desperdício é enorme mas, isto não chega a constituir um problema, porque o sistema se renova o tempo todo e não precisa se preocupar com o destino dos perdedores.
Nos jogos de tabuleiro, a lógica é outra. A competição é consciente, estratégica e social. Os jogadores observam, aprendem, erram, ajustam e, depois da partida, continuam sentando à mesma mesa. O jogo não acaba de verdade quando alguém vence; ele precisa continuar funcionando para a próxima rodada. Há o jogo e o 'metajogo', portanto.
Por isso, a competitividade que funciona na biologia não pode ser copiada ao pé da letra no hobby. Se isso acontecer, vai queimar o clima, afastar as relações e comprometer as regras. Ganhar usando competitividade radical pode até funcionar uma vez, mas enfraquece a essência do jogo. Quando a competitividade se repete de forma continuada o resultado será evidente: ninguém mais vai querer jogar de novo com quem joga assim.
É aí que entram o importante papel do designer do jogo e as regras de etiqueta de mesa. Bons designers tendem a ter o olhar voltado para esta situação, fazendo com que o jogo tenha uma competição controlada, criando mecanismos de recuperação, regras claras e limites para manter a disputa acirrada sem torná-la destrutiva. Combos infinitos; extrema vantagem para quem inicia turno; escassez de recursos após a ação de um jogador; scripts de vitória e falta de alternativas para se alcançar a vitória etc. são alguns pontos que devem ser cuidadosamente calculados, para evitar o desânimo de quem está em desvantagem na partida. Esse meticuloso cuidado com a criação é o que dá destaque e mérito ao Designer.
No fim, a biologia usa competição extrema para escolher um vencedor. Jogos usam competição calibrada para gerar boas partidas, repetidas vezes. Confundir essas duas coisas costuma render mesas tensas, jogos desequilibrados e menos diversão para todo mundo.