isauraluiza::
Queria entender esse tal Imponderável da guerra", do Von Clausewitz, e sua implicações nos jogos de tabuleiro.
Cara
isauraluiza
Olha, sem querer ser muito professoral, para entender o "imponderável da guerra", é preciso falar um pouquinho do Von Clausewitz. Ele foi um brilhante general e estrategista militar prussiano, que viveu entre o final do século XVIII e e o início do século XIX, tendo lutado nas Guerras Napoleônicas. Ele escreveu um tratado famoso chamado "Da Guerra", onde está uma frase famosa, que diz que "a guerra é a continuação da política por outros meios", e que representa bem o que foi o século XIX.
Esse tratado, além de apresentar uma das primeiras distinções entre tática e estratégia, também criou e desenvolveu o conceito da névoa de guerra. É como se os dois generais adversários estivessem comandando suas tropas em um nevoeiro que cobrisse todo o campo de batalha. Aliás esse conceito foi fundamental para o enorme sucesso e grande aceitação do Kriegsspiel, como o wargame de treinamento, de maior destaque nas academias militares prussianas e europeias. A "névoa de guerra" diz respeito às informações que um comandante não tem do inimigo, tamanho e forças das tropas, organização das formações, onde elas estão localizadas e etc. Mais tarde esse conceito evoluiu para englobar outros itens como o clima, o impacto do contato com o inimigo, a efetividade da sua própria estratégia, a capacidade adaptativa dos comandantes do outro exército, entre outros.
Um dos exemplo mais citados desse conceito foi o inverno russo, mas principalmente a tenacidade do Exército Vermelho, em especial em Stalingrado (aqui sem juízo de valor sobre a validade do processo que levou até essa tenacidade), que barrou o avanço das forças alemãs durante a 2ª Guerra Mundial, em 1942, até que o inverno causasse um verdadeiro estrago ao 6º Exército alemão (bastante despreparado em termos de equipamento para uma campanha de inverno), comandando pelo General Friederich Paulus, que acabou se rendendo em massa. Não fosse o esforço dos russos, obrigados ou não, e não fosse o inverno de 1942 tão rigoroso o resultado da 2ª Guerra certamente teria sido outro, e talvez a guerra fria tivesse ocorrido entre os EUA e o 3º Reich.
Portanto, em termos gerais, o "imponderável da guerra" é aquilo que uma pessoa não tem como prever em uma determinada situação. Em se tratando de jogos de tabuleiro, isso está representado em parte pela aleatoriedade (você não sabe qual será o resultado dos dados, ou que carta é a próxima do monte de compra). Mas esse conceito também se aplica a jogos com fator sorte bem menos preponderante, onde o que não dá para prever é a estratégia do seu adversário. Um exemplo clássico disso, e em um jogo com sorte praticamente nula é o Diplomacia, porque o jogador não tem como saber se seus aliados vão realmente honrar a aliança contigo, ou se os aliados do jogador que vocês está atacando vão honrar a aliança com ele. Outro exemplo mais bélico, é com se os jogadores jogassem uma partida de WAR ou Axis & Allies, vendo apenas os seus exércitos. Esse exemplo também vale para outros jogos, como Scythe, Terra Mystica, os 4x, especialmente quando o jogo envolve controle de área.
Para terminar o imponderável da guerra, aplicado aos jogos de tabuleiro, é como se você pegasse os jogos com informação oculta e elevasse à enésima potência.
Espero que a explicação, não obstante extensa, muito extensa aliás, tenha sido útil.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Por mais que eu tenha escrito, só para cobrir todas as bases, ficou faltando explicar como a névoa de guerra funcionava com os wargames do século XVIII-XIX, no treinamento de oficiais. Cada adversário jogava com um tabuleiro próprio em aposentos separados, ou com um tabuleiro único mas com divisória. Ele então entregava as ordens que passaria para seu exército, em especial quanto às movimentações da unidade para uma terceira pessoa que funcionava também como árbitro. Após receber as instruções de ambos os lados, o árbitro fazia as alterações correspondentes.