Esse é o segundo texto sobre os bastidores do desenvolvimento do Acarajé. No primeiro, eu falei sobre a inspiração da ideia inicial e a figura das baianas. Se você não leu a primeira parte, confira aqui. Agora, vou falar um pouco mais sobre as mecânicas e a jogabilidade do Acarajé.
Por conta do forte fator cultural, os meus jogos atraem um público que muitas das vezes não tem um vasto repertório de jogos. É o chamado público casual ou, conforme alguns dizem, público "fora do hobby". Por isso, ao longo do tempo, percebi que os meus jogos precisariam equilibrar uma jogabilidade simples e elegante, mas ao mesmo tempo original para cativar também os jogadores mais experientes e regulares. Sendo assim, o meu ponto de partida para o Acarajé foi o jogo da memória.
Muitos professores quando querem fazer um jogo, por exemplo, fazem jogos de trilha ou jogos da memória. Não vejo isso como um problema em si porque esse é o repertório de muita gente, mas acredito ser possível proporcionar experiências mais interessantes adicionando ou alterando algumas coisas nesses mecanismos. No caso do jogo da memória, eu já imaginava como seria se houvesse um personagem que andasse pelo cenário e abrisse as fichas à medida que caminhasse, em vez de simplesmente selecioná-las de forma aleatória. Para isso, já nos primeiros testes solo, percebi que seria necessário ter um tabuleiro como referência. Com essas ideias somadas à importância da presença das baianas, já me parecia haver um caminho promissor.

Na primeiríssima versão do protótipo, nem tabuleiro tinha (risos)

CLI = cliente, CB = cebola, FF = feijão-fradinho, AD = azeite de dendê. Nos primeiros testes solo, eu uso o mínimo possível mesmo
Em paralelo, eu pesquisei sobre o acarajé e listei os seus ingredientes: feijão-fradinho, cebola, sal e azeite de dendê. Então, defini que o objetivo seria encontrar esses quatro ingredientes pelo tabuleiro para formar um acarajé e depois disso ir até o cliente. Desse jeito, eu idealizei algo que chamei de "jogo da memória ao contrário": ao invés do jogador ter que pegar os elementos iguais, tal qual em um jogo da memória, ele teria que pegar os elementos diferentes. Além disso, ao invés de perder a vez por achar os elementos diferentes, o jogador perderia a vez justamente se achasse os iguais. Afinal de contas, de que adiantaria ter duas cebolas e não ter feijão-fradinho, não é mesmo?
Conforme os testes foram avançando, a mecânica de force a sua sorte foi incluída para dar autonomia ao jogador. Ao invés de simplesmente abrir duas fichas (ou qualquer outro número determinado), ficou a critério do jogador abrir quantas fichas quiser, ou puder, de acordo com o seu próprio apetite ao risco. Essa acabou se tornando a mecânica principal do jogo e tem agradado bastante quem gosta desse tipo de experiência.
Por fim, vale ressaltar que os jogadores sempre comentavam sobre a falta dos recheios no acarajé. Um acarajé feito somente com a massa não parecia tematicamente interessante. Com isso, fiz alguns ajustes pontuais para conseguir incluí-los. Na minha pesquisa, identifiquei cinco recheios que as baianas costumam colocar no acarajé: vatapá, camarão, caruru, salada e pimenta. Porém, na lógica do jogo que já estava criada, só daria para incluir quatro deles. E foi assim que o caruru acabou ficando de fora... Desculpa, caruru!

Versão do protótipo com as baianas 3D e a inclusão dos recheios
Muitas baianas hoje em dia não tem usado caruru, provavelmente por ser altamente perecível. Mas, como eu costumo dizer nas palestras e oficinas que dou para educadores, todo jogo é um recorte de um assunto e normalmente alguma coisa importante vai precisar ser cortada pelo bem da jogabilidade. Mas, nos nossos corações, o caruru está presente, gente.
Ainda me falta falar sobre os clientes, mas isso vai ficar para uma próxima para o texto não ficar longo demais.
__
O Acarajé está em pré-campanha na MeepleStarter e o seu financiamento coletivo começa no dia 04 de novembro. Se quiser saber mais, acesse: meeplestarter.com.br/acaraje