Fala Povo! Eu sou o Rafa Carvalho, e esse é o primeiro artigo da série “Por trás do Board” aqui no Covil dos Jogos!
“Por trás do Board” vai explorar como a temática, de um determinado jogo, é amarrada em suas mecânicas, trazendo um olhar mais voltado ao contexto histórico que inspirou o Designer.
Ao fim da análise vamos avaliar essa amarração em uma escala que vai de 1 a 5 (de “colado com cuspe” até “entro no mundinho”
?) sendo que essa não é uma escala da qualidade do jogo, já que podemos ter jogos fantásticos em que a temática não é bem amarrada (não é não Stefan Feld? Falei e saí correndo...).
E, aproveitando o anúncio recente da Roxley Games de uma nova versão do Brass, agora em Pittsburgh, iremos retornar à região que deu origem a esse clássico, Lancashire!
Brass Lancashire de Martin Walace é o segundo da série que conta com Brass (2007), Brass: Lancashire (2017); Brass Birmingham (2018), e Brass: Pittsburgh (2026), e conta a história de empreendedores competindo em Lancashire e arredores durante a revolução industrial inglesa, entre os anos de 1770-1870.
Durante a partida, você irá expandir seu império, estabelecendo canais e ferrovias, construindo e desenvolvendo várias indústrias, incluindo Fábricas de Algodão, Minas de Carvão, siderúrgicas, Estaleiros e Portos.
É um jogo que representa em profundidade a Revolução Industrial em Lancashire, incorporando mecânicas que refletem os aspectos econômicos, sociais e de transporte da época. A relação entre o conteúdo histórico apresentado e o jogo pode ser vista em vários elementos-chave:
Produção de Algodão e Indústrias Têxteis.
Em Brass: Lancashire, você deve desenvolver suas indústrias e criar redes de transporte para maximizar o lucro. O algodão, sendo um dos principais produtos industriais durante a Revolução Industrial em Lancashire, é representado pela construção de fábricas que produzem tecidos.
Assim como na história, onde a produção de algodão impulsionou a economia, no jogo o sucesso depende da eficiência na produção e comercialização desse algodão.
O jogo ainda simula a dinâmica econômica da época.
O preço e a demanda pelo algodão, e o desenvolvimento de mercados, são fundamentais para o sucesso em Brass, por isso, o ganho e custos das fábricas possui uma escala crescente.
Neste cenário, é fundamental a decisão entre construir fábricas mais baratas, no entanto menos eficientes, que vão te dar um retorno de curto prazo, ou então desenvolver sua indústria para acessar fábricas mais eficientes, porém mais caras, e que vão te dar retorno a médio e longo prazo, podendo inclusive pontuar nas duas eras do jogo, dos canais e ferrovias.
Falando nas eras, aqui temos uma mecânica chave , e que brilha no Brass, que é a questão do escoamento de suas mercadorias.
Logística no Brass e suas eras
As mecânicas de transporte no jogo refletem a importância das infraestruturas históricas, com a construção de suas rotas de Transporte para o escoamento da sua produção.
Essa rede é trabalhada em duas eras, a era dos Canais e a era das Ferrovias.
Isso espelha a evolução histórica que ocorreu em Lancashire, onde a movimentação de algodão e outros produtos foi facilitada pelo desenvolvimento de canais, um transporte fluvial mais barato em comparação com o transporte por estrada, e que estimulou o comércio regional permitindo que produtos chegassem a mercados mais distantes.
Porém, com o aumento em escala das produções industriais, e o advento da máquina a vapor, surgiu a era das ferrovias, aumentando ainda mais a eficiência no transporte de mercadorias, tanto para mercados internos quanto externos.
Venda de Mercadorias
Além de conseguir construir sua rede de transporte para escoar suas mercadorias, os jogadores devem ainda observar as flutuações do mercado e decidir quando produzir e vender, refletindo a volatilidade dos mercados da época, estando atentos a saturação dos mercados internos, já que esse pode fechar.
O ritmo da saturação desse mercado é variável, dependendo do acordo fechado em uma venda, o que gera uma corrida bem interessante, apesar de ser geralmente mais atrativo vender para os seus próprios portos.
Também é superinteressante a alternativa do uso de portos dos adversários para venda, teoricamente uma ação de ganha-ganha, porém que pode ser uma baita de uma furada de olho no coleguinha, fazendo com que seus produtos fiquem encalhados, não tendo, pelo menos por algumas rodadas, para onde serem vendidos.
Sobre a mecânica dos portos, como estes também se “fecham” após a venda, podemos interpretar como o estabelecimento de um contrato contínuo, daquela indústria com aquele porto, já que a renda adquirida com esse contrato permanece até o fim da partida.
Estaleiros
O uso dos portos abre ainda a possibilidade de um novo tipo de investimento, em Estaleiros, centros de construção e manutenção de navios, necessários para a logística externa a partir dos portos.
Em Brass, o investimento para a construção de estaleiros é bem alto, e requer muito planejamento, tanto financeiro quanto para o acesso a sua localidade, havendo poucas opções no mapa, porém esse planejamento é devidamente recompensado por muitos pontos de vitória, ou seja, mais prestígio para o seu empresário.
Ferro e Carvão
Temos que falar também dos Recursos: Ferro e Carvão, uma representação direta da importância destes recursos na Revolução Industrial.
Os jogadores precisam gerenciar a extração de carvão para alimentar suas fábricas e construir suas ferrovias, e a produção de ferro para construir novos edifícios e equipamentos.
Aqui as mecânicas dão mais um show, que é o acesso para compra e venda do carvão no mercado, já que esse recurso deve ser transportado por meio das suas vias logísticas, do contrário, você não consegue adquirir esse carvão de “terceiros” (tanto mercado/jogo quanto de adversários que tenham o recurso disponível em minas), o que pode travar jogadores menos experientes.
Já o ferro chega até você onde você estiver, isso porque é utilizado em menores quantidades, podendo ser transportado via carroça por exemplo, como na época, algo que é explicado pelo próprio autor no manual.
Empréstimos e ordem de turno
Outra ação possível são os empréstimos, e não preciso nem me aprofundar sobre como são relevantes, tanto no jogo quanto no mercado real.
Mas é claro, na realidade e na mesa temos que conviver com os juros, e tentar nos livrar deles o quanto antes, no caso do Brass, gerando mais renda, e aqui temos um ponto que, mecanicamente funciona muito bem!
É formidável notar como é mais fácil recuperar o prejuízo quando se pega o empréstimo na parte inicial da trilha de renda, e dominar esse ponto é essencial para o jogo, mas confesso que tive certa dificuldade em relacionar essa mecânica com o mercado financeiro real. Assim como a questão de que o valor que você gasta determina a ordem do turno seguinte, o que também funciona mecanicamente, mas não é tão o bem explorado tematicamente.
Esse talvez tenha sido o ponto mais claro onde a mecânica foi bem priorizada em relação à sua aderência temática, fazendo uso de uma bela “licença poética”. Se você tem alguma outra interpretação, me ajuda no entendimento, deixando aí nos comentários.
Cartas e a Estratégia Planejada versus a Deliberada
Um último ponto a se destacar sobre o jogo são as cartas, utilizadas para se fazer ações, duas por rodada.
Um amigo um dia me disse que o incomodou a aleatoriedade em relação ao acesso às localidades por meio das cartas, que podem vir distantes da sua rota, por exemplo.
Considero improvável isso atrapalhar sua macroestratégia, já que as cartas possuem múltiplas funções além da construção, como desenvolver um empreendimento, pegar empréstimo, fazer rotas, e vendas.
Mas o mais interessante sobre essa aleatoriedade, é que é temática! E posso provar!
Na administração, é consolidado o conceito de que a Estratégia Planejada jamais é igual a estratégia deliberada. Nunca conseguimos aplicar uma estratégia na integra, isso porque modelos são representações da realidade, mas jamais são capazes de abranger todos os fatores e imprevisibilidades, ainda assim, a estratégia é um norte, um guia.
De acordo com Henry Mintzberg, além da estratégia deliberada ser diversa da planejada, existem ainda as estratégias emergentes, que, resumindo, são oportunidades que acertam o curso da estratégia central, para que, no fim, cheguemos à “estratégia realizada”.
As cartas emulam esse conceito, pois você pode manter sua estratégia central, mas os movimentos do mercado (seus adversários) e as oportunidades que surgem (as cartas) fazem você adaptar a estratégia de curto prazo, mantendo em vista o plano central, ou até revendo, uma vez que as estratégias emergentes, assim como na prática da administração, podem ser até mais interessantes, como por exemplo investir em uma região que, de início, não era tão atrativa.
Personagens Históricos
E uma última curiosidade para fechar, é que no jogo você escolhe um entre oito empresários da época, o que não influencia na jogabilidade, por ser um jogo simétrico, mas ler a história desses personagens no manual é bem interessante, e dá uma ambientada bem legal.
Veredito final
Então é isso! Brass: Lancashire traz é uma experiência que captura a essência da Revolução Industrial, refletindo as dinâmicas complexas que moldaram Lancashire.
Mas prometemos classificar essa amarração, então vamos lá!
Dez mecânicas principais foram avaliadas quanto a sua amarração à temática, colocando Brass Lancashire, em uma escala de 1 a 5, com nota final de
4,3, ou seja, mecânicas muitíssimo bem amarradas à temática, entro no mundinho total!
E é isso, espero que tenham gostado, deixem nos comentários qual jogo gostariam que fosse avaliado no “por trás do board”, e até a próxima.
Sobre o Autor: Rafael Carvalho é pai da Alyssa e da Bia, maridão da Michelle, Professor Universitário, Dr. em Gestão do Conhecimento, Board Gamer, Covileiro e RPGista das antiga. Visite o perfil no Instagram: @ludosidebg e youtube: @ludoside-bg