#1 - Além do Jogo: The White Castle
Entrada do Castelo de Himeji, qualquer semelhança com a arte do jogo não é mera coincidência.
1. Apresentação do "Além do Jogo":
“Além do Jogo” é um quadro que faz parte do podcast e agora também está disponível em mídia escrita. O objetivo aqui é trazer elementos complementares ao jogo para enriquecer a sua jogatina e ambientação nos jogos. Através dos artigos e dos episódios do podcast, queremos discutir elementos históricos, escolhas do designer, ambientação, temática, arte e o que mais for interessante.
Esperamos que ao final o jogador possa aprender novas curiosidades sobre os jogos e que isso possa ser levado adiante durante as explicações e discussões.
E nada melhor do que começar isso com um jogo cheio de história e aclamado pelo público como The White Castle.
2. Visão Geral do Jogo:
The White Castle é um jogo que se passa no final do século XVIII, onde cada jogador controla um clã em busca de pontos de prestígio junto ao Daimiô Sakai Tadakiyo. Para isso, os jogadores devem alocar trabalhadores em busca de reconhecimento junto à nobreza, prestar serviços militares e cuidar do jardim do castelo.
Apesar da caixa reduzida, The White Castle (Editora Devir) é um grande eurogame desenvolvido pelo casal espanhol Israel Cendrero e Sheila Santos, designers de outros jogos publicados no Brasil como The Red Cathedral e Shinkansen: Zero Kei.
3. Período Histórico do Jogo
O jogo se passa no período histórico conhecido como “Período Edo (1603-1868)”, que é um momento marcante da história japonesa. O Japão encontrava-se num período de unificação com o Xogunato Tokugawa no poder, após séculos de guerras civis, traições e troca de poderes regionais. Para entender melhor o que significa o Xogunato Tokugawa, precisamos dar um passo atrás e entender o que foi o período Sengoku, que significa "país em guerra".
O Período Sengoku foi um momento histórico em que o Japão estava totalmente fragmentado e não existia a unificação do poder. Esse período ficou marcado por diversas guerras em dezenas de territórios controlados por figuras semelhantes aos senhores feudais (essa comparação com senhores feudais é comum, porém questionada por diversos historiadores). Esses senhores possuíam terras produtivas, poder militar e o controle de rotas comerciais, sendo a principal figura dominante nas regiões do território japonês. Essa última frase já justifica o interesse pelos conflitos, não? Influência, controle comercial, terras e poder!
Desses conflitos, alguns clãs poderosos começaram a se destacar e a ter uma influência maior sobre o território do Japão, até que em 1600 (Batalha de Sekigahara) o clã Tokugawa saiu vencedor e consolidou o seu domínio, iniciando um período de estabilidade e pacificação. O líder do clã Tokugawa foi oficialmente nomeado Xogum. Apesar do Japão ser um imperialismo, o Xogum era a figura que controlava o exército e a administração do governo. Na prática, quem mandava era o Xogum e o Imperador era uma figura simbólica.
Durante o xogunato Tokugawa, o Japão viveu sob uma estrutura social bastante rígida, conhecida como Shinōkōshō, onde os samurais viviam no topo, seguidos pelos camponeses que produziam alimentos, os artesãos que criavam bens úteis e os mercadores que geravam lucro sem produzir bens. Além disso, a mobilidade social era quase inexistente e até casamentos arranjados entre familiares de daimiôs eram controlados pelo Xogum, bem como a definição de trabalhos e vestimentas que cada classe social poderia usufruir. É nesse cenário, de um Japão controlado por um xogunato forte após anos de conflitos intensos, que The White Castle vai acontecer. No jogo temos os clãs representados pelos jogadores e a figura do Daimiô Sakai que controla a região do Castelo de Himeji. O Daimiô Sakai, personagem do jogo, é um daimiô que realmente existiu, além disso, no modo-solo do jogo, existe a menção ao clã Tokugawa.
3.1. O Castelo
O Castelo presente na caixa e no tabuleiro de “The White Castle” é o Castelo de Himeji, ou o Castelo da Garça Branca. Esse castelo está situado na cidade de Himeji e teve sua construção concluída no início do período Edo (ou xogunato Tokugawa). O castelo foi construído inteiramente com madeira e revestido com gesso branco, ganhando o apelido de “Garça Branca” pela cor e elegância.
Como outros castelos da época, o castelo possui um sistema defensivo de muralhas, labirintos, posições estratégicas para arqueiros, portas fortificadas e torres de observação, além da sua posição com visão privilegiada e panorâmica da cidade. Um outro elemento presente no jogo e nos castelos de época são as pontes, um detalhe bastante marcante dos componentes do jogo. Como forma de defesa, os castelos possuíam fossos ao redor e a necessidade de pontes para acessar o castelo. Sendo assim, em caso de tentativas de invasão, as pontes eram destruídas ou removidas e o castelo mantinha-se seguro dos invasores. Esta aí o elemento estético que deixa o jogo bem mais bonito na mesa.
Em 1993, o Castelo de Himeji foi declarado Patrimônio Mundial da UNESCO e é um dos poucos castelos que sobreviveram a guerras, terremotos e bombardeios. Nós vamos falar um pouco mais sobre o castelo e outros elementos da região.
4. Ações Principais do Jogo:
4.1. Guerreiros (Samurais):
Os samurais representavam praticamente o topo da estrutura social do Japão, estando abaixo apenas dos daimiôs e do xogum. Eram a classe militar dominante no Japão e tinham direitos únicos, como o porte de espadas e um alto salário fixo em arroz. Os samurais serviam aos daimios, garantindo a sua segurança e a proteção das suas terras. Além disso, seguiam o “bushido” (caminho do guerreiro), que era um código de conduta que valorizava a coragem, lealdade, disciplina e a honra do samurai.
No jogo, a ação de alocar guerreiros no mapa está associada ao ferro. Como bem podemos imaginar, o ferro faz todo sentido temático nessa situação, haja vista a importância desse material para a fabricação das espadas (katanas), o símbolo máximo dos samurais e um elemento fundamental da cultura japonesa.
Mas o ferro não era destinado exclusivamente às espadas, as armaduras dos samurais também tinham partes de metal para protegê-los de lanças, flechas e espadas. As armaduras que combinavam ferro e tecido acabaram se tornando símbolos de arte, disciplina e uma expressão da identidade do guerreiro. Muitas dessas armaduras eram passadas de geração a geração, como uma espécie de continuidade do legado e manifestação de respeito aos antepassados. Hoje, muitas dessas armaduras encontram-se em museus.
4.2 Cortesão (Castelo):
Os cortesãos eram membros que viviam e trabalhavam próximos aos líderes. Durante muitos anos, os cortesãos eram pessoas com interesses e atividades diversas como: arte, poesia, caligrafia, conselheiros e entre outros. Os cortesãos representavam a tradição, os costumes e cuidavam de todos os rituais do período. Eram garantidores da manifestação cultural e dos costumes tradicionais japoneses.
Não tinham a mesma autoridade e prestígio dos guerreiros na estrutura social, mas forneciam apoio para os daimiôs. De certa forma, os cortesãos garantiam uma certa legitimidade para reforçar a imagem dos daimiôs.
No jogo, a ação de alocar o cortesão está associada à madre-pérola. Mantendo a temática do jogo, a escolha da madre-pérola se deve ao seu uso em diversos materiais como detalhe estético que representava sofisticação, sutileza, elegância e beleza. Era comum daimiôs e samurais usarem itens de luxo para reforçar o seu status e como uma forma de demonstrar que também valorizavam uma cultura mais refinada e delicada.
4.3. Jardineiros (Jardins):
Por fim, a classe dos jardineiros, presente no jogo, adiciona mais uma camada de representatividade da cultura japonesa e do respeito à tradição. Os jardineiros não tinham o mesmo reconhecimento que os samurais e cortesãos, mas eram essenciais para cultivar os jardins dos palácios e residências dos nobres. Nesse período, os jardins eram espaços que representavam valores da cultura japonesa, como harmonia, beleza e espiritualidade. Ter um bom jardim era sinal de respeito à cultura clássica e uma forma de se aproximar de pessoas que tinham mais poder. Além disso, os jardins possuem uma relação com o budismo, meditação e espaços de reflexão, cabendo aos jardineiros a manutenção e proteção desses espaços.
O recurso associado a esta ação no jogo é o arroz. E nesse período do Japão, o arroz não era apenas um simples alimento, ele era a base da economia japonesa, refletindo na organização social e no poder político. Salários e impostos eram calculados e pagos em arroz e riquezas também eram medidas através dessa “moeda”. Basicamente, o tamanho da produção de arroz de um daimyo determinava seu poder, influência e até obrigações com o xogunato. Por conta disso, o governo Tokugawa inclusive mantinha registros de produção de arroz em cada região para garantir o controle social.
5. Outros Elementos do Jogo:
5.1. Selos de Daimiô:
Um dos elementos do jogo são os selos de Daimiô. Eles funcionam como um quarto recurso do jogo, servem para algumas ações ou como moeda de troca por dinheiro e outros recursos. Além disso, possuem relação histórica e representam mais um elemento temático dentro do jogo.
Era comum daimiôs usarem símbolos pessoais (hanko ou inkan) como uma espécie de selo/carimbo para assinar documentos oficiais, como ordens, contratos e cartas. Os selos marcavam as decisões administrativas e garantiam a autoridade e legitimidade daquele documento. Apenas pessoas poderosas como os daimios podiam emitir documentos selados.
5.2. Árvore:
Um outro elemento da arte do jogo é a árvore das flores rosadas. Trata-se de uma cerejeira, conhecida em japonês como sakura. A cerejeira está presente no jogo pela sua conexão com a própria cultura do Japão nesse período, uma representação da beleza e da breviedade da vida. Cerejeiras são belíssimas, mas sua floração dura pouquíssimo tempo e essa característica está conectada com a vida do samurai, aspecto passageiro que pode acabar a qualquer momento. A cerejeira era um símbolo de vida, morte, honra e beleza. Daimiôs costumavam plantar e manter jardins com cerejeiras como um objeto de contemplação.
5.3. Poço:
Um dos espaços de ação no jogo é o “Poço”, um outro elemento bastante temático para estar presente no jogo. Como falado anteriormente, o Castelo possui um sistema de defesa contra invasores, mas essa não era a única forma de “atacar” um castelo. Em batalhas, é comum a técnica de cerco, onde esgotam-se as formas de fazer chegar suprimentos para inviabilizar o castelo, enfraquecendo o adversário. Dessa forma, Castelos eram projetados para resistirem a cercos duradouros e o poço era fundamental para fornecer acesso à água. O próprio Castelo de Himeji possui diversos poços espalhados pelo seu terreno. Há uma menção ao Poço de Okiku nas regras do jogo.
6. Considerações Finais:
Se você gostou de jogar The White Castle ou se interessou pela temática, vale a pena conferir outros jogos que se passam num período próximo e possuem ligações com alguns aspectos de The White Castle, como: Shogun no Katana, Hokusai e Zhanguo: The First Empire.
É isso, galera! Espero que esse texto tenha lhe rendido algum aprendizado e que isso possa melhorar a sua ambientação do jogo. Esse é o texto que inaugura o "Além do Jogo" em mídia escrita e esperamos que funciona de forma colaborativa. Sinta-se a vontade para mandar suas sugestões, críticas e recomendação para o quadro. Não deixe de conferir os episódios do podcast!
Até a próxima.
Youtube: "É Tipo War Show"
7. Referências: