Igorba84::E, após toda esta sopa de números, tentando responder (de alguma forma) às inquietações de boa parte da família de boardgamers (especialmente ao Iuri), que está, com razão, em seu profundo desalento com a disparada recente nos preços dos jogos (em reais), vou me resumir aos seguintes pontos:
1- O custo do frete internacional subiu drasticamente (em especial, após a pandemia de COVID-19). Não tenho dados precisos ou números fortemente embasados em estatísticas do mercado internacional, mas posso dar um relato pessoal, com base na minha experiência na importação de jogos para uso pessoal: antes de 2019, jogos eram importados facilmente com frete abaixo de 10 dólares e, hoje, raras as vezes que jogos podem ser adquiridos com frete internacional inferior a 35 ou 40 dólares (aumento de mais de 3x).
Comparando-se o preço do frete internacional (em dolar) praticados antes de 2019 com os praticados atualmente, é possível chegar à conclusão que o preço dos jogos tende a subir também aqui no Brasil (já que este custo existirá sempre que o jogo for produzido fora do Brasil)
2- O custo do produto em si subiu drasticamente (em especial, após a pandemia de COVID-19). Comparando-se os preços internacionais praticados nos jogos antes de 2019 e atualmente, é possível perceber que, durante um bom tempo, a inflação lá fora pouco ou quase nada afetava o preço dos jogos, mas, de 2019 pra cá, com o desarranjo das cadeias de produção global, associado a um choque de oferta e de demanda global (em todas as áreas da vida, não só no microcosmos do board game), praticamente tudo lá fora ficou mais caro, obviamente, inclusive o preço dos jogos de tabuleiro.
3- A nossa moeda ficou extremamente desvalorizada de 2014 pra cá, mas, principalmente, de 2018 até agora, com a perda da credibilidade do Brasil (crise pós perda de governabilidade de Dilma e crises pós eleições de 2018 e 2022, agravadas com a perda da confiança no governo Bolsonaro, de 2019 em diante, e no governo Lula, desde meados de 2024, portanto, mantida até os dias atuais)
Estes fatos (1, 2 e 3), por si só, de forma isolada, já seriam suficientes para um aumento dos preços dos jogos de tabuleiro. Mas, ao somar os 3, temos que encarar a triste realidade: estamos ficando cada vez mais "pobres" se comparado ao resto do mundo e, por mais que nossos salários não sejam em dólar, praticamente tudo das nossas vidas está atrelado ao dólar (inclusive os jogos de tabuleiro, cuja produção, majoritariamente, ocorre no estrangeiro - custos de produção e transporte internacionais são em dólar e precisam ser repassados ao consumidor local, sob pena de a operação gerar prejuízo pra editora, o que não faz o menor sentido - vivemos em um mundo capitalista e as editoras, enquanto empresas, visam o lucro, não são instituições de caridade).
Façamos o seguinte exercício:
1- se um produto custa 25 dólares, o frete internacional é de 10 dólares e o dólar está a 3 reais, qual seria o preço "justo"? Algo em torno de 105 reais (desconsiderando-se quaisquer tributos, lucro da empresa, etc)
2- E se um produto similar passa a custar 50 dólares, o frete internacional passa pra 20 dólares e o dólar está a 6 reais, qual seria o preço "justo"? Algo em torno de 420 reais (desconsiderando-se quaisquer tributos, lucro da empresa, etc)
3- Notem que ao dobrar cada um dos 3 fatores (inflação internacional, frete internacional e Desvalorização do real), a tendência é que o preço fique 4x maior, isso sem contar o impacto da carga tributária e o lucro das empresas.
A triste consequência dessa realidade é a transformação de um hobby que já é de nicho em um microcosmos de poucos (o que dificulta ainda mais a redução dos preços, pois se torna mais difícil a economia de escala) - a tendência é que jogos mais "completos" continuem a vir sob demanda a preços fora da realidade da maioria dos brasileiros (isso se continuarem vindo)
Caro
Igorba84
Só para deixar claro esse meu profundo desalento, o que de certo modo me entristece bastante é a falta de perspectiva futura de que algum dia os jogos de tabuleiro no mercado nacional retornem pelo menos a um patamar viável. Por isso eu não demonizo as editoras nacionais, como se elas fossem a "quintessência do mal" e o "arquétipo da malignidade", e que vendessem os jogos caros apenas porque querem. Com certeza as editoras fazem isso, porque colocam o lucro imediato acima de outros interesses como a consolidação e fortalecimento do mercado nacional de jogos. Essa é uma opção que eu acho equivocada e míope, só que é preciso considerar que eu não atuo profissionalmente nesse segmento. Portanto, eu critico a política de altos preços dos jogos, que impede que o mercado nacional cresça e se fortaleça de modo sustentável, mas critico muito mais ainda, o fato das editoras não buscarem alternativas para equilibrar um pouco a balança ao invés de surfar na onda da escalada de preços.
Assim sendo, eu lamento muito que o Puerto Rico 1897 tenha vindo custando R$ 750,00, e que talvez a MeepleBR não tenha tido como baixar mais esse preço, mesmo que quisesse, por essa série de questões que você apresentou. Mas eu lamento mais ainda que a política não apenas da MeepleBR, mas de praticamente todas as grandes editoras nacionais é não se importar muito que o jogo tenha vindo tão caro, afinal isso é só par ao bico de uma meia dúzia de afortunados, e certamente meia dúzia de afortunados não é tão difícil de achar.
Além disso, os meus comentários mais do que uma revolta, foi mais no sentido da mera constatação de que R$ 750,00 é um preço totalmente fora da realidade, não apenas minha mas de uma grande parte da comunidade boardgamer. E quando eu digo fora da realidade, pelo menos no meu caso, não é nem que eu não possa dispor desse dinheiro para comprar o jogo. Felizmente eu tenho uma condição que me permite se eu quiser gastar R$ 750,00 em um capricho. Mas esse valor fica fora da minha realidade, porque eu acho que nada justifica pagar tão caro assim em um board game. Certamente em outros tempos eu até já gastei isso, aliás foi mais ou menos isso que eu paguei na minha cópia importada do Champions of Midgard, com as duas expansões, então de certo modo, quem sou eu "para atirar a primeira pedra".
Só que hoje em dia, após um longo processo de repensar minha coleção e a forma como eu vivencio o hobby, e que serve única e exclusivamente para mim, eu cheguei à conclusão de que se eu posso fazer alguma coisa, por menor que seja, é deixar de ratificar e compactuar com essa escalada de preços de board games que se acelerou nos últimos anos. Reconheço a minha parcela de culpa, porque durante os meus anos de hobby, eu contribuí para isso, e por isso agora procuro me redimir, não apenas não comprando jogos no lançamento, quando eles estão muito mais caros, mas também como alertando aos mais novos os perigos sobre esse tipo de postura, e contando e reconhecendo os meus equívocos, para que outros não cometam os mesmos erros se assim eles entenderem.
Por fim, não quero, e nem posso de forma alguma, posar de "arauto da virtude" ou de "dono da verdade", mas procuro apenas dar o meu relato, expressar minhas opiniões, e convidar a quem porventura ler o que eu escrevo, que reflita a respeito, e tire suas próprias conclusões.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio