Caros RaphaelGuri, gtaouil, fantafanta, DuqueXenofontes
Essa questão das lojinhas de board game de bairro envolve muitas variáveis e situações diferentes, e por isso eu acho importante discutir em cima do conceito, evitando generalizações. Dessa maneira, eu penso que não é porque um sujeito teve problema de devolução de jogo com a loja XYZ, ou que a loja ZYX vende os board games pelo dobro do preço de mercado, que absolutamente todas as lojas são assim, e por isso não mereçam o nosso apoio.
Certamente eu não estou defendendo aqui que se apoie alguns "espertalhões", que infelizmente existem em qualquer setor econômico e em qualquer atividade humana. Mas no mundo não existem apenas "espertalhões", porque tem muita gente boa e honesta suando a camisa diariamente para manter a loja aberta, inclusive nas lojinhas de board game do bairro.
Do mesmo modo, se uma pessoa mora em uma cidade e tem o seu grupo de jogo, mas por um motivo qualquer precisa mudar para outro estado, onde é que ele vai arrumar outro grupo para jogar? Fora isso, onde é que essa pessoa vai encontrar outras pessoas que também curtam jogos de tabuleiro para poder trocar uma ideia? O lugar mais provável, em ambas as situações, é a lojinha de board games do bairro ou da cidade. Agora, evidentemente esse cenário só faz sentido se no bairro ou cidade, realmente tiver uma lojinha de board games, porque não dá para apoiar uma loja física se ela não existe.
Em relação aos eventos locais, certamente boa parte deles parte da iniciativa dos jogadores. Mas normalmente onde eles ocorrem? Nas lojinhas de bairro. Onde eles são divulgados? Nas lojinhas de bairro. Quem é que comparece a esses eventos? O mesmo público que frequenta as lojinhas de bairro.
No mais, pode ser que eu seja mais velho e tenha ainda vivo na memória uma juventude anterior à Internet e seja influenciado por isso, pode ser que eu seja de um tempo onde se jogava, se falava e se aprendia sobre board games e quando os eventos de jogos ocorriam na lojinha do bairro, e por isso talvez o meu vínculo, inclusive afetivo, com esse conceito seja mais forte do que aqueles que entraram no hobby depois. Pode ser que eu tenha iniciado no hobby em um tempo em que o on-line ainda não estava tão presente no universo de tabuleiros. Pode ser que eu tenha uma aversão pessoal à frieza do on-line. Pode ser que eu sinta a falta do contato pessoal quando compro alguma coisa. Pode ser que eu sinta falta de um tempo em que se compravam livros em livrarias. Pode ser também que os meus receios sejam totalmente infundados. Como vocês podem ver, são muitos "Pode ser...".
Mas, sinceramente eu tenho receio de que nós estejamos transferindo tanto da nossa vida para o on-line, porque é mais prático e mais barato, que estejamos perdendo um pouco a capacidade de conviver no mundo real. As pessoas quase nem se telefonam mais, porque é mais rápido e prático mandar mensagens ou áudios no whatsapp. Talvez seja por isso que as pessoas hoje em dia estejam tão impacientes, tão intolerantes, tão ansiosas. O on-line era para facilitar a vida, e ninguém honestamente pode defender que o on-line não torna muitas coisas mais fáceis. Mas se ele facilita em alguns aspectos, me parece que o on-line prejudica bastante em outros. Basta citar as fake news e a cultura do cancelamento, porque uma fofoca antigamente apenas causava certo constrangimento em alguns círculos mais próximos da pessoa, mas hoje se pode literalmente destruir a vida pessoal e profissional não apenas de um indivíduo, mas de famílias inteiras, com apenas meia dúzia de palavras, uma acusação infundada e um clique, e exemplos disso não faltam. Marcius Melhem que ganhou todos os processos judiciais sobre o suposto assédio que teria alegadamente cometido (processos reais, não conversa de whatsapp e vídeo de Youtube, onde não se precisa provar nada, basta acusar) que o diga! Mas disso ninguém mais fala, porque o escândalo da vez é outro, e amanhã vai ser outro e assim por diante...
Além disso, se nós que já jogamos on-line, também passarmos a só comprar on-line, eu tenho o receio de que o conceito de reunir os amigos ao redor de uma mesa com um jogo de tabuleiro, para nos divertirmos e darmos boas risadas, acabe se perdendo. E só para esclarecer, eu sou um grande entusiasta de versos digitais de board games, mas apenas como um acessório alternativo para jogar numa noite de quarta-feira quando não há ninguém disponível, ou quando o sujeito se muda e ainda não montou outro grupo, para aprender corretamente as regras e coisa e tal, mas sempre de forma secundária em relação os jogos físicos.
Por fim, eu acho que o on-line já é uma realidade, e que isso já está deixando o mundo mais frio e menos humano, e que para, ao menos tentar deixar a situação um pouco menos desigual, talvez seja uma boa, mesmo que menos prático, mesmo que menos rápido, mesmo que menos barato, manter apenas alguns aspectos da nossa vida, longe do on-line, e eu acho que isso passa por apoiar a "lojinha de board games do bairro". Pode ser que isso seja um idealismo saudosista e ingênuo da minha parte, eu reconheço, mas é assim que eu penso.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio