Há um tempo venho pensando em escrever uma resenha que tente responder uma pergunta que me fiz durante muito tempo: AGRÍCOLA ou CAVERNA?
Essa pergunta vinha recheada com algumas questões menores, como:
- Eles ainda são relevantes após tantos novos jogos de fazendinha lançados atualmente?
- Qual deles melhor entrega a sensação de desenvolvimento de fazenda?
- Qual diverte mais?
- Seriam eles Euros pesados?
- Qual deles vale a pena adquirir e manter na coleção?
- Me basear em vídeos do Youtube e resumos me traria a resposta?
Já responderei a última questão agora: normalmente, temos a tendência de jogar primeiramente conforme o hype do momento, e depois parar para jogar velhas experiências que não estão no Ícone de lançamentos. Tendemos a ouvir resenhas de jogos como uma verdade e isso, muitas vezes, nos impede até de jogar algo. Sobre os jogos em questão, é natural ouvirmos coisas como: "Punitivo demais", "o tema não me agrada", "Tal jogo é melhor", "A expansão corrige isso e aquilo"...
Já observei que jogos com hype vendem como água, mas depois aparecem aos montes em grupos de revenda nos aplicativos de mensagens e nos mercados online. Já os classicos não são bem assim.
Por isso, aconselho que busque a opinião de jogadores experientes, sim, mas sempre jogue em luderias ou com amigos que tenham o jogo; ninguém vai resenhar um jogo melhor que a sua experiência com ele, seja um hype ou um clássico.
Eita, então por que continuar lendo essa resenha aqui? Bom, eu não sou um crítico de jogos, não tenho os lançamentos do momento para usar como unidade de medida comparativa, não tenho contato com editoras ou canal no youtube e nem sou conhecido. Eu sou um jogador de boardgames que divide os jogos em 6x no cartão para tentar proporcionar boas experiências entre amigos e família. A minha resenha será focada nisso, na experiência que esses dois jogos entregaram de administrar uma fazenda, se ela valeu a pena e divertiu.
Agora vou responder a primeira pergunta sobre a relevância deles atualmente: sim, eles são relevantes e eu não conheci jogo que entregue o que ambos me fizeram experienciar na mesa. E existem outros jogos de fazendinha: Clãs da Caledônia, La Granja, e mais alguns que joguei numa luderia de minha cidade; mas Agrícola e Caverna são os jogos que melhor significam o termo "Old But Gold". Eu os conheci apenas no segundo semestre de 2024 e joguei bastante, bastante mesmo, ao ponto de migrar de um para o outro no mesmo dia. Isso pois já pensava nesse texto e tinha (naquele momento) uma necessidade meio besta de responder: Qual é o melhor?
Sobre o Agrícola:
De forma sincera, se você é um daqueles jogadores com baixa tolerância a frustração, talvez suas primeiras partidas sejam difíceis. Mas se gosta de um desafio moderado, está no lugar certo.
Te afirmo que Agrícola não tem nada de punitivo, mas ele te dará uma sensação de aperto, de dificuldade que as pessoas da minha mesa amaram. E você vai sobreviver após receber um ponto negativo por não conseguir plantar um legume na primeira partida, é só um jogo pra você se sentir tão punido assim. rs...
Esse jogo te insere num campo vazio, com dois familiares que começam a desenvolver sua fazenda do zero. A ideia é fazê-los trabalhar juntos (e até ter filhos para auxiliar nesse trabalho no futuro) para que seus campos prosperem com várias plantações e animais. Nem por isso eles estarão sozinhos o tempo todo, você terá cartas em mãos com "ofícios": pessoas que podem te ajudar com suas habilidades únicas; e "Pequenas Melhorias": utensílios e construções que irão ajudar seus familiares a se desenvolver mais rápido.
Devido a essas cartas, Agrícola sempre te proporcionará partidas únicas, pois em cada uma delas as cartas em sua mão serão diferentes ou com composições diferentes, te desafiando a desenvolver novas estratégias para construir uma boa fazenda.
Temos também as "grandes melhorias": fogões, olarias, poços entre outras, que auxiliam prioritariamente na alimentação de sua família de fazendeiros através de suas plantações e animais.
Eis o ponto alto de Agrícola, as cartas e suas habilidades. É muito interessante saber que cada jogador tomará um caminho único para tentar chegar nos seus objetivos e é bastante divertido ver isso acontecer na mesa. Agrícola diverte. Cada partida será única e todas as vezes sua fazenda será diferente, pois todas as vezes você terá possibilidades novas para fazer isso através das cartas e disposição dos seus familiares e das outras famílias no tabuleiro central através das escolhas dos outros jogadores.
Um exemplo: muitas vezes dois jogadores querem muito ter madeira para construir cercas para os animais ou outro recurso específico que você também quer, aí você tem duas saídas: pegar primeiro e/ou usar cartas/melhorias para conseguir isso de forma diferente.
A sensação de desenvolvimento de fazenda está presente do início ao fim e acontece de forma orgânica. Destaco aqui alguns fatores que o Agrícola entrega de forma ímpar:
- A construção e aprimoramento das casas que melhoram a estrutura da sua fazenda e, por isso, te renderão melhores recompensas no final;
- A possibilidade de você construir seus pastos como quiser para abrigar seus animais. Você pode construir um pasto de 1 quadradinho ou fazer igual meu amigo que construiu um pasto usando 9 quadrados e tinha tanta ovelha que quase faltou pros demais jogadores;
- A forma como sentimos as coisas se desenvolvendo durante o jogo, como as plantações que começam pequenas e difíceis para depois se tornarem essenciais para a continuidade do desenvolvimento. A procriação dos animais, o aumento familiar, aliás...
- O crescimento familiar é tematicamente e mecanicamente amarrado ao jogo de forma inteligente, pois você aprende enquanto joga que ter mais membros te proporciona um melhor desenvolvimento;
- O jogo gera um crescimento lento, mas consistente e orgânico das coisas que não fez os jogadores das minhas mesas ficarem contando pontos de vitória ou com medo das pontuações negativas que existem caso você deixe: de ter algum animal, cereal, legume ou deixe algum espaço de campo em aberto; muito pelo contrário, no final das partidas eu ouço coisas como: "Na próxima tentarei fazer de tal jeito", "Esse cortador de sebes me ajudou muito, eu adorei esse cara(carta de ofício)", "Se eu tivesse um filho a mais, talvez eu conseguisse um resultado melhor".
O que pode te incomodar durante o jogo?
Justamente essa dificuldade e crescimento orgânico. A leitura das cartas. A dificuldade inicial com a alimentação. O processo começa lento, o que pode incomodar jogadores que querem pontos e pontos e agilizar o desenvolvimento pra vencer... mas a fazenda se desenvolve e ganha muita força depois. Eu pessoalmente achei que ele flerta com a dificuldade de levar uma vida real no campo. Se você tiver qualquer contato com famílias de agricultores, vai entender (né, pai!?), mas é um jogão que vale muito a pena você se permitir conhecer.
Por fim, Agrícola não é um euro pesado e acho, inclusive, ele mais fácil de ensinar que o Caverna. Existe uma curva de aprendizagem para os jogadores iniciantes e a necessidade de leitura das cartas para melhor aproveitar a experiência do jogo. E ele roda em 4 jogadores, no máximo. Isso aumenta com as expansões, mas elas estão caras demais devido ao esgotamento no Brasil.
Sobre o Caverna:
Olha, quando eu joguei a primeira vez, senti na hora que eu teria uma liberdade imensa de fazer coisas sem a sensação de aperto que o Agrícola proporciona.
Esse jogo é para os jogadores que querem chuva de pontos de vitória, construir uma fazenda de forma a te fazer ser aquele que tira leite de pedra e, inclusive, alimenta até os seus anões com essa pedra.
Aqui não tem dificuldade com desenvolvimento ou alimentação, aqui o crescimento é acelerado, pois o jogo insere outras dinâmicas que possibilitam novas formas de chegar aos seus objetivos.
Caverna não é sobre uma família que começa do zero o desenvolvimento de uma fazenda, é sobre anões que tentarão extrair o máximo que conseguem de seus campos e construções. Ele usa as regras básicas do Agrícola e expande para algo novo. Você e os demais jogadores serão anões que pretendem desenvolver uma fazenda ao lado de uma montanha onde construirão sua casa/sua caverna (daí o nome do jogo).
Durante a partida, os jogadores terão a possibilidade de se tornar anões guerreiros, terão um tabuleiro a parte com mais de 30 construções disponíveis para todos e uma dinâmica com combo de ações e peças duplas, além de novos recursos que funcionam como uma "moeda" de compra para potencializar ainda mais sua estratégia.
Aqui eu destaco o ponto forte do Caverna, ele é extremamente permissivo e isso te gera uma sensação de "YES, WE CAN!" que eu acho divertidíssima. Com uma ação, você ganha comida, um cereal e ainda ara um campo e um prado, na outra você ara mais um campo e um prado e depois semeia 2 sementes de cereal e 2 legumes (se as tiver), na próxima você coleta pedra, escava sua caverna e já pode colocar uma mobília dentro; e assim vai, querido leitor ou leitora, é esse combo de ações sem fim. É um relâmpago marquinhos do agronegócio.
Mas, calma, isso tudo tem seus prós e contras, vamos lá:
- Caverna tem suas inúmeras construções que possibilitam várias e incontáveis possibilidades de desenvolvimento da sua fazenda. Aqui você está focado nos pontos e as construções deixam isso claro, visto que várias delas modificam, multiplicam e proporcionam pontos de vitória quando construídas;
- Também há a necessidade de ter filhos para que esses novos anões aumentem o número de ações que cada jogador tem;
- A adição da mineração que serve para dois propósitos: os rubis são recursos coringas que servem para você comprar tudo o que precisar no jogo. Ter rubis em mãos é ter vantagens a mais. Já os minérios possibilitam a forja de armas, sobre elas...
- Forjar armas permitem que seus anões se tornem guerreiros para partir em expedições. As expedições são um ponto extremamente forte do jogo, dependendo a força do anão e do nível da expedição, com uma ação você volta com animais, legumes, construções, pastos entre outras possibilidades. Jogadores que usam as expedições de forma inteligente voam nesse jogo;
- Temos animais novos que ganham dinâmicas novas. No Agrícola, temos as ovelhas, os javalis e as vacas. No Caverna também, mas com a adição dos burros e dos cachorros. Nesse jogo os pastos ainda são necessários para controlar os animais, mas aqui eles vem prontos, você não os constrói como quer. Além disso, os cães podem pastorear as ovelhas foras dos pastos, os javalis podem ser mantidos com estábulos nas florestas e os burros podem ser mantidos nas minas. Há construções que dividem o lugar entre seus anões e animais. Organizadinho, todo mundo dorme amontoado;
- O Tabuleiro do jogador é maior e as peças duplas preenchem ele rapidamente, a sua preocupação não está nessa expansão, mas nas construções que se utilizarão delas para te garantir pontos. Além disso, esse tabuleiro maior somado as peças duplas geram uma sensação de quebra cabeça interessante ao sobrepor peças, pastos e construções.
O que pode incomodar durante o jogo?
Há mais regras que o Agrícola. Se o jogador já conhece o Agrícola, vai tirar de letra, caso não conheça, tenha paciência ao explicar. As partidas perdem sua unicidade assimétrica aqui, a ausência das cartas e a adição das construções sempre deixarão o início do jogo igual. Jogadores mais experientes podem criar scripts de ações e construções que são mais eficazes para vencer e isso pode impactar a experiência de novos jogadores. A grande quantidade de construções também pode fazer os jogadores perderem o interesse na leitura de uma por uma; pois não há como decorar tudo. Sugiro que incentive a leitura durante a partida, mesmo que isso impacte no resultado final da experiência.
A sensação de desenvolvimento de uma fazenda está presente, mas de forma bastante reduzida. Você percebe bem rápido que esse é apenas o pano de fundo que dá forma a uma corrida por pontos de vitória. É muito fácil conseguir tudo, então a recompensa não está no crescimento da fazenda, mas nos pontos de vitória que você faz nesse processo, o que tira o título de "jogo punitivo" que o Agrícola carrega, mas pode fazer novos jogadores terem dificuldades de encontrar um caminho em meio a tamanha liberdade e quantidade de construções e ações.
Por fim, Caverna é euro leve para médio. Existe uma curva de aprendizagem até o jogador se adaptar as construções. Ele roda em até 7 pessoas e é interessante jogar em mais jogadores (joguei em 4) para aprender observando como cada um joga. É bastante divertido você alimentar seus anões com tudo o que tem direito e fazer as expedições para maximizar sua coleta de recursos.
Por fim, destaco que entre Agrícola e Caverna EU TENHO OS DOIS:
- Agrícola possui assimetria desde o primeiro contato com o jogo através das cartas, mas é lento justamente para entregar a sensação de desenvolvimento de uma fazenda. Eu sempre começo apresentando o Agrícola.
- Caverna é permissivo e bastante ágil, é como eu disse acima, o relâmpago marquinhos do agronegócio fantasioso. Entrega uma experiência que não foca desenvolvimento de uma fazenda, é sobre o que fazer depois que a desenvolve.
Concluindo:
- Eles ainda são relevantes após tantos novos jogos de fazendinha lançados atualmente?
Com toda certeza, dequide um tempo para conhecê-los e identificar qual mais se adequa ao seu gosto; mas deixo aqui uma menção honrosa ao Campos de Arle que também é excelente.
- Qual deles melhor entrega a sensação de desenvolvimento de fazenda?
Agrícola. Pela temática bem implementada e somada a uma mecânica inteligente e unicidade das cartas.
- Qual diverte mais?
Ambos. Mas noto que a permissibilidade do Caverna tende a ser mais bem aceito (aqui em casa é 50/50).
- Seriam eles Euros pesados?
Não. Agrícola é mais leve e o Caverna apenas possui mais regras, é preciso didática pra ensinar tudo sem o povo pedir pra aprender jogando.
- Qual deles vale a pena adquirir e manter na coleção?
No meu caso, mantenho ambos, pois além de irmãos, eles entregam experiências totalmente diferentes. Se um dia eu precisar escolher realmente, ficaria com o Agrícola, mas um bom caminho para decidir qual manter na sua é ler os pontos fortes de cada um e ver qual se adequa melhor ao seu gosto.
Espero ter somado com um olhar diferente sobre esses dois jogos e essa questão que sempre vejo por aí volta e meia.
Um grande abraço.