fabiomoon007::iuribuscacio::
No mais eu concordo totalmente que o hobby já desceu ladeira abaixo faz tempo, principalmente em relação ao nível de exigência de qualidade dos produtos, por parte da comunidade boardgamer. Nesse quesito, eu acho que nós não conseguimos atingir um meio termo saudável, porque no início do hobby por estas bandas, a comunidade exigia meeples de "madeira de lei", cartas da grossura de um cartão de crédito e uma precisão de nanômetros no alinhamento, mas agora até jogo mofado e com tradução no nível kindergarten do CCAA a comunidade está topando e levantado as mãos aos céus em agradecimento.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Engraçado vc falar isso do meeple de madeira de lei pq se a gente pegar o El Grande, por exemplo, ele tem componentes mega simples.
Não tem nada rebuscado e é um baita jogo até hoje - eu acho.
Mesmo com a reestilização ele ainda é um jogo relativamente simples do ponto de vista visual.
Vc que está nesse calabouço desse hobby há bastante tempo, consegue lembrar em que momento a chave virou e os jogos passaram a ficar gourmetizados?
Caro
fabiomoon007
Quanto à questão do El Grande você tem toda a razão, mas quem acompanha o hobby pelo menos desde 2013/2104, o início dos lançamentos nacionais dos grandes board games gringos, certamente lembra o quanto as pessoas torciam o nariz para peças de plástico. Foi preciso que os próprios jogos gringos começassem a vir com peças de plástico, para os mais exagerados pararem de falar nisso. As pessoas acharam o cúmulo o Stone Age não vir com o copo de couro, por conta de decisão do INMETRO, salvo engano, e não da editora, como se isso realmente inviabilizasse jogar o Stone Age. Teve gente que chegou a dizer que era uma pena o Azul original não vir com peças de madeira, e que isso era um retrocesso.
No caso da gourmetização, mais uma vez eu posso estar enganado e corro um risco enorme aqui, de falar algo contra um jogo com uma legião de fãs muito fanática. Porém, eu acho que isso tudo começou com o Twilight Imperium 4, no final de 2018 e início de 2019. Na época esse jogo saiu, mais uma vez, salvo engano, por R$ 700,00, que era um preço absurdo para época. Mas como era o todo poderoso TI4, "o jogo perfeito e obrigatório em qualquer coleção para qualquer tipo de jogador", começou aquela conversa de que "está muito caro, mas vale o preço", "preço é diferente de valor", "se você dividir o preço pelo número de partidas fica mais barato que o cinema", entre outros lugares comuns que se usa para justificar preços cada vez mais altos. Depois veio o fenômeno Gloomhaven, de janeiro de 2020, que bateu a casa dos R$ 900,00, em seguida o Nemesis que custou R$ 1.000,00 no final de 2020, e por fim, o Descent: Lendas da Escuridão (que não deu muito certo), superando a marca dos R$ 1.200,00 em 2021, e por aí vai.
Entre esses existiram outros jogos supercaros (Mage Knight Edição Definitiva, Tainted Grail, Cthulhu: Death May Die, Clash of Cultures, Brass: Birmigham, Western Legends, etc), mas eu acho que esses acima foram os principais jogos que influenciaram essa escalada exorbitante de preços. O que se viu foram as editoras pensando "se o camarada dá mil reais em um jogo pesadão desses, então dá para começar a cobrar 500/600 nos jogos que custavam 300/400..." Além disso, também se viu muita gente, que descia o sarrafo no aumento de preços, cobrar verdadeiros absurdos por cópias inflacionadas dos jogos esgotados, no melhor estilo "o jogo é meu e eu cobro o que eu quiser, e compra quem quiser". Em outras palavras, quando a editora enfia a faca no preço dos jogos está errado, mas quando sou eu que faço isso, então está tudo certo. Um exemplo claro disso foi o Stone Age, que chegou a ser vendido por R$ 180,00, mas que esgotou e as cópias usadas começaram a ser vendidas por quase R$ 700,00. O resultado foi que a Devir relançou o jogo por R$ 500,00 / R$ 600,00, não por qualquer cálculo de engenharia de produção, mas simplesmente porque era isso que as pessoas estavam pagando pelo jogo.
Também foi fundamental para esse processo de gourmetização, o chamado "Efeito Gloomhaven". Quando foi lançado, o Gloomhaven esgotou no mesmo dia em algumas horas, e teve loja que todo o estoque já havia sido comprado na pré-venda. E isso para um jogo que requer uma dedicação enorme, e que custava quase mil reais. Uma semana depois, pessoas que conseguiram comprar mais de uma cópia anunciavam o jogo no Mercado de Usados custando de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00, e muita gente pagava, porque era o único jeito de conseguir o jogo. Isso criou o chamado "Efeito Gloomhaven", que é o medo do jogo esgotar da noite para o dia, o sujeito não conseguir comprar, e ter de pagar o dobro do preço no Mercado de Usados. Só que esse episódio do Gloomhaven nunca mais se repetiu, tanto que quem tentou o mesmo truque de comprar para revender, um ano depois com o Descent, amargou um baita prejuízo. Mas foi essa a impressão que ficou, então por mais caro que a editora cobrasse pelo jogo, todo mundo corria para garantir a sua cópia. Pouca gente espera alguns meses para ver se o preço do jogo baixa, e isso acontece algumas vezes e outras não, especialmente com jogos que vendem bem. Basta ver a "corrida" (perdão pelo trocadilho infame) que aconteceu no caso do Heat.
Dito isso tudo, eu penso que é muito comum nós culparmos as editoras pelos altos preços e pela gourmetização do hobby. O problema que ninguém quer admitir, é que pelo menos metade dessa culpa é nossa. Todo mundo reclama e reclama muito de preço, mas salvo um ou outro, as pessoas acabam comprando caro mesmo. Para cada um que diz aqui que espera o preço baixar, se é que ele faz isso realmente, existe uma centena que compra o jogo no lançamento a um preço altíssimo. Aliado a isso, nós temos editoras nacionais que atingiram um patamar de tiragens na faixa de 1.000 a 2.000 unidades por jogo (um pouco mais no caso dos party games), que já foi atingido há anos, e do qual as editoras não saem porque é muito confortável. Isso faz com que não se possa baixar a margem de lucros e ganhar mais no maior volume de vendas. Assim o que se vê é que as editoras não querem vender mais unidades do mesmo jogo, mas sim vender a mesma quantidade de cada vez mais jogos diferentes. Houve um época em que ainda dava para saber, e acompanhar, todos os jogos que eram lançados, mas hoje isso é literalmente impossível. O resultado é que a editora lança um jogo, e depois que passa o frenesi inicial, ela nunca mais quer saber dele, por isso, a menos que o jogo seja um campeão de vendas, em nível estratosférico, a possibilidade de vermos uma expansão dele é mínima. Exemplos disso não faltam.
Para terminar, enquanto as editoras continuarem com essa mentalidade de produção quase artesanal, e enquanto as pessoas continuarem a se comportar como se os board games fossem imprescindíveis e fundamentais para a felicidade e realização pessoal de cada um, e a pagarem o preço que for por eles, por mais caro que esse preço seja, não vai ter outro caminho, ou seja, o preço dos jogos vai continuar a subir cada vez mais.
Esses são os meus muitos centavos sobre gourmetização.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio