Logan_df::Não sei se muitas pessoas pararam para observar, mas o preço dos board games está caindo. É o mercado se regulando? Oferta maior que a demanda? Crise do mercado geral? Sou jornalista e game designer, e me contive para escrever este artigo: até tenho aqui alguns dados, mas o restante é puro “feeling”. Então vamos lá.
Luciano Marques
Caro
Logan_df
Luciano, gostei do seu post e achei sua análise muito interessante, no entanto, gostaria de ressaltar, que conforme você mesmo disse, nessa questão de preços, muitas vezes as pessoas comentam com base no seu próprio "feeling". Também é fundamental destacar que o mercado nacional de jogos sofre muitas distorções na questão do preço.
Logo de cara, se esbarra com o problema da maioria dos jogos não ter um lançamento contínuo. Apenas os blockbusters são produzidos e lançados no mercado continuamente. E isso nem depende do sucesso do jogo, porque o Wingspan, por exemplo, fez uma sucesso estrondoso, o que indicava que ele passaria a ser produzido regularmente por aqui, mas não foi isso que aconteceu, ou pelo menos é o que indica, aparentemente, a atual dificuldade de encontrar o jogo. Eu digo aparentemente, porque pode ser que essa falta seja apenas momentânea. Mas mesmo que esse não seja o caso do Wingspan propriamente dito, exemplo de jogo de sucesso que esgotou e não foi relançado (The Thing) ou demorou anos (como foi o caso do Stone Age) é o que não falta. Desse modo, como eu sempre digo as editoras nacionais de jogos modernos não tem produtos, elas têm na verdade projetos. A editora imagina que o mercado absorva 2.000 unidades, então ela produz essa quantidade, lança no mercado, e quando a triagem se esgota, pronto, o projeto foi finalizado com sucesso, e a editora parte para outro "jogo-projeto". Não há uma vontade das editoras de fidelizar o cliente e fazer com que mais pessoas comprem aquele jogo, o que leva a maiores tiragens e a maiores lucros, pelo maior volume de vendas. São só aquelas 2.000 unidades e acabou. Os jogos só são produzidos e vendidos com alguma regularidade se forem verdadeiros campeões de vendas, como um Dixit, um Ticket to Ride, um Pandemic, um Azul ou um Terraforming Mars da vida.
Isso dificulta sobremaneira uma análise mais ampla, com uma amostragem maior de jogos, contendo a evolução anual do preço de cinco anos para cá por exemplo. E considerando um universo de 300 lançamentos por ano, só para usar 10% disso, o que é uma amostragem muito pequena para se falar em tendência de mercado, seriam necessários no mínimo 30 jogos com lançamento contínuo. Por outro lado, esses jogos que eu citei no parágrafo anterior, não me parece que o preço esteja em queda, muito pelo contrário, eu só vejo o preço aumentar. Porém, mais uma vez esse é o meu feeling apenas, e não uma conclusão baseada em fatos concretos.
Outra questão que complica a análise é que em muitos casos (Stone Age foi um exemplo clássico), as editoras relançam seu jogos OOP (fora de catálogo), muito mais perto dos valores inflacionados pela escassez, no mercado de usados, do que pelo real custo dele. Posso estar errado, mas me parece que seria muito mais fácil o Wingspan ser relançado custando R$ 400,00 / R$ 500,00 do que R$ 300,00 / R$ 200,00. Isso porque o jogo é anunciado no mercado de usados por R$ 500,00 a R$ 700,00, e as pessoas pagam sem nem pestanejar. Esse é o único dado que as editoras precisam saber, ou seja, quanto as pessoas estão dispostas a pagar, em média, por um relançamento de um jogo "fora de catálogo".
No caso dos lançamentos inéditos, a coisa não é diferente, porque quando se diz que R$ 400,00 é o novo R$ 200,00 e R$ 600,00 é o novo R$ 400,00, as pessoas não estão brincando, nem exagerando. No caso dos jogos festivos, a linha pocket da Papergames realmente fez pressão para diminuir o valor desse tipo de jogo, mas no caso dos jogos família, dos euros/ameritrash médios, e dos jogos mais complexos e com mais componentes, o que se verificou foi uma subida de patamar de preços. Um Ticket to Ride que custava em média R$ 300,00 cinco anos atrás, antes da pandemia, agora custa por volta R$ 500,00. Nesse caso também é preciso cuidado para não comparar o preço pago em uma cópia lacrada do jogo, com o preço de uma cópia usada, anos depois. Quando se fala em preço de cópias usadas a distorção é ainda maior, porque muitas vezes os vendedores procuram ganhar bem mais do que pagaram pelo jogo, especialmente se ele estiver esgotado e com poucas cópias usadas disponíveis. Por outro lado, quando é lançada um reimplementação de um jogo consagrado, ou uma versão 2.0, o mercado acaba sendo inundado pelas cópias das versões antigas e a impressão é de que o preço baixou, mas isso não se reflete no preço da nova versão. O Kingdomino Origins custa em torno de R$ 250,00, que é R$ 100,00 mais caro que a primeira versão do jogo (cópias lacradas), mas o preço das cópias usadas normalmente fica por volta de R$ 100,00 ou menos.
Do mesmo modo, é preciso considerar também que muita gente entrou para o hobby durante, ou logo antes da pandemia, quando os preços já estavam em alta, portanto, para essas pessoas, um jogo custar R$ 400,00 era considerado normal, porque elas ainda não estavam no hobby, alguns anos antes, quando os jogos custavam em torno de R$ 250,00. Vale lembrar também, que eu acho difícil as editoras de jogos trabalharem com uma margem de lucro de apenas 30% (as editoras, não os lojistas), principalmente por conta do tamanho diminuto do mercado nacional de board games. Mercados maiores permitem margens de lucro menores, enquanto que mercados menores exigem margens de lucro maiores. Não tenho como afirmar, apenas dar um palpite, mas me parece que de forma geral, se a editora vender um terço da produção pelo preço cheio, o projeto já se pagou e deu lucro, e os outros dois terços podem ser vendidos por valores mais próximos do preço de custo. Mas isso é só especulação da minha parte.
O desempenho em vendas também interfere nisso, porque se o jogo estiver vendendo bem, dificilmente o preço dele baixa como é o caso do Azul e do Terraforming Mars. O caso da autoregulação do mercado também é algo que eu acho que ainda estamos longe de atingir, porque isso requer algum equilíbrio entre oferta e demanda. E nesse sentido, eu vejo poucos jogos floparem, em comparação com jogos que tem um desempenho médio. O chamado "efeito Gloomhaven" é um mito que mesmo influenciado muita gente, só aconteceu uma vez (um jogo caríssimo esgotar no mesmo dia). Quem investiu pesado no "Descent Lendas da Escuridão" que o diga. Mas, jogos caros como Ark Nova, Hegemony, e outros um pouco mais baratos como World Wonders venderam bem, mesmo levando algum tempo para escoar a maioria da produção.
Para terminar, como eu disse antes, o mercado nacional de jogos sofre muitas distorções e envolve uma quantidade significativa de variáveis, portanto, normalmente o que eu vejo quando se escreve sobre isso, é especulação demais e dados concretos de menos, o que inclusive me inclui. Nesse cenário só nos resta lançar mão do nosso feeling, e, pelo menos no meu caso, a impressão é justamente oposta ao do artigo, ou seja, os jogos me parecem estar ficando em média cada vez mas caros.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio